Governo vem tentando negociar com russos, mas até agora apenas uma empresa comprou a ideia.
Apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) como solução para baixar o preço do diesel, a importação do combustível da Rússia é vista hoje como inviável pelo setor, diante das sanções impostas ao país após o início da guerra na Ucrânia.
Grandes distribuidoras e importadores de combustíveis avaliam que o risco é alto e há apenas uma empresa, de Santa Catarina, com autorização para buscar diesel em refinarias russas, mas o negócio ainda não foi concretizado.
No domingo (17), Bolsonaro disse que há negociações “bastante avançadas” com a Rússia para fornecimento de diesel ao Brasil por um preço mais barato. “Quantos por cento? Não sei. Quanto mais barato, melhor”, afirmou, sem dar mais detalhes sobre o acordo.
A Folha ouviu empresas do setor que vêm participando de reuniões com o governo sobre o tema, em um contexto de tentar garantir o suprimento do mercado até o fim do ano, mas há grande descrédito com relação a algum desfecho favorável.
Um desses encontros aconteceu no dia 1º de julho, com representantes dos governos do Brasil e da Rússia, as petroleiras russas Rosneft, Gazprom e Lukoil e distribuidoras e importadoras de combustíveis com atuação no Brasil.
Segundo um dos participantes, os russos ofereceram o produto, mas sem detalhar volumes nem preços. Nenhum acordo foi selado durante a reunião.
A Rússia ocupa a terceira posição tanto entre os maiores produtores mundiais de petróleo (atrás dos Estados Unidos e da Arábia Saudita), quanto entre os países com maior capacidade de refino (atrás dos Estados Unidos e da China).
O mercado se preocupa com os riscos de eventuais operações. Primeiro, porque a Rússia foi excluída do sistema usado pelos bancos para pagamentos transnacionais, chamado Swift. Em segundo lugar, as sanções impedem que seguradoras e transportadoras operem com produtos russos.
Há ainda riscos de sanções para empresas sediadas, com operações ou ações negociadas nos Estados Unidos, como as principais tradings globais de combustíveis, ou de danos à imagem por negociações com empresas russas enquanto a guerra perdurar.
“Devido às sanções impostas, as importações de produtos de fornecedores russos estão impossíveis”, resume Sergio Araújo, presidente da Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis).
Executivo de uma grande distribuidora de combustíveis brasileira acrescenta que, embora refinarias russas possam oferecer diesel mais barato, os altos custos do transporte neste momento tornariam o produto mais caro do que o principal fornecedor do Brasil, os Estados Unidos.
Após o início da guerra, uma empresa catarinense chamada Uptime Brasil obteve autorização da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) para importar diesel da Rússia e negocia trazer 25 mil toneladas por mês, o equivalente a 0,02% do volume importado pelo país em maio.
A ideia é fechar um contrato de 12 meses e, para driblar as sanções, a empresa vem negociando garantias e pagamentos por bancos asiáticos, prática usada também pelo setor de fertilizantes, aréa em que a Uptime também atua, diz o presidente da importadora, Eraldo Rosa.
“Não vou mudar o Brasil, não vou conseguir baixar preço na bomba”, diz. “Mas é importante porque é um começo. E com isso vai encorajar muitas empresas a procurarem alternativas. O Brasil precisa.” A expectativa é receber a primeira carga entre 30 e 45 dias.
Para o setor será necessário um volume muito maior para que importações a preços mais baixos tenham impacto sobre o preço médio do combustível no país. Atualmente, cerca de 30% do mercado nacional é abastecido por produtos importados, a grande maioria dos Estados Unidos.
O preço do diesel se tornou um problema para o governo, que tem pouca margem de manobra para forçar reduções nos postos, uma vez que os impostos federais estão zerados e a maior parte dos estados já aplicava alíquotas de ICMS menores do que o teto estabelecido no fim de junho.
Assim, desde que o projeto de lei reduzindo impostos sobre combustíveis e energia foi promulgado, o preço nas bombas caiu apenas 1,2%. Com alíquotas maiores antes do teto, a gasolina já teve queda de 17,8% (Folha de S.Paulo, 20/7/22)