Por Arnaldo Luiz Corrêa
Ao brindar com um amigo italiano num restaurante típico do sul da Itália, cuidadosamente escolhido a dedo, ele levantou a taça de vinho e, com aquele sotaque inconfundível, exclamou: “Vida longa e morte súbita!” Intrigado, perguntei por que ele desejava uma “morte súbita” em meio a tanto vinho e alegria. Com um sorriso maroto, ele me respondeu: “Porque a vida deve ser longa e prazerosa, e quando a morte finalmente vier, que seja rápida, sem dor e com estilo!” Não pude deixar de rir, pensando que até na hora de partir, um italiano vero prefere manter o drama em alta, mas sem perder o charme. Meu avô, um romano, certamente aplaudiria essa celebração. Confesso que essa frase ficou na minha cabeça como uma síntese espirituosa e irreverente da paixão e emoção tão características dos italianos do sul.
Agora, você deve estar se perguntando o que isso tem a ver com o mercado de açúcar ou se pegou o texto errado para ler. Sim, este é o nosso comentário semanal, e deveria trazer notícias fresquinhas e insights valiosos sobre o mercado. O elo dessa história é que, recentemente, muito se tem falado sobre a “morte súbita” dos canaviais, e a expressão do meu amigo veio à tona no meu inconsciente. O cenário atual dos canaviais é, de fato, preocupante. Os números recordes de moagem em comparação aos anos anteriores podem passar uma falsa impressão, especialmente para quem observa de longe, de que a quantidade de cana é infinita e que novos recordes serão batidos. No entanto, isso não vai acontecer.
Muitas usinas já estão percebendo uma piora na qualidade da cana, o que dificulta o processo de cristalização do açúcar. Em algumas regiões, o déficit hídrico já levou várias empresas a suspenderem novas vendas de açúcar para exportação até terem certeza de que conseguirão cumprir suas metas de produção. O fato é que o prêmio do açúcar para embarque no primeiro trimestre de 2025 já se elevou, e há um receio de que enfrentemos uma entressafra prolongada.
Os números de moagem, que inicialmente giravam em torno de 605 milhões de toneladas de cana (incluindo a projeção da Archer Consulting), começam a ser revisados para baixo. Entre os usineiros, a crença é que a safra terá uma “morte súbita”, ou seja, terminará muito antes do esperado. A queda na produtividade dos canaviais, já visível em algumas áreas completamente secas, e a falta de desenvolvimento adequado de canaviais novos certamente afetarão a próxima safra.
Esse quadro tem passado desapercebido pelos fundos que adicionaram mais vendas na semana passada, chegando a 63,000 contratos vendidos, mas rapidamente recompraram a posição e hoje (sexta-feira) pelo COT (Commitment Of Trades), relatório dos comitentes, publicado pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission), agência independente do governo dos Estados Unidos, que regula os mercados de futuros e opções das commodities, os fundos estavam vendidos 46,000 lotes pela posição de terça-feira passada. Entendemos que a posição dos fundos é de vulnerabilidade significativa para o mercado e pode contribuir para uma eventual recuperação dos preços.
NY encerrou a semana com o vencimento outubro/24 cotado a 18,10 centavos de dólar por libra-peso, uma queda de 44 pontos (quase 10 dólares por tonelada) em relação à sexta anterior. Os vencimentos seguintes tiveram quedas médias de 30 pontos. A ligeira valorização do real frente ao dólar, encerrando a semana a R$ 5,4740, reduziu os valores do açúcar em 70 reais por tonelada para a média de outubro e março, 57 reais por tonelada na média da safra 25/26, e 30 reais por tonelada na média da safra 26/27.
O mercado de açúcar encontra-se em um momento de tensão. Muitos atribuem essa situação à valorização do dólar, que, quando convertido para reais, ainda apresenta uma remuneração atrativa por tonelada, mesmo que o valor em centavos de dólar por libra-peso tenha caído. No entanto, o câmbio e o açúcar não têm mostrado correlação, exceto por um breve período em abril deste ano e na segunda quinzena de julho. Fora isso, o argumento do dólar não se sustenta.
Em termos de exportações, o Brasil continua a se destacar como líder global, com um recorde impressionante de 37,6 milhões de toneladas exportadas no acumulado dos últimos doze meses, atingindo 122,6 milhões de toneladas nos últimos quatro anos. Esse desempenho é reforçado pelos números de 2024, onde até julho, as exportações de açúcar estão 45% acima do mesmo período do ano anterior. Esse é um ponto de vulnerabilidade bastante sério. Se na média dos últimos anos o Brasil teve uma fatia de mercado de 48% na exportação mundial, agora a coisa mudou significativamente. Quando você depende da disponibilidade de um único produtor com tamanho percentual de participação, o mercado tornar-se-á tão sensível a alterações da disponibilidade do produto com impacto nos preços de enorme magnitude.
Compare o que ocorreu com o cacau este ano. 65% da produção de cacau mundial depende de dois países da África Ocidental (Costa do Marfim e Gana). A seca, problemas estruturas e a baixa produtividade fizeram os preços explodirem. Não estou dizendo que isso vai ocorrer com o açúcar, mas se o açúcar no Brasil tiver uma gripe, o mercado mundial pega uma pneumonia. A dependência e vulnerabilidade está apenas emergindo.
Ao examinarmos os fatores altistas e baixistas, identificamos várias possibilidades que podem influenciar o mercado nos próximos meses. Entre os fatores altistas, destacam-se a intensificação da seca no Centro-Sul, uma safra de cana abaixo de 600 milhões de toneladas, a desvalorização do dólar em relação às moedas dos países emergentes e uma melhora no mercado de etanol, que poderia reduzir o mix de produção de açúcar. Além disso, uma eventual restrição de exportação pela Índia também poderia impulsionar os preços.
Por outro lado, os fatores baixistas incluem a formação de estoques nos países consumidores, uma safra de cana superior a 605 milhões de toneladas, o aumento da posição vendida por fundos de investimento, e um excedente nos estoques mundiais de petróleo. O crescimento econômico da China abaixo do esperado e o risco de recessão nos EUA, que algumas instituições financeiras, como o JPMorgan, estimam em 25% para 2025, também poderiam exercer uma pressão negativa sobre os preços. A reeleição de Donald Trump nos EUA é outro fator de incerteza que pode impactar o mercado.
Está muito claro que os fatores altistas são mais prováveis do que os baixistas. Repetimos que acreditamos que o mercado já tenha visto o ponto mais baixo, ao redor de 17,90 centavos de dólar por libra-peso. Prevemos que o real deve se valorizar frente ao dólar, voltando aos níveis de R$ 5,4000 antes do final do ano, o que, combinado com outras variáveis, pode resultar em um potencial de alta de 150 a 200 pontos no final deste ano.
Nosso colaborador Marcelo Moreira analisando o vencimento Out-24 vê como primeira resistência na média-móvel dos 9 dias o nível de 18.18 centavos de dólar por libra-peso e as próximas a 19.04 e 19.37 centavos de dólar por libra-peso. Primeiro suporte relevante @ 17.54 centavos de dólar por libra-peso e depois apenas nos 16,60 centavos de dólar por libra-peso.
Você que chegou até aqui, deve estar se perguntando. E a vida longa? Ah, meu estimado leitor, essa é para o nosso querido mercado de açúcar que tem um enorme potencial de crescimento nos próximos anos. Se a safra 25/26 sofrer do déficit hídrico proveniente desta safra corrente, prepare-se para preços mais altos. Bem mais altos (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting; 17/8/24)