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Meio ambiente cobra o que foi tomado dele, diz ministro da Agricultura

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Por Mauro Zafalon
Para Carlos Fávaro, não há mais lugar para negacionismo com a sequência dos acontecimentos.

Foram três anos de seca e três enchentes em curto espaço de tempo no Rio Grande do Sul. É o meio ambiente cobrando o que foi tomado da natureza, afirma o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, em entrevista à coluna Vaivém das Commotities, que está completando 35 anos.

A repetitividade desses acontecimentos elimina qualquer chance de negacionismo sobre as crises climáticas. E o clima, segundo ele, é o principal ativo dos produtores. A partir de agora, é evitar o pior, diz o ministro.

Voltando no tempo, Fávaro relembra a fase difícil para os produtores nas novas fronteiras agrícolas na década de 1980. Sem financiamento e sem custeio, o setor enfrentava uma infraestrutura precária no Centro-Oeste.

A situação era agravada ainda mais pelos planos econômicos, com congelamento de preços e importações de alimentos. Para o ministro, não há mais espaço para isso atualmente.

A presença brasileira no comércio internacional é consistente, e o país tem capacidade de participar ainda mais do fornecimento de alimentos para o mundo apenas com a substituição de áreas de pastagens degradadas pelo plantio de grãos.

Sobre a força que o setor agropecuário exerce no Congresso, Fávaro, senador licenciado, diz que, quando voltar ao Senado, assim como já faz como ministro, terá um olhar para os problemas contemporâneos.

O Brasil vive um período de fortes enchentes e secas. Como o sr. vê isso?
Certamente estamos em uma crise climática. O meio ambiente está cobrando o que foi tomado dele. Veja o Rio Grande do Sul que, após três anos de seca, agora teve três enchentes em um curto período.

Mas muitos ainda não acreditam nessa crise.
Os fatos acabam com o discurso negacionista. Já tivemos outras ocorrências, como a enchente de 1941 no Rio Grande do Sul, mas a periodicidade desses acontecimentos acaba com negacionismo.

Se nada for feito, serão fatos repetitivos?
Não temos mais como negar. Precisamos agir rapidamente para estancar essas mudanças. Não tenho capacidade científica para dizer isso, mas não sei se é possível voltar atrás depois do que já fizemos. Precisamos agir para não complicar ainda mais a situação.

Isso não deveria ser uma preocupação do próprio produtor?
Sim, o clima é nosso principal ativo. Não adianta nada termos equipamentos, ciência e sementes de última geração se vivermos em um deserto.

As forças representativas no Congresso parecem não estar muito preocupadas. O Senado amenizou a participação do setor no plano de mudanças climáticas nesta quarta-feira (15).
Sou senador licenciado e posso reassumir ou voltar para votar. Quero olhar à frente de meu tempo e assumir responsabilidades com consciência de que esse ativo é nosso. Como ministro, quero ser reconhecido como quem tem um olhar nos problemas contemporâneos.

Como vai o relacionamento com o Ministério do Meio Ambiente?
Temos divergências, mas estamos indo de mãos dadas. Não é porque a União Europeia cobra que temos de preservar. Preservamos porque temos de cuidar de nossos ativos.

Quais as divergências?
Tenho minhas posições, e as divergências são levadas para arbitragem na AGU (Advocacia-Geral da União), que tem a competência para avaliar conforme a regra. Por exemplo, o banimento dos pesticidas. Não posso simplesmente banir e precarizar a produção. Quero tempo para migrar para produtos mais sustentáveis, como biológicos, biodegradáveis e seletivos.

Como o governo pode ajudar nessa transição?
Premiar quem faz o certo. Os outros 2% [percentual estimado pelo Meio Ambiente de quem desmata e faz grilagem de terra] são casos de Polícia Federal, Ministério da Justiça e Ibama.

Qual a responsabilidade da mão humana nessas catástrofes?
Agora, evitar a piora. O Brasil tem esse potencial por meio dos combustíveis renováveis, aplicação do Código Florestal e adoção de boas práticas de produção.

