Editorial O Estado de S.Paulo
Invasão da Ucrânia pela Rússia eleva os preços de petróleo, algo que favorece tecnologias verdes e que pode criar oportunidades para o Brasil.
A invasão da Ucrânia pela Rússia completa três meses sem sinal de acordo para um cessar-fogo por parte de Vladimir Putin, com consequências desastrosas em termos de vidas perdidas, cidades destruídas e uma economia devastada, com alguns dos maiores polos industriais e portuários ainda nas mãos dos russos.
Para a economia mundial, o principal resultado do conflito tem sido a explosão das cotações de petróleo, com preços sustentadamente acima de US$ 100 pressionando a inflação e levando a reflexões acerca da redução no ritmo da transição energética e a um consequente aumento nas emissões de carbono.
Se antes da eclosão da guerra analistas projetavam o fim da era do petróleo em 30 anos, o avanço nos preços do barril no mercado internacional tem sido um incentivo para a retomada de leilões em diversos países. Reportagem do Estadão mostrou que 15 licitações para exploração de petróleo e gás devem ser realizadas ao longo deste ano em países como Indonésia, Malásia, Angola e Estados Unidos, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Para ter uma ideia, houve apenas seis leilões em 2021 – dois deles no Brasil.
Na outra ponta, membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) se recusam a aumentar a produção mesmo com preços mais altos, uma maneira de sustentar as cotações elevadas e a própria exploração de óleo por mais tempo. Essa postura tem beneficiado Putin de forma direta – nos dois primeiros meses da guerra, as exportações russas de petróleo para a União Europeia renderam o dobro do valor faturado no mesmo período de 2021, ainda que os volumes vendidos tenham sido praticamente iguais.
No curto prazo, a União Europeia precisará enfrentar um inverno rigoroso sem poder contar com o gás natural russo. O pragmatismo europeu permitiu a reativação de usinas a gás, óleo e carvão – principal alvo dos ambientalistas – e até a uma maior aceitação da energia nuclear, alternativa que vinha sendo rejeitada após o acidente em Fukushima, em 2011.
O bloco europeu, no entanto, não alterou sua meta para redução das emissões – a tendência é que apenas o prazo para atingi-la seja relativamente esticado – e dobrou a aposta nas renováveis. Prova disso é o RePowerEU, pacote de mais de 300 bilhões de euros lançado nos últimos dias para tornar a região independente da energia russa até 2027.
O plano prevê 12 bilhões de euros para a construção de estruturas de escoamento de gás natural e infraestrutura de petróleo, mas a maior parte dos recursos será investida em energia limpa e ações de incentivo à racionalização do consumo. O objetivo do plano é que as fontes renováveis atinjam 45% da matriz do bloco até 2030.
A explosão dos preços do petróleo e de seus derivados tem sido um duro golpe para o bolso dos consumidores em todo o mundo, mas, paradoxalmente, ela também favorece a competitividade de tecnologias verdes. Quando tudo está caro, investimentos em baterias, eletrificação, hidrogênio e combustíveis sintéticos para a aviação e transporte marítimo deixam de ser alternativas inviáveis. Nesse sentido, há quem diga que a guerra entre Rússia e Ucrânia pode até mesmo impulsionar a transição energética.
Todo esse contexto traz oportunidades enormes para o Brasil, que tem uma posição de liderança em energia limpa entre as maiores economias do mundo. Em recente entrevista ao Estadão, o presidente da consultoria de energia PSR, Luiz Barroso, destacou que este potencial é uma alavanca que pode acelerar o rumo para uma economia de baixo carbono global.
Segundo ele, novas tecnologias, como o hidrogênio e amônia verde, podem contribuir até mesmo para reduzir a dependência nacional de importações de fertilizantes. O hidrogênio é a principal aposta da Europa para substituir o gás russo e, eventualmente, pode se tornar um dos principais itens da nossa pauta de exportações.
Com algum nível de planejamento e ações coordenadas, o País poderá aproveitar essa janela para finalmente retomar um crescimento econômico sustentável. Que, desta vez, ela não seja perdida (O Estado de S.Paulo, 1/6/22)