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Disputa das montadoras atrasa principais pontos do programa Mover

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Mudanças na tributação estão em aberto em meio à pressão de fabricantes e importadores.

As montadoras já podem se habilitar para o programa Mover (Mobilidade Verde e Sustentabilidade) e, assim, ter acesso aos R$ 19,3 bilhões em incentivos. Entretanto, ainda há pontos importantes em aberto.

A medida assinada nesta terça-feira (26) pelo governo não define, por exemplo, as novas faixas de tributação do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

A demora se deve, principalmente, a discussões que envolvem montadoras filiadas à Anfavea (associação das fabricantes) e importadores chineses que, em breve, terão produção nacional.

Linha de produção da GM em São Caetano do Sul, região do ABC – Divulgação Neste primeiro momento, a exigência de investir 1% de suas receitas brutas no desenvolvimento de tecnologias sustentáveis já em 2024 —com possibilidade de direcionar aportes a empresas terceirizadas instaladas no país— não será problema. Todas as fabricantes, sejam as recentes, sejam as que estão há décadas no Brasil, já fazem isso.

Com regras cada vez mais rígidas sobre redução de emissões de poluentes e de CO2, as fabricantes de veículos e componentes têm feito investimentos constantes rumo à eletrificação combinada ao etanol. O tema é prioridade das associadas à Anfavea, que teve forte influência na elaboração do Mover.

Essa primeira parte da regulamentação segue a agenda criada com o Inovar-Auto e mantida no Rota 2030, programas que também foram elaborados com a entidade que representa as montadoras.

O programa pioneiro, publicado em setembro de 2012 e que esteve em vigor até o fim de 2017, já previa incentivos às áreas de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, com foco em sustentabilidade. Na época, as empresas acumulariam créditos para dedução do IPI.

Por causa de atritos de ontem e hoje entre fabricantes e importadores, as origens do Inovar-Auto e do Mover guardam semelhanças.

No fim de 2011, o governo de Dilma Rousseff (PT) criou a sobretaxa de 30 pontos percentuais sobre o Imposto de Importação e, na sequência, um sistema de cotas. Na época, carros vindos da China e da Coreia do Sul já competiam em preço diretamente com modelos produzidos no Brasil.

Hoje, a estratégia global das fabricantes chinesas têm assustado a indústria ocidental. A preocupação é grande no mercado nacional, mas há menos argumentos do que no passado.

Apesar dos recordes registrados naquele início de década, as vendas de veículos já davam sinais de problemas entre 2011 e 2012. Os bancos começavam a ficar mais seletivos na concessão de crédito, enquanto reduções do IPI eram prorrogadas para estimular as vendas. Neste cenário, as montadoras cobravam medidas protecionistas para preservar a indústria local.

Os argumentos faziam algum sentido, já que os custos envolvidos na produção nacional de veículos eram —e continuam sendo— altos. Mesmo com os 35% de Imposto de Importação e os gastos com logística, os importadores de modelos chineses e sul-coreanos alcançavam boa rentabilidade.

Por outro lado, a sobretaxa prejudicou os negócios, gerando fechamento de concessionárias e desemprego no setor de serviços, sem que houvesse aumento de vagas na indústria. O cenário piorou com as crises econômicas e políticas que se seguiram.

Agora, as montadoras chinesas chegam com fábricas e geração de empregos, aproveitando instalações que estavam ociosas. A BYD ocupa o espaço da Ford em Camaçari (BA), enquanto a GWM prepara a produção em Iracemápolis (interior de São Paulo), na unidade que pertenceu à Mercedes-Benz.

Além dessas, a Chery já anunciou a chegada das marcas Omoda e Jaecoo ao Brasil, com intenção de estabelecer linha de montagem local. Espera-se ainda pelo anúncio de uma quarta empresa chinesa com planos de fabricação no Brasil.

Se argumentos como concorrência desleal e ameaça aos empregos na indústria perderam força junto ao governo, alguns dos pontos em discussão no Mover podem funcionar como travas fiscais às novas empresas. Um dos temas em discussão é o IPI Verde, que vai privilegiar o etanol e demais combustíveis renováveis.

Outra questão é o método “do berço ao túmulo”. A partir de 2027, haverá medição da pegada de carbono dos automóveis desde a produção de seus componentes até o descarte, incluindo o combustível utilizado ou a forma como a eletricidade usada por veículos e suas fábricas é gerada.

