Por Mauro Rodrigues
Uma tempestade perfeita se formou nos últimos anos.
Não é um fenômeno brasileiro apenas. Pegou fogo no mundo todo, tanto em economias emergentes como no grupo de elite das desenvolvidas. Nos EUA, anda na casa dos 8,5%; na Inglaterra, ali pelos 9%. Parece que estamos de volta ao início dos anos 1980. Seguem daí quatro perguntas relevantes:
“Vai passar?” Certamente.
“Rapidamente?” Cremos que não.
“É um problema?” Pergunta capciosa, mas pendemos para o não.
“Há MMTs-incendiários-inflacionistas infiltrados no Por Quê?” Não que saibamos!
Uma tempestade perfeita se formou nos últimos anos para arrancar a inflação no mundo desenvolvido de seus monótonos 2% e arremessá-la violentamente para acima de 6%. Uma combinação de capacidade de oferta conturbada e estímulos excessivos, coroada por uma estúpida guerra.
Por que a inflação vai passar? Porque, em todo o mundo, estão sendo tomadas ações para derrotá-la. As políticas monetária e fiscal, que com a chegada da praga em 2020 foram colocadas em modo expansionista nível máximo (esses sim nunca antes vistos na história das repúblicas), estão sendo revertidas à normalidade. Déficits fiscais monstruosos de 10% a 15% vistos poucos trimestres atrás estão indo para a casa do zero em diversos lugares do mundo e os juros estão subindo, o que vai constranger o consumo.
Um exemplo: as taxas para compra de imóveis nos EUA passaram de 2,5% para 5% em questão de semanas! Os preços das casas americanas estão parando de subir e logo começarão a cair com essa hipoteca salgada. Houve, decerto, nos países avançados, um problema de timing. Enquanto nos emergentes, à medida que a inflação foi ganhando tração ao longo de 2021, os bancos centrais iniciaram o processo de normalização das taxas de juros, nos desenvolvidos abateu-se uma letargia.
Esperaram vários trimestres com a inflação esquentando antes de acordar para a realidade de que o dragão havia despertado de sua longa hibernação. Neste exato momento, enquanto o juro no Brasil é maior do que a inflação corrente, nos Estados Unidos ele é cerca de um décimo dela. Incrível!
Nos anos 1980, quando no banco central dos EUA, Paul Volcker chegou para debelar a maldita, a dívida pública como proporção do PIB era de cerca de 30%. Hoje ela é de 125%, maior que tudo o que a economia produz num dado ano. Ou seja, se pegássemos todo o PIB norte-americano, todinho ele, não sobrando nada para as pessoas consumirem ou investirem, e usássemos para pagar a dívida do governo, ela retornaria ao patamar de lá de trás.
Essa montanha de dívida dos países desenvolvidos (com raras exceções) é um constrangimento sério para ajustes muito abruptos da taxa de juros. Dívida muito elevada enseja riscos de diversas naturezas, e juro alto em cima de dívida alta é como uma bola de neve turbinada.
Em resumo, subir o juro como fez Volcker nos anos 1980 pode levar a uma tremenda crise fiscal. Por isso nossa aposta é que no mundo desenvolvido as taxas de juros vão seguir subindo, mas não em alta velocidade. Isso, obviamente, significa que a inflação vai cair apenas bem lentamente.
O que não é necessariamente ruim se as expectativas de inflação futura seguirem relativamente ancoradas –e até aqui a desancoragem das expectativas foi modesta. Pela seguinte razão: essa surpresa na inflação ajuda, em menor ou maior grau, dependendo de outras características da economia, a aliviar o lado fiscal, a comer um pedacinho da dívida, a ajustar o salário real do funcionalismo para um nível mais condizente com o “emprego equivalente” do setor privado.
Mas, como brasileiros, somos gatos escaldados e, portanto, sabemos bem que inflação descontrolada não é solução para nada. A discussão é se faz sentido ou não forçar sua queda a uma velocidade muito rápida. Cremos que não, mesmo sendo ortodoxos (Mauro Rodrigues (professor de economia na USP e autor do livro “Sob a lupa do economista”) e equipe do Por Quê?; Folha de S.Paulo, 1/6/22)