- OUTRO LADO: Itamaraty diz que eventos demandam maior intensidade de trabalho, mas que compensará horas extras
- Jornadas chegam a 16 horas diárias, seguidas de enxurrada de atestados médicos, segundo sindicato
Funcionários de carreira no Itamaraty estão cumprindo jornadas diárias de até 16 horas por 20 dias consecutivos, sem descanso semanal, folga ou qualquer outro tipo de compensação, para dar conta da COP30, em Belém, de acordo com o Sindicato dos Diplomatas Brasileiros.
A entidade recebeu dezenas de queixas, que farão parte de uma representação ao Ministério Público do Trabalho. Em resposta às queixas, o Itamaraty disse, por meio de nota, nesta sexta-feira (14), que “o acolhimento de eventos multilaterais no país enseja, necessariamente, maior intensidade de trabalho” e que compensará as horas extras devidas aos servidores.
Segundo o sindicato, não tem havido “descanso semanal, folgas ou compensação” pelo excedente trabalhado tanto na COP30 quanto em cúpulas anteriores. Além disso, uma parte das horas extras nem sequer aparece nos registros oficiais, porque o Itamaraty “não permite lançar mais de 10 horas de trabalho por dia nos controles de ponto”. O resultado, diz a entidade, são “horas invisíveis”, que correspondem a “trabalho efetivamente realizado, mas que não entram na conta para fins de compensação”.
Um dos diplomatas disse à Folha ter trabalhado 14 dias seguidos, em Belém, na preparação da Cúpula dos Líderes, antes da abertura da COP30. Ele e outros colegas foram hospedados em um barco que ficava a mais de uma hora do local do evento, para onde eram levados à meia-noite e de onde saíam às 4h, sendo orientados por seus superiores a não silenciarem seus celulares durante o sono.
Ele disse que já havia trabalhado como servidor público federal em outras áreas, mas que nunca viu escalas como as praticadas no Itamaraty. De acordo com o diplomata, que pediu anonimato por temer represálias, não são feitas escalas de horário para o revezamento de equipes, e todos acabam trabalhando em esquema de plantão permanente —ao contrário do que ocorre, por exemplo, com as equipes da Polícia Federal e de outros servidores.
De acordo com o sindicato, os diplomatas mais novos são os mais prejudicados –como eles dependem de recomendação de seus superiores para obter promoções e para serem nomeados para postos no exterior, muitos “aceitam e naturalizam abusos e condições precárias de trabalho”.
Na diplomacia brasileira, é possível permanecer décadas nos estágios iniciais da carreira, como terceiro, segundo e primeiro-secretário, enquanto servidores públicos de outros setores chegam ao topo em até 20 anos. A categoria se queixa da falta de critérios técnicos transparentes para as promoções, o que favorece injustiças, disse Larissa Benevides, advogada do sindicato e sócia do escritório Fischgold Benevides Advogados.
A situação não é nova. Após a 19ª Reunião de Cúpula do G20, em novembro de 2024, e a reunião do Brics, em julho deste ano, ambas no Rio de Janeiro, houve “casos de burnout durante as operações” e, na sequência, “uma enxurrada de atestados médicos”, segundo a entidade.
Em abril deste ano, o sindicato chegou a ajuizar uma ação para solucionar o problema. Em resposta, a Secretaria-Geral do Itamaraty disse que faria uma revisão da portaria que trata do regime de trabalho dos diplomatas, mas os problemas detectados nas cúpulas do G20 e do Brics foram repetidos na COP30, levando a categoria a preparar a representação no Ministério Público do Trabalho.
No caso dos diplomatas que ainda estão em formação —trabalhando no Itamaraty, mas ainda estudando no Instituto Rio Branco— a situação é ainda mais complicada, afirma o sindicato. Isso porque eles ficam sujeitos a um duplo controle diário de ponto, no trabalho e nos estudos, acumulando horas extras, sem poder faltar às aulas quando tiram folga e sem poder alterar o calendário acadêmico.
O diplomata ouvido pela Folha diz que é comum superiores reagirem às queixas dos mais jovens dizendo que a carreira é um sacerdócio de dedicação integral. Para o sindicato, o que está em jogo é o respeito aos “direitos trabalhistas de servidores federais, a saúde física e mental de jovens diplomatas e a própria coerência entre o discurso de direitos humanos do Brasil e as condições de trabalho nos bastidores da diplomacia” (Folha, 15/11/25)









