Em evento realizado pela Folha, especialistas dizem que momento é oportunidade para Brasil impulsionar crescimento.
Hidrogênio verde, etanol de milho e SAF (combustível sustentável de aviação). Esses são alguns dos combustíveis renováveis e fontes de energia que, segundo especialistas, podem guiar a transição energética no Brasil nos próximos anos e décadas.
O tema foi debatido no terceiro painel do seminário Energia limpa: a transição energética no Brasil, organizado pela Folha. O evento, que teve apoio da montadora BYD, aconteceu nesta segunda-feira (19) em comemoração ao aniversário de 103 anos do jornal. A mesa foi mediada pela repórter especial Adriana Fernandes.
Para o diretor de transição energética e sustentabilidade da Petrobras, Maurício Tolmasquim, a descarbonização do planeta ocorrerá a partir da eletricidade produzida por fontes renováveis. Ele afirmou, no entanto, que alguns setores, como petroquímico, de refino, siderúrgico e de fertilizantes, precisarão de outra fonte de energia, o hidrogênio, por ser mais viável.
“No curto prazo, a gente [Petrobras] vai investir em energias eólica e solar onshore [em terra] e também na parte de biocombustíveis, como o diesel renovável, porque são tecnologias que já estão maduras e têm infraestrutura. Mas o que mais me parece promissor, em médio prazo, é o hidrogênio verde”, disse Tolmasquim.
Ele afirmou que o hidrogênio verde será importante para a produção de combustíveis como etanol verde e combustíveis sintéticos —feitos a partir da combinação entre hidrogênio e gás carbônico.
“Talvez, vamos começar exportando, porque a Europa tem subsídios que fazem com que o mercado lá seja competitivo. Mas, se os custos caírem da maneira que está sendo projetada, o mercado nacional tem potencial para o nosso hidrogênio.”
Já a ex-senadora Kátia Abreu, outra participante do painel, destacou a importância do etanol obtido a partir do milho.
“É uma energia que nasce em 2017 e já é uma grande fonte espalhada pelo Brasil. Nas suas vantagens comparativas, o etanol de milho dá o ano inteiro, não só na época das chuvas”, afirmou.
Outra vantagem apontada no etanol de milho é o DDG (sigla em inglês para grão seco de destilaria), obtido também na produção de etanol. Esses grãos são ricos em proteínas, vitaminas e aminoácidos e são usados na alimentação de gado.
A ex-senadora afirmou que o agronegócio brasileiro cresceu por meio de subvenções (auxílios do governo), que, segundo ela, permitiram ao setor suportar a taxa de juros de outros países.
Abreu afirmou, porém, que esses benefícios devem ter validade. “Para a saúde econômica, as longevas subvenções podem trazer a morte de outros setores que ficam no entorno.”
Nessa toada, Sandoval Neto, diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), disse ser necessário rediscutir os subsídios oferecidos ao setor elétrico, repassados para a conta do consumidor. Ele apontou o custo da tarifa de energia como um dos fatores que desestimularam a indústria no país.
De acordo com o subsidiômetro divulgado pela agência, a quantidade de subsídio no setor de energia elétrica em 2023 já ultrapassou a marca dos R$ 37,4 bilhões –o patamar vem crescendo nos últimos anos.
“A grande perspectiva que temos é de aproveitar este momento exuberante dos nossos recursos naturais e da tecnologia que foi construída para transformar a vida das pessoas. Temos, hoje, uma energia elétrica mais barata e uma tarifa cada vez mais cara. Há um problema que tem de ser resolvido no meio do caminho”, disse ele.
Para Patricia Ellen, cofundadora da AYA Earth Partners e ex-secretária de desenvolvimento econômico de São Paulo, o Brasil tem a oportunidade de liderar a pauta da transição energética e passar a crescer mais do que a média do PIB (Produto Interno Bruto) mundial.
“Nós temos a única chance de deixar de ser o país do ‘PIBinho’ para sermos um país que cresce 5% ao ano e distribuir essa riqueza para a população”, afirmou.
Ellen apontou etanol do milho, SAF (combustível sustentável de aviação) e hidrogênio verde como fontes de energia e biocombustíveis que podem ajudar o país a agregar valor ao seu PIB.
“Nós estamos exportando produtos de baixo valor agregado e teríamos uma chance de estar adicionando renda à população.”
Jerson Kelman, ex-presidente de empresas como Light e Sabesp, disse que o setor elétrico enfrenta hoje problemas de governança. Segundo ele, o Congresso Nacional toma decisões por interesses de alguns setores.
“Nós temos visto o Congresso atuando em função de ‘lobbies’ que defendem essa ou aquela tecnologia sem uma visão integrada. Nós temos que retomar a liderança do setor elétrico, porque corremos grave risco”, disse.
Nesse sentido, Kelman aponta os subsídios como políticas públicas que foram perpetuados por lobby. “É necessário que o Congresso Nacional volte a ter a visão de política com ‘P’ maiúsculo e deixe de ficar aceitando o toma lá dá cá de políticas centralizadas.” (Folha, 20/2/24)
Brasil tem capacidade de aumentar oferta de energia solar em 100 vezes, diz diretor da Petrobras
Mauricio Tolmasquim afirma que o hidrogênio verde é o produto mais promissor no médio prazo na discussão sobre transição energética.
