Por Sonia Racy
Na defesa de um planeta ‘verde’, o ex-presidente da OMC, hoje empresário, fala dos perigos se a transição ambiental não avançar.
Nada como um negociador experiente, que já foi embaixador em Washington e Genebra e presidiu a Organização Mundial do Comércio (OMC), para analisar os desafios e as saídas para o Brasil e para o mundo, na questão climática – leia-se, a transição energética em escala mundial. Hoje, Roberto Azevedo é um dos sócios da YvY Capital, ao lado de Paulo Guedes e Rodrigo Azeredo, entre outros. A gestora de investimentos foi criada com foco em projetos da transição para a economia verde. E o ex-embaixador começa advertindo: a necessidade de reunir capital para fazer a transição para uma economia sem carbono “é uma certeza inescapável”.
O nome do jogo, para o planeta inteiro, é “juntar 40 trilhões de dólares para fazer essa transição”, até 2050. Por aqui, ele avisa que “o Brasil não vai ter dinheiro para dar às empresas”. E lá fora China e Estados Unidos, que juntos representam mais de 50% do problema, não vão bancar essa inevitável transição.
Engenheiro pela UnB, diplomata pelo Instituto Rio Branco, Azevedo trocou a diplomacia, em 2020, pela vice-presidência mundial da Pepsico, a multinacional de bebidas e alimentos. Em abril passado, deixou-a para se juntar a esse grupo de brasileiros na YvY Capital.
Para ele, é preciso “um meio de caminho, que permita ao setor privado e ao sistema financeiro atuar de maneira dinâmica e em escala”. E acrescenta: “Vendo tudo que vi na OMC e depois na Pepsico, acho que esse é o futuro. E quero continuar fazendo isso, é uma maneira de contribuir com o conhecimento que acumulei até aqui”. A seu ver, “o País inteiro, seja de direita ou de esquerda ou o que for, tem de se engajar na transição ambiental”.
Num futuro cenário de aquecimento global, para reduzir o carbono da atmosfera, dos rios e oceanos, das matas e cidades, ele calcula: “O Brasil todo será afetado e não terá dinheiro para dar às empresas”. A seguir, mais trechos da conversa com o Estadão.
Pela sua experiência como embaixador e na OMC, como avalia o impacto das guerras na Ucrânia e em Gaza, no desafio climático?
Comecemos com um ponto fundamental: a imprevisibilidade das tensões geopolíticas. Isso não ajuda o crescimento da economia global. Ao contrário, desacelera, cria instabilidades e incertezas nos investimentos. E o mundo precisa de muitos investimentos para fazer a transição ambiental.
De que modo essa incerteza pode afetar o problema?
Eu acho que a agenda climática ambiental é uma certeza inescapável. Pode até haver ruídos, diferentes métodos de abordagem, mas essa agenda veio para ficar. Para chegar à emissão zero, até 2050, a estimativa é de US$ 40 trilhões de investimentos para a transição energética. Nenhum país vai investir esses valores, então eles deverão vir da iniciativa privada.
O recurso aos créditos de carbono é uma boa saída? Como ele funciona?
É um tanto complexo. Não há acordo global sobre como exatamente esses créditos são gerados e monitorados. A Europa adotou um caminho para essa transição: em setores de grande intensidade energética – como siderurgia, fertilizantes e cimenteiras, que emitem muito carbono – foi estabelecido um limite de emissão. O excedente é taxado em 100 euros por tonelada. Se essa indústria não conseguir zerar as emissões, terá de pagar os 100 euros e comprar o crédito de carbono em algum projeto que reduza a emissão no mercado secundário. A questão ainda é: quem certifica que esse crédito de carbono é legítimo? Essa discussão deve ser feita em foros importantes, como G-20 e OCDE. E o Brasil deve fazer parte disso.
Como está a transição energética na China, maior emissora mundial de CO2?
Estive na China há uns sete anos. Me chamou atenção, naquela época, o barulho de motonetas nas ruas. Recentemente fui lá e há um silêncio absoluto, porque é tudo elétrico. Estão investindo pesadamente para reduzir as emissões. Produção de painéis solares, energia eólica, fabricação de baterias, e agora o BYD, carro elétrico que está se destacando e preocupando a Tesla. Estive em Xangai e visitei cinco empresas gigantescas nessa área de transição energética.
E nos Estados Unidos?
Diferentemente da Europa, que penaliza, os Estados Unidos escolheram incentivar investimentos para essa transição. São centenas de bilhões de dólares para as empresas fazerem sua descarbonização. É um projeto federal, e até empresas brasileiras estão indo lá para receber esses incentivos. E, depois, trazer essas tecnologias para o Brasil.
E como vê o Brasil no caso?
É preciso que haja, aqui, muito diálogo com o setor privado e com a sociedade civil. Conversando com ONGs desse setor, perguntei qual modelo de descarbonização eles achavam legal. Carros elétricos, por exemplo, emitem menos carbono. Perguntei sobre a emissão de carbono na produção do carro, porque a bateria deles precisa de níquel na sua fabricação. Responderam: “Ah, isso não pode fazer por ter um impacto negativo no meio ambiente”. Então existe um problema conceitual, porque não há carro elétrico sem bateria. Precisamos ter uma noção mais abrangente e holística da cadeia, para chegar a um impacto positivo na redução das emissões, até zerar.
O que você e os demais sócios pretendem com a nova empresa, a YvY Capital? Como vai funcionar? Como foi a escolha desse nome?
A nossa intenção é procurar empresas que já são vencedoras, mas que precisam de investimentos para aumentar em escala o seu grau de impacto positivo no sistema econômico verde. A ideia é viabilizar um fundo de private equity (compra de participação de empresas) com uma meta inicial de US$ 1 bilhão. Como foco, o Brasil e a América Latina. E a palavra YvY é dos povos indígenas tupis – e significa a Terra Mãe. A Terra onde nós vivemos, onde nós moramos (Estadão, 6/3/24)