Boas práticas?
Fazer um perfil do solo de 40 centímetros com calcário, fertilizantes e muita matéria orgânica. O solo vai suportar mais a seca e absorver mais a água. Fatos comprovam que quem faz isso obtém 20% a mais de produtividade. É a bomba d’água da produção.

Está na hora de mudanças no Código Florestal?
Já passamos dos dez anos e acho que sempre é bom repensar alguns pontos.

Quais as políticas previstas para o Rio Grande do Sul, após essa devastação provocada pela crise climática?
Baixando as águas, o Ministério da Agricultura será transferido para o estado e se instalará, interinamente, em várias regiões. Não sei a fórmula, mas teremos de reestruturar tudo. Repensar o poder público no processo de continuidade.

A coluna Vaivém das Commodities está completando 35 anos, como era a agropecuária naqueles anos?
Minha família tinha mudado para Mato Grosso poucos anos antes desta data. A Zélia Cardoso, ministra da Economia de Fernando Collor, dizia que acima do Paralelo 13 não era propicio para agropecuária e cortou todas as linhas de financiamento e de custeio. Momentos difíceis para quem estava nas regiões de Nova Mutum, Sinop e Rio Verde.

Em 1989, o país produzia 71 milhões de toneladas de grãos. No ano passado chegou a 320 milhões. A que se deve isso?
Logo após a Segunda Guerra Mundial, cada país buscou sua vocação. Uns, como Japão e Coreia do Sul, optaram pela tecnologia, outros, como o Brasil, encontraram sua vocação na produção de alimentos. A Embrapa foi essencial nessa evolução. Além disso, a criação da CTNBio e a regulamentação dos transgênicos no primeiro governo Lula, em 2003, deu novo impulso ao setor.

Há quatro décadas importava-se alimento e havia controle de preços.
Isso não deverá ocorrer nunca mais. Achamos a nossa vocação e com um mínimo de apoio da gestão pública, o setor seguirá entre os grandes produtores e fornecedores mundiais. Até no trigo o país será um exportador com a tropicalização do cereal.

Qual deve ser a presença do governo?
É importante, mas não para intervencionismo e regulação de mercado. Em junho de 2023, a saca de milho estava abaixo do custo de produção, e o governo adquiriu apenas 370 mil toneladas. Ao garantir preço mínimo, dá um sinal ao mercado.

É o caso do arroz?
Sim, a importação não é para afrontar o produtor, mas para dizer ao especulador que o governo tem mecanismos para garantir estabilidade.

[Após a entrevista, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) suspendeu o leilão de compra de arroz importado marcado para esta terça (21). A operação buscava limitar os impactos nos preços após as enchentes no Rio Grande do Sul. A estatal não informou a razão da suspensão e disse que a nova data do leilão será publicada oportunamente].

O que permitiu evolução tão grande da produtividade nas últimas décadas?
Ciência e tecnologia, principalmente com a presença do poder público nas pesquisas, o que permitiu a revolução no cerrado.

Quais os gargalos daquele período?
O que mais inviabilizava a produção era a logística. Estradas ruins, custo elevados do transporte e preços baixos.

Quanto a incorporação de terra pela agropecuária afetou o meio ambiente?
Não há contrassenso entre produzir e preservar, mas poderia ter havido uma orientação mais assertiva com a presença do Estado.

A liderança brasileira no mercado internacional é consistente?
É muito consistente, e o Brasil não precisa mais de supressão vegetal para ampliar sua presença. Nenhum lugar do mundo tem capacidade de ampliar essa liderança com tanto volume e tanto espaço como nós. São 80 milhões de hectares de áreas de pastagem degradadas que podem ser incorporadas para grãos.

Como enfrentar as barreiras comerciais com relação a questões ambientais?
Precisamos de pouco ajuste em termos ambientais. A ministra Marina Silva diz que menos de 2% dos produtores brasileiros transgridem as leis. Pelo menos 98% têm boas práticas. Para os transgressores, todo o rigor da lei.

O acordo Mercosul-União Europeia é importante?
Queremos muito a formalização desse acordo. É bom para nós e para eles. Seremos mais competitivos vendendo nossos produtos para eles e eles para nós.

