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Créditos de carbono transferem renda do consumidor para o produtor

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Setor de biocombustíveis diz que programa está sob ataque de empresas contrárias.

Com pouco mais de dois anos de negociação na B3, o programa de créditos de carbono do setor de combustíveis passou a ser alvo de questionamentos, tanto pela disparada das cotações nos últimos meses quanto pela eficiência do ponto de vista ambiental.

O setor de combustíveis e especialistas pedem mudanças no programa, que acusam de transferir renda do consumidor para produtores de biocombustíveis. Os produtores de etanol dizem que a iniciativa está sofrendo um ataque de empresas que são contra o programa.

Chamados de Cbios, os créditos atingiram valores recordes no fim de junho, levando o governo a flexibilizar o prazo para cumprimento de metas de aquisição para reduzir a pressão sobre os preços dos combustíveis.

A decisão derrubou as cotações à metade, mas especialistas alegam que só empurra o problema para os anos seguintes, quando pode até faltar Cbio para o cumprimento das metas de compra obrigatória pelas distribuidoras.

As distribuidoras de combustíveis são obrigadas a comprar os Cbios para compensar a emissão de poluentes no consumo dos produtos. O objetivo é transferir recursos da venda de combustíveis fósseis para a produção de energia renovável, barateando seu custo e incentivando o consumo.

Cada Cbio equivale à emissão de uma tonelada de carbono na atmosfera. As metas de cada distribuidora são calculadas de acordo com o volume de combustíveis fósseis que cada uma põe no mercado. Em 2022, elas terão que comprar cerca de 36 milhões de títulos.

O valor dos Cbios é embutido nos preços da gasolina e do diesel, o que levou o governo a flexibilizar as metas e pedir ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) investigação sobre possível abuso de poder de mercado.

Autor de um estudo sobre o programa Renovabio, que criou os Cbios, o professor da PUC-Rio Márcio Thomé diz que os problemas refletem falhas na elaboração do programa, como a falta de fiscalização por órgãos do mercado financeiro, como a própria B3 e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

“Em setembro de 2021, por exemplo, tivemos uma compra muito elevada em um único dia, que enxugou o mercado e jogou os preços para cima. Essas compras atípicas precisam ser acompanhadas”, afirma, destacando que as três grandes distribuidoras brasileiras respondem por 70% das metas.

Ele cita também a impossibilidade de uso de outros créditos de carbono para compensar as emissões e o foco no setor de distribuição de combustíveis, sem participação ativa de empresas produtoras de petróleo ou refinarias.

A ideia, diz, é trazer para o mercado maior variedade de participantes, novos combustíveis e outras fontes de energia renovável para melhorar a concorrência e fomentar pesquisa e desenvolvimento de combustíveis e energias menos poluentes.

Autora de um livro sobre o programa, a advogada Patrizia Tömasi-Benzik acusa o programa de criar uma reserva de mercado para os produtores de cana-de-açúcar, lembrando que a lei que criou o Renovabio foi proposta pelo hoje presidente da Unica (União da Indústria de Cana de Açúcar), Evandro Gussi.

Ela defende ainda que os créditos não se adequam aos requisitos da ONU (Organização da Nações Unidas), por não garantir a retirada de carbono da atmosfera.

“O que o programa faz, na verdade, é obrigar o setor a comprar um crédito falso, que é escriturado por dois bancos e está sendo comercializado exclusivamente em uma bolsa de valores”, afirma.

As críticas são vistas como injustificadas pelos produtores de biocombustíveis e tentam reverter a flexibilização do cumprimento das metas junto ao governo. “Foi uma solução equivocadíssima. Me parece ilegal, inconstitucional”, diz o presidente da Unica.

Ele alega que foi baseada no projeto de lei que criou estado de emergência para justificar a concessão de auxílios em ano eleitoral, mas com limitações a medidas adicionais. “O MME [Ministério de Minas e Energia} está querendo transformar o estado de emergência em um cheque em branco.”

Gussi diz que o programa precisa de aprimoramentos e defende maior fiscalização pelo mercado financeiro e a criação de contratos de longo prazo para os Cbios, mas defende que o sistema incentiva investimentos em eficiência energética pelas usinas produtoras.

Ele argumenta que 135 empresas já recertificaram ou solicitaram a recertificação antes do prazo normal para conseguir ampliar o volume de Cbios emitidos com base em ganhos de eficiência desde que aderiram ao programa.

“Dizer que não gera busca por eficiência é ignorância ou má-fé”, afirma. “A usina que for mais eficiente vai ter mais Cbio pelo mesmo volume de etanol.”

Sobre a acusação de manipulação com Cbios, a Unica diz que hoje há poucos títulos já emitidos em mãos dos emissores. Segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), são cerca de 9% do total.

Dentro do setor de cana-de-açúcar, há outra disputa envolvendo o programa. Os plantadores de cana apoiam projeto de lei que lhes daria 80% do valor dos Cbios, hoje em discussão na Câmara dos Deputados.

Segundo a Orplana (Organização das Associações dos Produtores de Cana), cerca de 30% da matéria prima é plantada por produtores independentes. “A grande batalha nossa é para remunerar o produtor e não deixar que o programa acabe” (Folha de S.Paulo, 2/8/22)

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