A China está em desvantagem nesse aspecto, por ter uma matriz energética mais suja que a brasileira. Uma solução para pagar menos tributos seria investir mais na produção nacional de peças, alternativa desejada pelo governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT).

Mas não se sabe até que ponto as novas montadoras estariam dispostas a isso. É possível que simplesmente absorvam qualquer aumento de tarifa, por causa da competitividade das plantas chinesas.

Além disso, a montagem no Brasil, mesmo que grande volume de peças importadas, já garante a isenção do imposto de 35%.

Nota-se, entretanto, uma maior aproximação das novas montadoras com o governo federal, que tenta se equilibrar entre as demandas da Anfavea e os pedidos de empresas que têm assumido linhas de produção antes desativadas.

Em comum, todas as marcas planejam produzir carros híbridos e 100% elétricos no Brasil, necessários para atender às futuras regras ambientais. São esses modelos que puxam os investimentos bilionários anunciados nos últimos três meses.

Há ainda o desejo do governo de que, com as mudanças tributárias em curso, surja espaço para veículos de valor mais acessível no mercado.

A junção de todos esses pontos mostra o quanto é urgente publicar todas as regras do programa Mover (Folha, 27/3/24).

Duelo entre híbridos e elétricos invade Planalto em lançamento de regras para o setor automotivo

Indústria automotiva vive hoje o desafio de apostar ou em carros elétricos ou na produção de híbridos que mantenham um motor a combustão.

Foto Werther Santana Estadão

Representantes de fabricantes das duas tecnologias disputam a atenção e os incentivos oferecidos pelo governo no novo Mover.

A organização da mesa de convidados para a apresentação das primeiras regras de adesão das empresas ao Mover, o novo programa do governo de estímulo ao setor automotivo, já era um sinal da divisão que existe hoje na indústria. De um lado da mesa, montada em um dos salões do Palácio do Planalto, estava a Associação Nacional das Fabricantes de Veículos (Anfavea), que reúne as maiores montadoras de carros a combustão do País. Do lado oposto, a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).

Os discursos que se seguiram, de representantes da indústria e do governo, refletiram o racha, que mobiliza os representantes de fabricantes das duas tecnologias que disputam a atenção – e os incentivos tributários – oferecidos pelo governo.

O presidente da ABVE, Ricardo Bastos, foi o primeiro a falar e logo lembrou que a China, hoje o maior produtor e consumidor de carros elétricos do mundo, deu um salto ao apostar na tecnologia.

“Acredito que o Brasil tem condições de tirar proveito dessas lições com a energia renovável que nós temos – e, quem sabe, buscarmos dar um salto na nossa indústria”, disse Bastos. “O objetivo é Brasil, mas é também exportar. O Brasil precisa renovar um modelo que já foi e é, mas precisamos entrar nessa rota tecnológica nova, nessa transformação da indústria automotiva.”

Ele foi seguido por Márcio Lima, presidente da Anfavea: “O Brasil é um país eclético. Vai ter a rota da descarbonização através dos biocombustíveis, com o etanol, com elétrico puro. Vamos ter todas as rotas para a descarbonização”.

A indústria automotiva vive hoje o desafio de apostar ou em carros elétricos ou na produção de híbridos que mantenham um motor a combustão.

Montadoras nos Estados Unidos e Europa já definiram como rota de crescimento a produção de elétricos, em razão da menor emissão de gases de efeito estufa no consumo do automóvel. No Brasil, a discussão ganhou outros contornos em razão do poder político e econômico do etanol.

Nos bastidores e em público, autoridades do governo Lula já demonstraram preferência para que o Brasil desenvolva carros elétricos, porém dê prioridade aos híbridos (que combinam eletricidade e combustão) com motores flex. Só a Toyota fabrica veículos com essa característica atualmente, e o desafio é apostar numa tecnologia que dificilmente terá mercado fora do País, reduzindo potenciais ganhos de escala dos fabricantes.

“No ano que vem, são 50 anos que estamos no etanol; somos o segundo País que mais produz. E esse é um carro que vai ter muito mais autonomia, o carro híbrido, que vai trazer o etanol, vai ser mais eficiente, especialmente do tanque à roda”, afirmou o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, durante o evento.

