A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (14/06), o texto-base do projeto de lei que limita em 17% a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de combustíveis, gás natural, transporte coletivo, energia elétrica e telecomunicações.
A medida é apoiada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) na esperança de que ela possa reduzir o preço dos combustíveis ao consumidor final. Após o texto ser totalmente votado, ele deverá seguir para a sanção presidencial. Só então a medida passará a entrar em vigor.
O projeto vinha sendo criticado pela oposição e por especialistas que alertam que a medida pode não surtir efeito no longo prazo por conta das oscilações do preço do petróleo no mercado internacional e ainda poderá comprometer as finanças de Estados e municípios.
O projeto havia sido aprovado na Câmara dos Deputados no final de maio. Na segunda-feira (13/06), o Senado votou favorável à medida, mas os senadores criaram emendas, alterando o texto inicial e, por isso, ele precisou ser votado novamente na Câmara.
Entre as emendas feitas pelos senadores e que foram aprovadas na Câmara está a que prevê que a União irá compensar os Estados e municípios para que os pisos constitucionais de servidores da saúde, da educação e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) continuem com os mesmos níveis orçamentários que tinham antes da entrada em vigor da nova lei.
No final da noite, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), encerrou a sessão por conta de um problema no painel do plenário. A votação deverá ser retomada na quarta-feira (15/06), quando os deputados deverão votar alguns destaques do texto.
O projeto teve o apoio de Bolsonaro, que aparece em segundo lugar nas principais pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais deste ano. Segundo levantamento do Datafolha de março, 68% dos brasileiros associam a alta no preço do produto ao presidente.
Por outro lado, a medida vem sendo criticada por políticos de oposição, especialistas, gestores e organizações não-governamentais. Eles alegam, em geral, que o projeto não impede que os preços dos combustíveis continuem subindo e ainda compromete as finanças públicas de Estados e municípios.
Batalha dos preços
O preço dos combustíveis subiu no Brasil de forma acentuada nos últimos anos. De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), entre março de 2021 e março de 2022, o preço médio do litro da gasolina aumentou 29,8%. Saiu de R$ 5,59 para R$ 7,26.
Em parte, a alta se deu como resultado do aumento no preço do petróleo no mercado internacional, no último ano. De acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), o preço do barril tipo Brent estava cotado a US$ 65 em maio de 2021. Em maio deste ano, o preço chegou a US$ 115, uma alta de 76%.
Com o aumento do preço dos combustíveis afetando fortemente a inflação oficial do país, o governo passou a procurar formas de baixar o preço dos produtos.
As ações do presidente Bolsonaro nessa área se dividiram em duas frentes principais. Em uma, ele vem mudando com frequência o comando da Petrobras. Neste ano, foram três trocas.
As mudanças vêm sendo vistas como uma espécie de pressão para que a estatal mude a política de preços dos combustíveis, que atualmente está alinhada com o mercado internacional.
Na outra frente, o governo federal passou a tomar medidas para reduzir a carga tributária sobre os combustíveis. A ideia é que, diminuindo a incidência de tributos e contribuições sobre o produto, ele possa ficar mais barato ao consumidor final.
Em 2021, o governo zerou os tributos federais sobre diesel e gás de cozinha.
Na semana passada, o governo anunciou mais uma medida: encaminhar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) ao Congresso Nacional prevendo uma espécie de acordo. Caso os Estados aceitem zerar o ICMS sobre diesel e gás de cozinha, o governo federal faria um ressarcimento sobre o valor que eles deixarem de arrecadar.
Além disso, o governo também se comprometeria a zerar os tributos federais sobre a gasolina e o etanol. Ainda não há previsão para que a PEC seja votada.
A medida, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, teria validade até 31 de dezembro deste ano.
Guedes disse ainda que a proposta não é um subsídio, mas uma “transferência” de recursos da União para os Estados.
“Trata-se de uma transferência extraordinária de recursos para que os Estados possam transferir uma parte do aumento de arrecadação para a população brasileira”, disse o ministro.
‘Combate ao sintoma e não à doença’
Para o advogado especialista em Direito Tributário e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Gabriel Quintanilha, o projeto votado nesta terça-feira tem falhas estruturais e seu impacto deverá ser passageiro.
“O teto de ICMS para os combustíveis trata um sintoma, mas não a doença. O projeto não resolve a questão fundamental que é a política de preços adotada pela Petrobras”, afirma o advogado.
“Se o projeto for aprovado, é possível que haja, no curto prazo, uma redução no preço dos combustíveis. Mas isso pode ser totalmente anulado num próximo reajuste de preços da Petrobras. A empresa, aliás, vem segurando os preços, mas vai precisar repassar as variações do petróleo no mercado internacional em algum momento”, afirmou o advogado.
O argumento de Quintanilha vai na mesma direção do que disse, na semana passada à BBC News Brasil, o especialista na área tributária da consultoria Mazars, Luis Carlos dos Santos.
“Entendo que o projeto pode não funcionar pois os preços estão atrelados ao mercado externo. Se houver um novo boom na cotação do petróleo, não será a mudança do ICMS que permitirá uma diminuição ou manutenção de um preço mais baixo nas bombas”, explicou o consultor.
No Senado, os parlamentares aprovaram um sistema no qual o governo federal irá compensar as perdas de arrecadação dos Estados por conta do teto do ICMS. Na terça-feira (14), este trecho não chegou a ser votado pela Câmara.
Segundo o texto aprovado no Senado, haverá um “gatilho” para que o governo federal faça o ressarcimento quando a perda de arrecadação em 2022 com o teto do ICMS for superior a 5% do total arrecadado pelos Estados em 2021 com os produtos.
As estimativas são de que o governo federal terá de desembolsar em torno de R$ 50 bilhões até o final do ano para bancar a limitação do ICMS.
Prejuízos na educação
Uma das áreas que especialistas afirmam que será mais afetada pela medida é a educação. Isso pode ocorrer porque, pela Constituição, pelo menos 20% de tudo o que é arrecadado pelos Estados com o ICMS tem que alimentar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Em alguns Estados, porém, a participação do ICMS na composição do Fundeb é bem maior que isso. Segundo o Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), no Rio de Janeiro, esse percentual é de 90%.
Na semana passada, o ex-presidente e pré-candidato à eleição Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou o projeto. Em uma postagem nas redes sociais, ele disse que a medida traria prejuízos à saúde e à educação.
“Com o pretexto de resolver os preços dos combustíveis, apresentam uma imposição de redução de recursos para saúde e educação nos Estados e municípios”, disse Lula.
O governo, porém, defende a medida. Durante sua passagem pelo Fórum Econômico Mundial, em Davos, no final de maio, o ministro da Economia, Paulo Guedes, atacou os governadores que se mostraram contra a medida.
“Pode jogar lá… nos Estados que estão reclamando, o governador ou é despreparado ou é um ingrato”, disse Guedes.
A organização não-governamental Todos pela Educação divulgou uma nota técnica passada apontando que a redução proposta pelo projeto pode resultar em uma perda de R$ 16 bilhões por ano em recursos para a educação em todo o Brasil.
Para vencer a resistência da oposição, a bancada governista no Senado cedeu e manteve no projeto a previsão de que o governo federal iria compensar as eventuais perdas do Fundeb decorrentes do teto do ICMS de forma permanente e não apenas até o final do ano, como estava previsto inicialmente. Este dispositivo também foi aprovado pela Câmara dos Deputados (BBC Brasil, 14/6/22)