Mas parece um acordo cada vez mais difícil.
Não vamos ficar chorando. Podemos ampliar mercado com o Sul Global. China, Japão, Índia, outros países da Ásia, Oriente Médio e Brics. São regiões com potencial econômico e demanda.

As barreiras vão aumentar?
Vão tentar, mas elas são limitantes porque causam mal para eles mesmos. Por muito pouco que tentaram exigir dos produtores europeus, houve uma grande paralisação. Além disso, pesa na inflação.

Se o agro vai bem por que alguns setores não evoluem? O leite é um deles.
É uma atividade generalizada nos 5.572 municípios brasileiros, mas com uma disparidade tecnológica muito grande. É uma atividade que quem produz menos recebe menos, devido à logística.

O arroz e o feijão também estão na pauta de discussão. Não deveria haver uma política específica de médio e longo prazo?
Além do arroz, eu acrescentaria trigo e milho. No Plano Safra, vamos lançar contratos de opções regionalizados, com valor superior ao mínimo. Se o preço estiver acima, o produto vai para o mercado. Caso contrário pode formar estoques reguladores do governo.

O que vem de novas tecnologias pela frente?
É um desafio. A Embrapa não pode viver dos troféus que já ganhou. Ela tem de ter o espírito de nascer de novo. Precisamos de um modelo para ser levado ao Congresso para apoiar todas as esferas da empresa. Com milhares de patentes registradas, a Embrapa recebe apenas R$ 30 milhões de propriedade intelectual por ano, valor pago em royalties por ano por apenas um produtor de sementes.

Mas tem recursos?
A empresa não pode mais dizer que não tem recursos financeiros. Em março, na busca do déficit zero, os ministérios do Planejamento e da Fazenda bloquearam parte do orçamento, mas isso é momentâneo. A empresa não tinha dinheiro para investimentos, mas agora terá R$ 1 bilhão do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Quais os desafios da próxima década?
A logística é um dos principais. Só se fala no escoamento da produção dos 320 milhões de toneladas de grãos, mas a safra brasileira é muito maior. Supera 1 bilhão de toneladas quando acrescidos cana-de-açúcar, café e frutas. Se a safra crescer 5% ao ano, serão 50 milhões de toneladas a mais anualmente.

RAIO-X

Carlos Fávaro, 54

Produtor rural, senador licenciado e ministro da Agricultura e Pecuária. Foi vice-governador de Mato Grosso, vice-presidente da Aprosoja e dirigiu a associação no estado. Um dos principais interlocutores de Lula no setor durante a campanha presidencial de 2022 (Folha, 22/5/24)

TERCEIRA  CHAMADA – EDITORIA ETANOL

BNDES injeta bi de reais em biocombustíveis e foca o agro e a agenda verde BNDES

Banco aprovou R$ 2,6 bi em financiamento ao setor em 2023, maior valor em nove anos, e expectativa é que número cresça este ano; projetos acabam servindo de ponte entre gestão Lula e segmento avesso ao PT.

Os biocombustíveis se transformaram em uma das poucas áreas de interseção entre as prioridades do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os interesses do agronegócio, setor ainda refratário à atual gestão. De olho nisso e no protagonismo da “agenda verde”, ligada à descarbonização da economia, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) liberou uma cifra recorde a projetos ligados a etanol, biometano e biodiesel, dentre outros.

Foram R$ 2,6 bilhões em financiamentos aprovados aos biocombustíveis em 2023, o maior valor em 9 anos. Os montantes foram liberados por meio de quatro linhas principais – Finem, Mais Inovação, Renova Bio e Finame Direto -, que contam com prazos e carências alongados e tendem a ter juros mais acessíveis do que a média do mercado.

Em 2024, a expectativa do banco é bater essa cifra com o reforço doFundo Clima, que dispõe de R$ 10,4 bilhões, frutos da captação de títulos soberanos sustentáveis no mercado internacional – mas, segundo o BNDES, ainda não é possível estimar quanto desse montante será destinado especificamente a esses combustíveis.

“A área de biocombustíveis é uma das prioridades daNova Política Industrial. Com isso, há um movimento, dentro do banco, de se aproximar do agro e da cadeia de biocombustíveis como um todo. E temos percebido que há uma resposta do setor, que tem nos procurado para fazer investimentos e expandir a capacidade”, afirma ao Estadão o diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES, José Luis Gordon.

