Por Marina Guyot e Lisandro Inakake
Monitoramento socioambiental redefinirá relação entre produção e meio ambiente.
A construção de uma Política Nacional de Rastreabilidade no Brasil em 2024 emerge em um momento decisivo, com a promessa de redefinir as dinâmicas atuais de uso e ocupação do território e de controle do desmatamento e das violações de direitos humanos, especialmente nas cadeias de valor da carne e do couro.
Tal avanço não está livre de enfrentar desafios. Uma das preocupações recai sobre o risco de se privilegiar modelos que atendam apenas às solicitações de compradores internacionais, como a Europa, que está lançando regras cada vez mais firmes para garantir produtos livres de desmatamento.
Ações centradas em apenas “resolver” os volumes exportados terão impacto pequeno. No entanto, havendo cooperação internacional e entre os elos da cadeia, com aporte de recurso para uma política nacional universal, poderemos ter mudanças significativas. A rastreabilidade e monitoramento socioambiental colocarão foco nos problemas estruturais da cadeia.
Um dos pontos mais complexos é o custo da adequação de produtores rurais às novas regras de rastreabilidade e monitoramento. A conta é alta e demandará a divisão das responsabilidades entre o Estado e o setor privado, em geral, e a contribuição dos grupos multinacionais e empresas, além dos países compradores.
A realidade atual é que os incentivos aos produtores para aderirem à rastreabilidade e aceitarem o monitoramento socioambiental são escassos e, quando existentes, pouco levam em conta as perspectivas e a diversidade dos mesmos. É importante que se mapeie e se conheça as necessidades dos produtores e se criem incentivos para que não haja resistências à implantação das novas regras.
Enquanto a maior parte atua dentro da conformidade ambiental ou com inconformidades menores, existe uma parcela que age de forma ilegal e possui processos judiciais a cumprir. Frente aos requisitos exigidos para o cumprimento do Código Florestal e às regulamentações internacionais para commodities agropecuárias, é essencial que haja mecanismos capazes de promover a reinserção de produtores na cadeia do fornecimento responsável, de forma a permitir a readequação ambiental associada ao aumento da produtividade.
O governo federal deve ter um papel de regente, fortalecendo as políticas estaduais e a integridade no setor, enquanto a iniciativa privada deve promover o engajamento dos produtores nessas plataformas que fazem a reintegração na cadeia do fornecimento de forma rápida e menos burocrática.
A criação e início de implementação da Política Nacional de Rastreabilidade neste ano se apresenta como uma oportunidade única para redefinir as relações entre produção, regulação, meio ambiente e direitos humanos. Não é uma escolha ideológica, mas de negócios. Posicionar o setor agropecuário brasileiro na vanguarda das melhores práticas socioambientais no mundo é um avanço que não pode ser desperdiçado (Marina Guyot é engenheira agrônoma e gerente de Políticas Públicas do Imaflora; Lisandro Inakake é engenheiro agrônomo e gerente de Projetos em Cadeias Agropecuárias do Imaflora. Folha, 20/3/24)