Programa de desenvolvimento do combustível está em tramitação nas comissões da Câmara dos Deputados.
Não que seja o único caminho. Mas o papel que o hidrogênio verde tem na transição energética global, e principalmente na brasileira, fica cada vez mais nítido a cada tragédia climática que ocorre no mundo. A questão é entender se o País vai realmente embarcar nesse voo para o futuro ou, mais uma vez, perder o bonde da história.
“Muitos consideram o hidrogênio verde uma commodity. Mas é muito mais do que isso. É uma molécula que resulta em um produto sofisticado. A dimensão dos processos envolvidos nesses processamentos equivale quase ao de uma refinaria. São projetos que precisam de muito investimento, mas também apresentam potencial para gerar emprego e renda”, afirma a diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), Fernanda Delgado.
Em termos de política industrial, tudo o que está relacionado à produção de hidrogênio verde precisa ser construído. No Congresso, a Comissão Especial para Debate de Políticas Públicas sobre Hidrogênio Verde está à frente de um projeto de lei que caminha de forma acelerada para ser apreciado pelo plenário da Câmara.
O PL 5.816/2023 cria o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono. O texto apresentado pelos senadores Fernando Dueire (MDB-PE), Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) e Cid Gomes (PDT-CE) recebeu voto favorável do relator, o senador Otto Alencar (PSD-BA), e tramita nas comissões da Câmara.
“O hidrogênio verde é a energia do futuro. O Brasil tem um potencial muito grande para fabricar e exportar o produto. Exportação, inclusive, na forma da amônia, que é uma produção que pode ser vendida e transportada para outros países e também usada para consumo interno no Brasil”, afirmou Alencar à Agência Senado ao defender o seu texto.
A nova política do hidrogênio, se aprovada, vai implementar uma série de princípios, como o respeito à neutralidade tecnológica, sem incentivos ou subsídios que distorçam a competitividade. Assim como promoverá a inserção do hidrogênio de baixa emissão de carbono na matriz energética brasileira, aproveitará o uso racional da infraestrutura existente dedicada ao suprimento da cadeia de energia e estimulará a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico do hidrogênio verde.
Os incentivos fiscais previstos
Outro ponto central do marco regulatório são os dois tipos de incentivos fiscais previstos: os tributários, que incluem a criação de um regime especial e a expansão de benefícios das Zonas de Processamento de Exportação, e os regulatórios, na forma de descontos tarifários em energia elétrica.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) deverá regular e fiscalizar o processo de produção, além de autorizar empresas brasileiras, com sede e administração no País, a exercerem as atividades de produção de hidrogênio, segundo o texto do PL. Tudo dentro do escopo de uma Política Nacional do Hidrogênio, que também será criada.
“É interessante dizer também que a questão da exportação do hidrogênio verde não é a única saída. O mercado nacional, em vários setores, desde a produção de fertilizantes e aço, passando pela soja e pela indústria alimentícia, até chegar ao setor químico, vai se beneficiar de forma robusta e intensa de toda a produção”, afirma Fernanda. Segundo a executiva da ABIHV, se, no início, se pensava muito na produção de hidrogênio verde principalmente para substituir as matrizes energéticas sujas da Europa – quase sempre à base de carvão – ou de outras regiões do mundo, esse é um debate que evoluiu muito de quatro anos para cá. E, agora, o mercado nacional é tão importante quanto o internacional.
Apenas o marco regulatório e políticas públicas como o Nova Indústria Brasil ou o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) não serão suficientes para fazer deslanchar os bilhões de dólares que estão engatilhados em projetos de produção de hidrogênio verde no Brasil, segundo especialistas que acompanham o setor. Muita articulação política para que as intenções dos principais programas se alinhem com as fontes de recursos necessárias e disponíveis é considerado um ponto-chave para não haver desperdício de oportunidades.
O potencial do Brasil
Segundo o fundador e presidente da Associação Brasileira de Hidrogênio e Combustíveis Sustentáveis (ABHIC), Sérgio Augusto Costa, os números atrelados ao potencial que o Brasil tem dão vazão ao gigantismo do segmento. O País, conforme o executivo, pode vir a se tornar um dos maiores produtores de hidrogênio do mundo. E com totais condições de atender tanto os mercados interno quanto o externo. “Se falarmos de investimentos, por exemplo, o potencial brasileiro é de US$ 200 bilhões de investimentos nos próximos 20 anos, de acordo com projeção da consultoria McKinsey & Company”, afirma Costa.
Mas o executivo da ABHIC aponta um ponto nevrálgico, a questão do custo de produção, que ainda está bastante elevado. “Essa é uma questão relevante, não só no Brasil, mas no mundo todo.” Se hoje o custo da produção do combustível está entre US$ 5 (R$ 25,75) e US$ 6 (R$ 30,9) por quilo, em termos competitivos ele precisaria cair para de US$ 1,5 (R$ 7,72) a US$ 2 (R$ 10,3), que é o custo de produção do chamado hidrogênio cinza, extraído do gás natural, a partir do metano.
“Ou seja, ainda há muito a fazer para diminuir o custo de produção, bem como melhorar o desempenho dos eletrolisadores na produção de hidrogênio verde para cada dólar investido.”
As classificações do hidrogênio por ‘cor’
- Cinza: forma produzida a partir da combustão incompleta de combustíveis fósseis. É uma mistura de gases que consiste em monóxido de carbono, dióxido de enxofre, hidrocarbonetos, partículas sólidas e outros contaminantes. É poluente e piora as mudanças climáticas
- Azul: forma líquida, produzida a partir do gás natural e do óleo. Pode ter uso doméstico e industrial. Contribui para a poluição ambiental
- Verde: fabricado por fontes renováveis, seja o sol, o vento ou a biomassa. Durante a produção, não há emissões diretas de gases de efeito estufa (Estadão, 25/5/24)