José Luis Gordon, diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES. 

Os projetos mobilizam, principalmente, produtores de cana, soja e milho – esse último uma das grandes apostas na produção deetanol no País -, além de indústrias localizadas sobretudo no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. “Tem um grande crescimento do etanol de milho. A maioria das empresas que recebo hoje no banco está indo para esse produto. É o grande potencial de investimento, junto com obiometano”, afirma Gordon.

Os números começam a delinear esse cenário: um dos principais financiamentos aprovados pelo banco em 2023, na área de biocombustíveis, somou R$ 729,7 milhões e foi direcionado à construção de uma fábrica de etanol a partir do processamento de trigo e milho. A estrutura está sendo erguida em Passo Fundo (RS).

Outros R$ 385 milhões foram liberados para três plantas de biometano, sendo duas no Estado de São Paulo e outra no Rio Grande do Sul. Uma delas será instalada no maior aterro sanitário da América Latina e terceiro maior do mundo, localizado em Caieiras (SP). Lá, o biogás extraído do lixo será conduzido por meio de dutos e direcionado a um sistema de purificação, que fabricará o biometano.

A aposta do governo é de que o produto possa substituir o diesel em veículos pesados e máquinas agrícolas, contribuindo para a descarbonização. Mas o agronegócio vai além e se articula no Congresso para garantir uma “reserva” de mercado ao biometano, exigindo que haja a adição de um percentual ao gás natural a partir de 2026– nos moldes do que vem sendo proposto para o aumento da mistura de etanol à gasolina e do biodiesel no diesel.

O projeto, que já passou na Câmara e aguarda a análise dos senadores, desagradou à Petrobras e levou a indústria a fazer contas. Pelos cálculos da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), a adição de 10% de biometano ao gás natural, limite máximo previsto na lei, implicará gastos extras de R$ 1,7 bilhão à indústria, que é a maior consumidora de gás natural (usa tanto como combustível como matéria-prima).

Meta é elevar em 50% participação de biocombustíveis

Oplano industrial do governo Lula 3 engloba a transição energética e tem o BNDES como principal operador: responsável por R$ 250 bilhões dos R$ 300 bilhões em financiamentos previstos até 2026.

No seu lançamento, em janeiro deste ano, o programa sofreu duras críticas de que seria umareedição de antigas políticas do PT. Os executivos do banco, porém,negaram a volta da política de campeões nacionais (de favorecimento a empresas específicas) e destacaram exemplos internacionais para justificar a pertinência do programa.

No caso específico dos biocombustíveis, o plano prevê elevar a participação desses itens na matriz energética de transportes em 50% até 2033. Hoje, eles respondem por 21,4%.

Gordon cita pelo menos três motores que podem dar a sustentação a esse aumento: mudanças regulatórias no setor automotivo, como as promovidas pelo programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), em análise na Câmara dos Deputados; o desenvolvimento do combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês), em debate no Senado; e o biocombustível marítimo, considerado por ele como um dos grandes impulsionadores da demanda por etanol no curto prazo.

“O SAF ainda tem uma série de tecnologias a serem desenvolvidas, enquanto o biocombustível marítimo está na boca para ser utilizado. Já estão sendo realizados testes em motores atuais”, afirma o diretor. “Se 3%, 4%, 5% do combustível marítimo for para etanol, nós teremos quase que dobrar a nossa produção”, projeta.

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A expectativa é de que o movimento ganhe tração após um acordo internacional, firmado no ano passado, que busca zerar as emissões líquidas de carbono por parte do transporte marítimo até 2050. A estratégia foi firmada na sede da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), uma agência da ONU, em Londres.

“Será necessário mudar a matriz energética dos navios, e o que mais rapidamente se adapta a isso é o etanol”, explica Gordon. “Por exemplo: você vai colocar amônia dentro de um barco? Tem problema de toxidade e explosão. Já o hidrogênio verde ocupa muito espaço na embarcação”, exemplifica (Estadão, 22/5/24)

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