O diretor de Sustentabilidade da Petrobras, Mauricio Tolmasquim, afirmou que o Brasil possui capacidade para aumentar a energia solar em até 100 vezes. Atualmente, segundo o executivo, a capacidade instalada nacional é de 30 gigawatts (GW), valor classificado por ele como um número já relevante, mas que pode aumentar em grande escala.
Com relação à energia eólica, Tolmasquim acrescentou que a capacidade instalada nacional também está próxima de 30 gigawatts, mas que é possível multiplicar esse total em 25 vezes considerando apenas o potencial em terra (onshore). Sobre o montante em alto-mar (offshore) “é outro potencial enorme”, acrescentou o diretor de sustentabilidade da Petrobras.
“Temos um potencial de recursos não apenas em quantidade, mas qualidade. O mesmo aerogerador colocado no Brasil deve produzir o dobro de energia que o mesmo produto na Europa. Traduzimos isso como fator de capacidade. Temos a abundância, mas não apenas nos recursos, mas a abundância com qualidade, o que nos permite ter baixo custo”, afirmou Tolmasquim durante o seminário “Energia limpa: A transição energética no Brasil” realizado pela Folha de S.Paulo nesta segunda-feira, 19.
Segundo ele, a Petrobras só vai entrar nos negócios de parques eólicos offshore depois que existir um marco regulatório. As áreas offshore que podem ser utilizadas para geração de energia eólica pertencem à União. Só com a concessão dessas localidades é que se pode construir os parques eólicos.
“Não basta ter a lei, é preciso ser organizado o leilão para a concessão das áreas e depois para a construção é necessário que o empreendimento seja viável e haja demanda. São condições necessárias”, afirmou.
Para Tolmasquim, o Brasil está em uma posição de destaque no tema de energia renovável. Segundo o executivo, a produção renovável doméstica é de aproximadamente 50% somada a geração para eletricidade e combustíveis, enquanto a mesma métrica no mundo é de 15%.
Se considerado apenas a geração de energia elétrica renovável, o mundo possui 30% da matriz energética limpa, enquanto o Brasil em 2023 ultrapassou a faixa de 90%, disse.
“O Brasil não pode perder essa oportunidade porque o mundo todo, por conta da questão climática, está tendo que enfrentar a transição energética. Eventualmente essa transição pode ser um ônus para alguns países, mas é um bônus para o Brasil”, afirmou.
Hidrogênio verde
O diretor de sustentabilidade da Petrobras disse ainda ver no hidrogênio verde a divisão de negócios com potencial mais promissor no médio prazo na discussão sobre transição energética.
Ele citou um estudo promovido pela Bloomberg segundo o qual, em 2030, é esperado que o hidrogênio verde seja mais competitivo e barato no Brasil na comparação com o hidrogênio cinza (obtido a partir da queima do gás) em outros países. “É algo revolucionário e disruptivo. Estamos falando de um novo paradigma. A Petrobras é a maior produtora e consumidora de hidrogênio no Brasil”, afirmou.
O executivo mencionou que, atualmente, o hidrogênio é utilizado nas refinarias em meio ao processo de desenvolvimento de diesel e outros combustíveis, mas, dependendo do potencial competitivo do produto, ele poderá ser fundamental para a produção de outros insumos, como a amônia verde, o
Sobre o futuro relacionado ao hidrogênio verde, o diretor de sustentabilidade da Petrobras afirmou que o insumo poderá ser utilizado não apenas no refino, mas na atividade petroquímica, de fertilizantes e na siderurgia.
Em um primeiro passo, o foco da estatal seria o mercado europeu por conta da maior disposição em pagar mais caro por um produto sustentável, mas, se os custos diminuírem e o preço do hidrogênio verde ficar barato no Brasil em comparação a outros países, ele também diz enxergar potencial para um consumo nacional do produto.
“Quando eu pensava em hidrogênio, olhava o Brasil e imaginava o País exportando o produto para a Europa. Hoje, mudei a minha cabeça. Talvez iremos começar a exportar para a Europa por conta dos subsídios que trazem maior competitividade lá. Isso (subsídio) não existe no Brasil, então não tem porque não começarmos lá. Mas, se os custos caírem da maneira como é projetado, o mercado nacional tem potencial para o nosso hidrogênio verde”, afirmou Tolmasquim.
O executivo acrescentou que há forte potencial para o hidrogênio verde ligado ao SAF (combustível sustentável de aviação), em função da regulação internacional que exige das companhias aéreas que aumentem a parcela de consumo de renováveis.
“Tem um mandato para as empresas aéreas descarbonizarem o uso de seus combustíveis, mas, quando conversamos com essas companhias, elas nos falam que não existe a oferta de um produto renovável. O Brasil tem potencial imenso em oleaginosas e um novo mercado está aparecendo. Fazer combustível líquido é algo que a Petrobras sabe fazer e faz parte do nosso negócio”, disse (Estadão, 20/2/24)