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Fazendas e empresas se juntam para tornar realidade o mercado de carbono

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Por Bruno Cirillo

Saiba como os projetos baseados na confiabilidade podem alavancar negócios globais estimados em R$ 5,4 bilhões por ano.

Fontes inesgotáveis de poluentes por causas naturais ou criminosas, as queimadas são um bom exemplo da dificuldade em combater as emissões de GEEs (gases de efeito estufa) que provocam o aquecimento global. Somente em fevereiro, o fogo, com 600 focos de incêndio em Roraima, gerou 4,1 milhões de toneladas de CO2, o dióxido de carbono na Amazônia, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (29) pelo observatório europeu Copernicus e o Inpe (Instituto de Pesquisa Espacial). O volume de CO2 emitido somente por essas queimadas é o dobro do que a Agropecuária Aruanã, em Itaquatiara, no estado do Amazonas, levou 41 anos para sequestrar e agora está vendendo nos termos do embrionário mercado de carbono.

A propriedade da família Vergueiro tem 12 mil hectares e uma história exemplar em termos de responsabilidade ambiental: iniciou suas atividades em 1969, com objetivo de desmatar 50% da área, conforme o Código Florestal da época, para transformar em pastagens. Em 1975, após derrubar cerca de mil hectares, os proprietários mudaram de ideia e iniciaram um processo de reflorestamento de espécies nativas. Hoje, eles possuem a maior área de castanheiras do Amazonas, com 1,4 mil hectares, e a primeira certificação 100% nacional para o mercado de carbono.

A fazenda evita que 2,2 milhões toneladas de dióxido de carbono equivalente sejam lançados na atmosfera, por ano. Isso ocorre pelo desmatamento evitado e na restauração de áreas degradadas. O volume que pode ser comercializado, conforme as normas do Acordo de Paris, é suficiente para zerar as emissões de 320 mil pessoas por ano. Mas vale registrar que o trabalho na Aruanã, que levou quatro décadas, no entanto compensaria apenas metade do que foi gerado de CO² em um mês pelos incêndios na floresta amazônica.

“(O número das queimadas) aumenta a demanda, a importância e a necessidade de investimentos em projetos de preservação, conservação, reflorestamento e manejo de florestas e cultivos agropecuários sustentáveis”, diz Francisco Higuchi, CEO da certificadora Tero Carbon, com sede em Manaus, responsável pelo respaldo técnico ao projeto da Aruanã e outras três iniciativas semelhantes.

Doutor em ecologia e manejo de florestas tropicais, Higuchi é reconhecido em seu meio como um dos profissionais mais gabaritados do país em questões de mercado de carbono. Berço ele tem. Seu pai, o engenheiro florestal Niro Higuchi, recebeu o prêmio Nobel da Paz em 2007, junto a outros cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas, na sigla em inglês), por estudos pioneiros sobre os impactos do carbono na Amazônia.

“O mercado de REDD+ (redução de emissões por desmatamento e degradação florestal) teve dois grandes momentos, de 2008 até 2014/15 e depois reaqueceu com muita força no fim de 2018/19. O Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris (resultados complementares das Conferências das Partes de 1997 e 2015) tiveram papel importante nos dois momentos”, contextualiza Higuchi. “O mercado continua muito interessado, porque essa questão do clima é uma realidade que os países desenvolvidos estão levando muito a sério.”

Investimento francês no Brasil

Um dos investimentos atuais no Brasil, com vistas a remover dois milhões de toneladas de CO² da atmosfera até 2030, data-limite para as metas de combate ao aquecimento global estabelecidas nas últimas COPs, é a green tech francesa NetZero, cujo produto é o biochar. Trata-se de uma espécie de esponja porosa produzida a partir da pirólise (alta temperatura, sem queimar) de resíduos agrícolas que concentra, desse modo, o carbono presente na matéria orgânica e, enterrado, armazena o poluente no solo, servindo também como bom absorvente para água e nutrientes que vão ajudar no crescimento das plantas, além de ser utilizado como aplicação única e substituir, assim, várias doses de fertilizantes.

Com sede em Paris, a empresa vem empenhando R$ 20 milhões para produzir a matéria-prima em Brejetuba (ES) e Lajinha (MG), a partir de um projeto-piloto em Camarões, na África, que foi certificado há um ano. “O biochar é um produto conhecido há mais de 30 anos pela comunidade científica, mas que só começou a ser produzido há três anos em escala comercial”, conta Olivier Reinaud, um dos quatro sócios da companhia, em entrevista à Forbes, da capital francesa. “Este ano, vamos iniciar a construção das duas usinas, com potencial de produzir quatro mil toneladas de biochar por ano cada uma. O Brasil é estratégico para nós. Além do potencial de biomassa, é o país da agricultura.”

