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Açúcar: Quebra-cabeça

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Por Arnaldo Luiz Corrêa

O mercado futuro de açúcar em NY continua tentando inquietantemente se manter acima dos 20 centavos de dólar por libra-peso, mas vai encontrando enorme resistência da realidade que se impõe. E ela atende pelo nome de oferta e demanda equilibrada. Toda vez que o mercado em NY transpõe a barreira dos 20 centavos de dólar por libra-peso, um volume expressivo de fixações de venda proveniente da Ásia empurra as cotações de volta para níveis mais realistas.

O contrato com vencimento maio/22 encerrou a semana encurtada pelo feriado de Páscoa a 20.13 centavos de dólar por libra-peso, uma queda de 28 pontos (pouco mais de 6 dólares por tonelada) em relação ao fechamento da semana anterior. O vencimento julho/22 apresentou queda de 19 pontos (4 dólares por tonelada) encerrando a 20.08 centavos de dólar por libra-peso e o outubro/22 praticamente inalterado. Ou seja, a movimentação da semana mostrou um enfraquecimento dos spreads.

Isso não quer dizer, claro, que os preços do açúcar não podem continuar subindo pois, como observamos em nosso último comentário, a grande maioria das commodities negociadas em bolsas está invertida, não devido a um eventual descompasso na oferta do produto, mas principalmente porque os consumidores finais temem que haja algum óbice que atrapalhe a livre movimentação do produto. E, em cenários com turbulência, como se sabe, os fundos adicionam novas compras buscando lucrar com o aumento da volatilidade. Ato contínuo, toda a curva se desloca para cima nos vencimentos mais curtos (onde está a aflição momentânea) alimentada pelo ajuste dos livros das casas comerciais por meio dos spreads.

A safra 22/23 que se inicia no Centro-Sul, no que diz respeito ao açúcar, na nossa visão, está equacionada. Alto volume de fixações (acima de 20 milhões de toneladas de açúcar) que devem se converter em exportação física do produto, pois existem contratos lastreando esses hedges. A migração de açúcar para a produção de hidratado, ainda que em parcela pequena, não pode ser descartada, por meio de washout, condição prevista na maioria dos contratos internacionais de commodities. Nela, o vendedor negocia a recompra do produto que não pode ou não quer entregar. O início da safra deve diminuir essa possibilidade. Mas, vale observar de perto.

O preço médio que as usinas obtiveram na fixação dos açúcares de exportação da safra 21/22 recém-encerrada, foi de R$ 1,640 por tonelada, que atualizado para valores de hoje alcança R$ 1,872 por tonelada. Quando as fixações foram feitas, as usinas não podiam prognosticar que o custo de produção fosse escalar na proporção que se viu e parte da margem que estimavam receber foi consumida pelo aumento dos insumos.

Essa constatação por parte das usinas ocasionou uma desaceleração nas fixações de vendas de açúcar para a safra seguinte (esta que está iniciando), que ainda assim começa com um percentual fixado bastante alto: cerca de 80%. Inferior aos 86% da safra 21/22 em seu início. No entanto, se tomarmos a safra 16/17 até a safra 20/21, o percentual médio de açúcares fixados antes do início de cada uma foi de 52%. Não temos o percentual da safra seguinte, mas estimamos que no final de fevereiro/22, por exemplo, 14% da safra 23/24 que se inicia em abril do ano que vem já estava fixada.

O que provocou a aceleração por parte das usinas nas fixações de preço do açúcar no passado? Primeiramente, porque o açúcar era então o único produto que elas podiam fazer o hedge, que não sofria interferências do governo via preços administrados da gasolina causando o achatamento ou destruição da margem de lucro do hidratado. Hoje, as usinas sabem que podem mudar o mix, assumem que a Petrobras tem menor chance de sofrer intervenções governamentais e, portanto, mais condições de administrarem sua produção direcionando para o produto que propicia mais retorno financeiro.

Quando estavam na corda bamba, sem alternativas de hedge para um percentual significativo de sua produção, algumas usinas acabaram usando produtos derivativos que ao invés de mitigarem o risco, fugiram de seu propósito inicial e acabaram potencializando-o. São inúmeros os casos de usinas e empresas do setor que se deram mal com a utilização de opções exóticas na década passada. Acumuladores, opções que dobravam, opções que desapareciam, entre outras maravilhas da engenharia financeira. Algumas estão pagando a conta até hoje.

Uma vez dado o cenário da 22/23, o que pode ocorrer na 23/24? As usinas consultadas admitem que ainda é muito cedo falar sobre a próxima safra. E esse é um ponto muito importante.  As incertezas se avolumam dada a fragmentação que o processo decisório apresenta. Foi-se o tempo em que a usina olhava o açúcar em NY e o câmbio. Tente listar hoje os ativos que compõem toda a estrutura de custo e/ou fazem parte da formação de preço do açúcar e etanol. Não é para amador. Quem tratar o mercado de forma amadorística vai ser engolido por quem faz a lição de casa. Aquela conversa de “nós sempre fizemos assim” pode servir como epitáfio, não como filosofia.

Com tantas incertezas sobre a mesa e a preocupação acerca do custo de produção desta safra que se inicia com 80% do açúcar fixado a um preço médio de R$ 2,178 vis-à-vis um custo de produção da safra anterior de R$ 1,590 (base 31/janeiro), é apenas natural que a 23/24 fique em espera até que os fragmentos formem uma figura mais nítida.

Como temos dito em comentários anteriores, 23/24 vai ser uma outra bola em jogo. Vemos mais fatores à frente que podem elevar os preços em centavos de dólar por libra-peso do que o contrário. Grande parte das usinas com quem falamos está preocupada com a perda de área para outras culturas mais vantajosas. Um dos grupos registra perda anual de área de 3% nos últimos cinco anos. Os dados da UNICA recém-publicados apontaram queda de 1.4% na área de cana. Não é de se admirar que com a soja valendo 180 reais e a cana 130, os fornecedores migrem para a oleaginosa.

Enquanto isso, o hidratado negociou na semana equivalente ao açúcar NY mais 300 pontos, se considerarmos aproximadamente 50 pontos de vantagem propiciada pelo CBio. Quem poderia dizer? (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting; 14/4/22)

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