Novo sistema já coloca no mercado pelo menos três dezenas de empresas pequenas, médias e startups focadas na tecnologia.
Após a grande transformação digital, a agricultura passa por uma silenciosa transformação genética. A CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia) aprovou a edição genética feita com a técnica CRISPRs como uma ação convencional, e não transgênica.
O parecer da CTNBio foi dado sobre uma edição genética promovida pela Embrapa para desativar fatores antinutricionais da soja. Eles dificultam a digestibilidade e a absorção de nutrientes, principalmente por animais monogástricos, como suínos e frangos.
Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja, e com vivência de 33 anos nos laboratórios da empresa, diz que esse é um grande avanço. Para ele, é uma democratização das novas tecnologias do uso da biotecnologia na agricultura. O processo de transgenia é caro, demorado e está reduzido a poucas empresas com o poder de desenvolvimento de uma tecnologia desse tipo.
O novo sistema já coloca no mercado pelo menos três dezenas de empresas pequenas, médias e startups voltadas para essas novas tecnologias.
Os investimentos têm como foco uma diversificação das espécies, ao contrário dos projetos atuais que visam grandes culturas, como soja, milho e algodão.
A edição gênica é a revolução que está chegando. Ela manipula o DNA de uma própria espécie, muitas vezes com foco no que a natureza já fez ou poderá fazer. Já a transgenia vem de fora, com um DNA exógeno à planta, diz Nepomuceno.
Para o chefe da Embrapa, a edição gênica da soja imita alguns processos já existentes na natureza, mas que levariam muito tempo para serem obtidos, por exemplo, por um melhoramento clássico. O importante, segundo ele, é que a biossegurança fica preservada.
A edição gênica CRISPRs (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, ou seja, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas), além de reduzir os custos produção e de aprovação do processo, leva o produto mais cedo para o campo e tem uma liberação comercial mais rápida.
O sistema CRISPRs é como uma tesoura molecular de precisão. Ela localiza o gene que precisa ser manipulado para que sejam eliminadas algumas caraterísticas da planta. No caso do processo da soja da Embrapa, foi desativado o fator antinutricional lectina no DNA da oleaginosa.
Para Liliane Henning, pesquisadora da Embrapa Soja, as mudanças visam garantir não apenas a qualidade nutricional da soja, mas também uma redução dos custos do produto na alimentação animal.
O uso do sistema permitirá que algumas variedades de soja sejam mais tolerantes à seca, que haja mudanças na qualidade do óleo e até na produção de uma soja voltada mais para o biodiesel.
O mesmo poderá ocorrer com o milho destinado à produção de etanol, de papel ou de cola. Cana-de-açúcar, uva, feijão e açaí são produtos que também já estão no radar para um melhoramento genético.
Uma das grandes diferenças para a cadeia de soja e de outras culturas entre os sistemas de transgenia e do CRISPRs são os custos e o tempo de maturação de um projeto.
Uma variedade transgênica leva anos de pesquisa e um período de experimentos antes de o produto chegar comercialmente ao mercado. Além disso, há uma espera pela aprovação dos países importadores.
No caso da edição gênica, após a avaliação da CTNBio, já há uma liberação para a utilização das variedades, evitando-se os custos que superam US$ 150 milhões por projeto no caso dos transgênicos.
A edição gênica pode fazer em seis meses o que um melhoramento clássico demoraria uma dezena de anos.
A legislação sobre a edição genética também está sendo bastante diferente da dos transgênicos, segundo Nepomuceno. Ao contrário do que ocorreu com os transgênicos, quando cada país colocou uma legislação específica, no caso da edição genética está havendo uma harmonização entres os diversos países. “É uma legislação moderna e alinhada”, afirma o pesquisador.
Para o chefe da Embrapa, o momento de o empresariado brasileiro do agronegócio investir é este. Caso contrário, o país vai continuar pagando royalties.
A inovação vem muito do investimento público-privado. O ideal seria que o privado participasse com pelo menos 40% desses investimentos. Hoje está em 20%. “O agronegócio brasileiro, porém, é um setor que põe muito pouco a mão no bolso”, afirma ele (Folha de S.Paulo, 6/9/22)