Reinaud reforça que a produção do insumo, sozinha, não sustentaria o negócio. É graças à possibilidade de vender o crédito de carbono gerado pelo produto, via emissão de poluentes evitada, na monta de 1,5 tonelada de CO² por tonelada de biochar, que a empresa pode ser bem-sucedida. A NetZero já tem clientes na Europa para comprar esses créditos e a demanda supera a oferta, segundo o parisiense, que há dois anos vive num vaivém entre França e Brasil. A certificação, acrescenta ele, será feita pela Puro.earth, uma companhia finlandesa cujo método de avaliação é bastante austero, pontua.

“Hoje, o crédito de carbono de alta qualidade que produzimos interessa sobretudo a empresas americanas e europeias. Um dia será o Brasil, mas por enquanto, no país, nosso interesse é somente vender o biochar”, diz Reinaud. Em 2023, o mercado voluntário de carbono transacionou US$ 1,1 bilhão (R$ 5,4 bilhões na cotação atual), de acordo com dados da consultoria especializada Trove Research, com escritório em São Paulo. No mesmo ano, foram certificadas 277 milhões de toneladas em créditos de carbono. Segundo dados de estudos da McKinsey, o Brasil concentra 15% do potencial global de captura de carbono via soluções baseadas na natureza.

Carbono com valor e confiança

Com recursos não reembolsáveis, o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento) lidera a Iniciativa Floresta Viva, para restauração ecológica, um programa de matchfunding ao lado de diversas instituições. Já foram empenhados mais de R$ 700 milhões, sendo R$ 250 milhões aportados pelo banco, que desenvolve a estratégia de composição dos projetos para geração de crédito de carbono com o objetivo de atender a metodologias de certificação.

“O principal desafio inerente ao mercado voluntário de carbono está na garantia da integridade dos créditos gerados e na permanência daquela ação de redução ou remoção no tempo determinado pelas metodologias dos certificadores”, atesta o BNDES, em nota encaminhada à Forbes. “O setor agropecuário possui grande potencial de redução de suas emissões por meio da adoção de práticas mais sustentáveis de produção.”

Segundo dados do Banco Mundial, atualmente, existem mais de 30 mercados regionais ou nacionais implementados no mundo. A participação global de emissões cobertas por impostos sobre carbono cresceu de 7% para cerca de 23% nos últimos 10 anos. A regulação europeia foi implementada em 2005 e está na sua quarta fase. Outros países como México, Nova Zelândia e China também possuem mercados regulados. Muitos deles foram criados considerando que créditos de carbono gerados voluntariamente fossem regulados.

Para Higuchi, com 15 anos de experiência nesse ramo, para destravar o REDD+ é urgente desenvolver mecanismos mais eficazes que garantam a credibilidade das certificações, pois a qualidade dos créditos se deve à sua confiabilidade. “Quem compra precisa ter a segurança de que o projeto entregou o que foi prometido, ou seja, que os créditos gerados contribuem com a mitigação dos problemas da mudança do clima. É necessário que tudo seja verificável, não só os valores, mas também as incertezas”, salienta.

Projetos para a certificação do carbono, de modo a possibilitar a venda de crédito, costumam ser feitos por grandes empresas agropecuárias ou fundos interessados em novos tipos de investimento, mas também podem ser inoculados em pequenas propriedades. Um exemplo é a fazenda Santa Bárbara, em Monte Carmelo (MG), que está auditando junto à Tero 63 hectares de café, de um total de 83 hectares. Tem potencial para remover 2,5 mil de toneladas de CO² dos 236,8 mil pés do grão na lavoura, o equivalente à emissão anual de 252 brasileiros.

“Sediamos um estudo científico da Emater-MG (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais) para fazer a contagem do carbono em nossa propriedade”, explica a produtora Juliana Rezende. “A Tero Carbon trouxe a condição de participar do mercado e vai criar uma vitrine para a comercialização do crédito.” Esta será a quarta certificação da fazenda mineira, que já tem outros quatro selos, como o Rainforest Alliance, que faz certificação e treinamento em agricultura sustentável e está presente em 70 países, e o da Nexpresso, marca que pertence ao grupo suíço Nestlé. Rezende espera que o novo certificado saia ainda neste mês de março — a avaliação da propriedade teve início em janeiro (Forbes, 1/3/24)

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