Editorial O Estado de S.Paulo
Belém não expôs o esgotamento do multilateralismo, mas sim da fantasia de uma transição energética feita à força, sem tecnologia, sem consenso, sem aritmética e à custa da prosperidade.
Mesmo antes do fim da COP-30, brotou forte na imprensa a leitura do “esgotamento do processo multilateral”, cujo emblema maior seria o fracasso em desenhar o “mapa do caminho” para a eliminação dos combustíveis fósseis. Mas o processo da COP funcionou como sempre: consensos mínimos, avanços graduais e acordos procedimentais. O que naufragou em Belém não foi a forma diplomática, mas o conteúdo de uma agenda que exige a supressão dos fósseis em ritmo acelerado, como se a física, a economia e a política fossem negligenciáveis.
Se esse voluntarismo energético foi frustrado, não é porque os países tenham desistido do clima, mas porque a aposta de que seria possível substituir rapidamente os fósseis a golpes de subsídios em energia eólica e solar – sem infraestrutura adequada ou capacidade de armazenamento – provou-se uma ficção cara. O mundo real puniu essa fantasia com inflação energética, perdas industriais e revolta do eleitorado. A Europa é um exemplo contundente: metas ambiciosas demais exauriram sociedades incapazes de absorver seus custos.
Países pobres e emergentes também se recusam a pagar a conta, notificando que não sacrificarão crescimento e industrialização. Energia barata e confiável é precondição de prosperidade. Os renováveis seguem crescendo, mas apenas somam – não substituem – a capacidade existente. Sem flexibilidade, transmissão e armazenamento, não há transição acelerada; há slogans.
O divórcio entre diplomacia climática e realidade material ficou claro em Belém. O palco segue maximalista, enquanto o mundo real migra para outra lógica: transições mais lentas, foco em adaptação e prioridade à segurança energética e à prosperidade como condição de resiliência climática.
Em três décadas, a obsessão por cortar na marra a oferta de combustíveis fósseis praticamente não alterou a trajetória das emissões. A insistência num modelo que não entrega resultados, mas multiplica custos, corroeu a legitimidade política da agenda. O cansaço dos eleitores não é negacionismo: é aritmética doméstica. Energia cara destrói o consenso social. A já folclórica coxinha a R$ 45 – ainda que os preços em Belém durante a COP não tenham relação direta com a energia – serviu involuntariamente como um aperitivo indigesto do custo de vida global se vierem a prevalecer as políticas energéticas exigidas pelo ambientalismo radical.
Sintomaticamente, a COP avançou justamente onde há realismo: adaptação, proteção florestal baseada em incentivos, métricas para resiliência e financiamento híbrido. Não é coincidência. Mais do que cortar emissões a qualquer custo, as nações querem fortalecer infraestrutura, saúde, saneamento, redes elétricas – elementos que, de fato, reduzem vulnerabilidades. A inflexão do tecnólogo e filantropo Bill Gates simboliza a ascensão de uma nova agenda climática, que coloca energia abundante, inovação tecnológica e desenvolvimento no centro.
O eixo que ganha força – e que a COP, ainda que a contragosto, confirmou – é simples: a transição energética só será viável se for barata, segura e politicamente vendável. Isso exige inovação maciça, barateamento tecnológico e crescimento. Países em desenvolvimento – que cada vez mais responderão pela esmagadora maioria das emissões – não serão convencidos por metas abstratas, mas por benefícios concretos: empregos, eletricidade confiável, agricultura forte.
Dizia-se que a COP-30 seria a “COP da Verdade”. E foi. Não a verdade idealizada pelo radicalismo ambiental, e sim a verdade vivida pelo mundo real. Mesmo as previsíveis falhas de infraestrutura serviram para mostrar ao mundo as necessidades sociais urgentes de populações pobres, como as da região amazônica.
O que realmente fracassou foi a fantasia de que cúpulas de elite poderiam decretar, por chantagem moral, uma mutação histórica na oferta de energia sem antes resolver questões elementares de engenharia, capital e tempo. Quando o debate abandonar o pensamento mágico da “eliminação” dos fósseis e voltar a se orientar por prosperidade, tecnologia e realismo energético, o multilateralismo deixará de parecer impotente – e recuperará sua utilidade (Estadão, 25/11/25)