Na plateia estavam executivos de alto escalão de todas as montadoras instaladas no País, das tradicionais Stellantis (Fiat, Jeep), GM e Volkswagen às que se notabilizaram pelo ganho de mercado com a venda de elétricos puros, como as chinesas GWM e a BYD. Também foi registrada a presença do presidente da União da Indústria de Cana-de-açúcar e Bioenergia (Unica), Evandro Gussi.

Na mesa, além do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estavam o vice Geraldo Alckmin, e os ministros Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda) e Renan Filho (Transportes).

Mas foi a fala do sindicalista Moisés Selerges Júnior, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, berço político do presidente Lula, que chamou a atenção dos executivos. Não apenas pela influência do movimento sindical no governo do PT, mas também pela ligação que ele traçou com a geração de empregos no setor.

“Muito se fala de carro elétrico e de outras matrizes energéticas. Nós defendemos que a cara do Brasil seja o híbrido a etanol. Apostamos muito nessa tecnologia porque acreditamos que é a melhor para o Brasil”, disse Moisés. “A China apostou na eletrificação dos veículos, como dito aqui, e nós achamos que (o híbrido flex) seja o melhor caminho (para o Brasil). Será que as empresas têm metas de empregos? Nós sabemos que se fizermos uma comparação de um motor a combustão com um motor elétrico, é 60% menor o número de peças (no elétrico).”

A preocupação do metalúrgico é que a menor sofisticação de um motor elétrico gere desemprego extra num setor que tem evoluindo a passos largos na introdução de robôs nas linhas de montagem. O efeito adverso da fabricação de elétricos nos empregos do setor já fez parar fábricas nos Estados Unidos.

Ao Estadão, Ricardo Bastos, da ABVE, respondeu ao argumento de Moisés:

“É um equívoco tão grande quanto dizer que produzir celular é ruim porque manter um orelhão em cada esquina usa mais plástico”, afirma. “O carro elétrico tem menos peças, mas o custo de produção dele está baixando e o acesso vai aumentar. Já o carro a combustão é o contrário: o custo de se produzir está crescendo”.

“Se o Brasil não participar dessa tecnologia”, diz o executivo, “para quem o Brasil vai exportar?”

A indústria, no entanto, já entendeu os apelos do governo e tem se movimentado para colocar de pé linhas de produção para modelos híbridos com motor flex. Até as chinesas GWM e BYD se mobilizaram, ainda que a segunda seja hoje apenas uma importadora.

A previsão é que a BYD, que escolheu se instalar na Bahia, só alcance o patamar de fabricante, com o mesmo patamar de conteúdo fabricado no País que as concorrentes, ao fim da vigência do atual programa automotivo, em 2028.

Márcio Lima, da Anfavea, prevê que em dois anos haja mais unidades de produção de híbridos flex no País. “Algumas montadoras estão antecipando, quem faz a escolha é o consumidor. Ele tem chamado o mercado e as montadoras estão respondendo”, afirmou.

Decisão do consumidor

Lima afirma que o Brasil, diferentemente de Estados Unidos e Europa, decidiu deixar a escolha pela rota tecnológica vencedora para o consumidor. Isso deverá fazer com que as empresas tentem se equilibrar entre os dois caminhos, oferecendo tanto híbridos flex quanto elétricos puros.

“Teremos à disposição todas as tecnologias”, disse o presidente da Anfavea. “O elétrico não é vilão de nada, ele só tem que se ajustar à realidade brasileira. O Brasil ainda tem problemas de infraestrutura, o preço ainda é muito superior ao do carro a combustão. O consumidor que tem mais recursos e faz uso limitado e quer tecnologia nova está indo para o carro elétrico. Aquele consumidor que precisa trocar de carro e nem tem infraestrutura está indo para o híbrido ou combustão flex.”

Segundo ele, ainda que pareça um investimento que ficará restrito ao mercado brasileiro, o híbrido flex poderá ter adesão no exterior, ainda que isso não tenha acontecido com os veículos flex atuais.

“Quem vai abastecer a Índia? Estados Unidos, Europa são 60 milhões de consumidores que estão indo na rota do elétrico. E os outros 20 milhões?

Quem vai abastecer esse mercado pelos próximos 20 anos? O Brasil tem grande capacidade.” (Estadão, 27/3/24)

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