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Açúcar demais, transparência de menos

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Por Arnaldo Luiz Corrêa

O mercado encerrou a semana com uma queda acentuada no vencimento Março/25, que expirou a 19.54 centavos de dólar por libra-peso, registrando uma desvalorização de 39 dólares por tonelada no acumulado da semana. O contrato Maio/25, que passa a ser o primeiro vencimento a partir de segunda-feira, fechou a 18.75 centavos de dólar por libra-peso, um recuo de 116 pontos em relação à semana anterior, representando uma retração superior a 25 dólares por tonelada.

Embora o mercado já apresentasse um viés mais baixista desde o evento de Dubai, a intensidade da queda foi acentuada por ações supostamente vindas da ICE (Intercontinental Exchange, a bolsa de futuros de café, açúcar, cacau, algodão e suco de laranja em Nova York). Essas intervenções teriam influenciado a liquidação de posições e o enfraquecimento dos spreads. Já vou comentar.

Sobre esse cenário, um experiente trader comentou: “Nunca vi tamanho absurdo em toda minha vida.” Situações como essa não são inéditas—já houve precedentes protagonizados pela ICE, incluindo um caso marcante que impactou uma trading brasileira em janeiro de 2008.

Mercados organizados operam sob o princípio da transparência nas regras, garantindo um ambiente previsível e seguro para todos os participantes. No contexto das bolsas de futuros, a entrega física de uma commodity deve ser vista como um último recurso para o vendedor, seja porque não encontrou um comprador melhor ou porque optou por atrasar a entrega intencionalmente, apostando que o ganho obtido com o spread invertido compensará os custos adicionais, como o demurrage — taxa cobrada pela permanência do navio no porto além do período estipulado no contrato.

Circulam rumores de que a ICE pretende votar, em breve, novas regras para o mercado de açúcar, visando restringir a entrega de grandes volumes. No entanto, ainda não há uma definição clara do que a bolsa considera um “grande volume”. A medida envolveria um aumento nos custos de demurrage como forma de desestimular essas operações.

Em tese, qualquer nova regulamentação só poderia ser aplicada a um vencimento futuro que ainda não tenha posições em aberto, isso é, março de 2028, evitando impactos retroativos que poderiam prejudicar os participantes do mercado.

Segundo um expert em regras da Bolsa, quando uma empresa deseja entregar ou receber um volume superior ao limite estabelecido pela ICE, de 5.000 contratos (equivalente a 254.000 toneladas), é necessário solicitar uma autorização especial da bolsa. No entanto, circulam rumores — ainda não confirmados — de que a ICE teria negado essa autorização a uma das maiores empresas agroindustriais do mundo, sediada na Ásia, que pretendia receber uma quantidade significativa de açúcar nesta expiração.

Diante desse cenário, surgem algumas perguntas: a) A empresa solicitou a autorização dentro de um prazo adequado? B) Por que a regra teria sido aplicada de forma diferente para participantes distintos? c) Mesmo que a ICE suspeitasse de alguma irregularidade, as regras não deveriam ser seguidas de forma clara e previsível?

Independentemente das razões por trás dessa possível decisão, o efeito prático no mercado foi evidente. Os rumores sobre essa restrição ajudaram a derrubar o spread março/maio, pois o comprador, sem poder receber o açúcar conforme planejado, precisou realocar sua posição comprada para vencimentos mais distantes, pressionando os spreads mais próximos. Mas, afinal, o que pode ser considerado um grande volume? Vamos analisar.

Em 1997, uma cooperativa de usinas produtoras de açúcar entregou 264.160 toneladas de açúcar contra o contrato de maio/97 no porto de Paranaguá. Para se ter ideia do tamanho da brincadeira, esse volume representava 3.5% da posição em aberto da época e 58% do volume médio mensal das exportações brasileiras de açúcar nos últimos 12 meses. Um verdadeiro tsunami de açúcar. Agora, o detalhe curioso (ou cômico?): a bolsa (era NYBOT na época) não moveu um músculo para questionar essa entrega, apesar de o limite já ser 5.000 contratos, o mesmo de hoje.

Quem se incomodou foi o CFTC (Commodity Futures Trading Commission), o xerife dos mercados de futuros e opções nos Estados Unidos. E como foi a abordagem? Nada de formalidades ou papelada excessiva—apenas um recado bem-humorado, mas bem direto: “Make sure you don’t hit the headlines!” (Certifique-se de não virar manchete!).

Ou seja, a preocupação não era exatamente com o impacto no mercado, mas sim com o barulho que isso poderia causar. A diferença entre aquela época e agora? Parece que hoje algumas regras valem para uns, mas não vale para outros.

Trazendo essa lógica para os dias atuais, 3.5% da posição em aberto equivale hoje a 33.600 contratos, ou cerca de 1,7 milhão de toneladas de açúcar. Já os 58% do volume médio mensal das exportações brasileiras nos últimos 12 meses representam aproximadamente 1,8 milhão de toneladas. Em outras palavras, o volume que a empresa asiática supostamente estaria pronta para receber não era nada de extraordinário — ao menos, não mais do que já se viu no passado.

A função da ICE não é fiscalizar gargalos logísticos, inferir se algum player quer espremer o mercado, decidir se um volume é “grande demais” ou pequeno demais, nem bancar a síndica do mercado questionando se uma empresa pretende usar qualquer tipo de subterfúgio. Se há algo de errado, mudem-se as regras.

O problema aqui é que, se os rumores forem verdadeiros, estamos diante de um caso clássico de insegurança regulatória. Um mercado futuro precisa operar sob regras claras, previsíveis e aplicáveis a todos. Quando decisões extraoficiais começam a afetar operações legítimas, a mensagem que fica é: as regras podem mudar no meio do jogo. E isso, definitivamente, não combina com mercados organizados.

Agora, imagine se aquela mesma cooperativa resolvesse, nos dias de hoje, entregar um volume de 33.600 contratos—um número absolutamente compatível com a realidade atual do mercado. Afinal, o que define um “grande volume” de entrega? Parece que a resposta depende menos de critérios objetivos e mais da vontade do burocrata de plantão. A falta de concorrência no mercado de futuros acaba deixando os players à mercê de decisões arbitrárias, onde quem deveria garantir a transparência do mercado, acaba ditando suas próprias regras.

No final das contas, a entrega total foi de 34.386 lotes, equivalentes a 1.747.000 toneladas de açúcar. O movimento atípico no mercado favoreceu os fundos especulativos, que ganharam uma sobrevida com essa queda repentina. O relatório COT (Commitment of Traders), publicado pelo CFTC, com base na posição da última terça-feira, mostrava que os especuladores estavam vendidos em apenas 53,270 contratos, liquidando quase 50,000 lotes. Portanto, a vulnerabilidade que esperávamos da posição vendida dos fundos esvaiu-se.

Nosso colaborador, Marcelo Moreira, O contrato Maio-25, que atingiu a máxima do ano em 19.98 centavos de dólar por libra-peso em 25 de fevereiro, encerrou a 18.50 centavos de dólar por libra-peso. Após cinco pregões acima do topo da Banda de Bollinger de 50 dias, a realização veio rapidamente, influenciada pelo vencimento do contrato Março-25 e rumores de que uma grande trading teria sido forçada a liquidar parte de sua posição comprada para atender aos requisitos da bolsa.

Os principais suportes foram rompidos, com os próximos níveis em 18.21 e 17.50 centavos de dólar por libra-peso, enquanto as resistências estão em 19.20, 19.42 e 19.66 centavos de dólar por libra-peso.  O próximo movimento dependerá do tamanho da entrega contra Março-25 e da rapidez na nomeação dos navios pelo recebedor. Haverá demanda para todo o volume entregue? As usinas anteciparão a moagem? Poderemos ter um acúmulo de entregas físicas também contra Maio-25? O spread V5/H6 voltou a abrir, fechando a semana em 35 pontos.

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