Segundo Ernesto Pousada, eletromobilidade deve avançar primeiro nas regiões Sudeste e Sul, enquanto o consumo dos combustíveis líquidos deve continuar forte no Centro-Oeste e Norte.
O crescimento da Vibra, maior distribuidora de combustíveis do País, passa pelo agronegócio. A afirmação é do presidente da companhia, Ernesto Pousada, em entrevista ao Estadão/Broadcast. A Vibra planeja expandir a venda de lubrificantes e combustíveis líquidos, sobretudo o diesel, nas regiões dominadas pelo agro. Por trás da estratégia está a tese de que a eletromobilidade vai avançar no Sul e Sudeste no médio e longo prazos, empurrando o consumo de combustível para um Centro-Oeste e Norte animados pelo agronegócio – para abastecer tanto os caminhões que fazem a logística da safra quanto as máquinas usadas na lavoura, como tratores e colheitadeiras.
“Queremos acompanhar esse movimento”, diz. O executivo comenta também os planos para crescer em lubrificantes com aumento da capacidade de produção da fábrica de Duque de Caxias (RJ) e a ambição de expandir o negócio de conveniência pela maior parte da rede de 8,3 mil postos da Vibra.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
A Vibra teve um 2023 de aumento das margens de distribuição e bons resultados financeiros. Quais são os planos para o futuro?
Vejo potencial de crescimento bastante grande no negócio da Vibra como um todo. Para os próximos cinco anos, lubrificantes são uma oportunidade fantástica, e acho que temos uma agenda muito legal junto ao agronegócio. Existe, também, uma tremenda oportunidade com a BR Mania (conveniência).
Que agenda é essa para o agronegócio?
O agronegócio é um foco da companhia e faz parte, inclusive, do crescimento do negócio de lubrificantes. Lançamos um produto específico para o agro em setembro, o Lubrax Unitractor, um lubrificante para tratores e equipamentos agrícolas pesados. Então há um esforço adicional para expandir nessa direção. Mas também queremos crescer em combustíveis líquidos junto ao agronegócio. Em suas regiões, vamos estar mais próximos nos lubrificantes, na venda de diesel B2B e nos postos de revenda. Entendemos que vai haver uma migração importante no consumo de combustíveis na direção do agronegócio, em especial rumo ao Centro-Oeste do Brasil. Então vamos fazer investimentos nos próximos anos em infraestrutura, para atender melhor esse setor com mais tanques e bases.
Como assim uma migração do consumo de combustíveis?
A descarbonização via eletrificação vai vir mais das regiões Sul e Sudeste. Com isso, a gente vai ver cada vez mais, nos próximos 10 ou 15 anos, o consumo de combustíveis líquidos (diesel, gasolina e etanol) caminhando em direção ao Centro-Oeste e Norte do País, além de algumas regiões do Nordeste. Queremos acompanhar esse movimento.
Com relação a lubrificantes, o que podemos esperar?
Temos uma oportunidade clara em lubrificantes. Queremos avançar mais nesse negócio com a marca Lubrax, e estamos investindo R$ 100 milhões para ter a maior fábrica de lubrificantes da América Latina, com capacidade para produzir 500 milhões de litros do produto por ano. Isso quase dobra a capacidade atual (300 milhões de litros por ano). A ideia é que a fábrica (localizada em Duque de Caxias, RJ) fique pronta em outubro.
A ambição é aumentar o market share em lubrificantes?
Queremos assumir a liderança no mercado de lubrificantes do Brasil. Hoje temos cerca de 18% desse mercado. Entendemos que a marca Lubrax é super potente, mas está subaproveitada. E aí existem oportunidades, como na revenda, em postos mesmo. Vamos crescer com mais lojas Lubrax+, que hoje somam 1,8 mil em uma rede de 8,3 mil postos. Queremos aumentar esse número, mas nem de longe vamos chegar a todos os postos, porque isso tem limite. Nem todos (os postos) têm vocação para ter uma Lubrax+, alguns são pequenos ou estão em região que não tem tanta demanda. Fora isso, também tem o que chamamos de revenda geral, como as oficinas, quase 35 mil pequenos negócios que atendemos, e o B2B, para os clientes industriais. São esses os três grandes blocos (do negócio de lubrificantes). E vou aproveitar a estrutura que já tenho. O mesmo vendedor que está indo vender diesel vai vender lubrificante. Hoje é uma oportunidade que se apresenta para a companhia e, por isso, estamos aumentando a capacidade produtiva e colocando time na rua.
Quais são os planos para conveniência?
Hoje temos 1,7 mil lojas BR Mania. Também não vou conseguir colocá-las nos 8,3 mil postos, mas entendemos que tem uma oportunidade para aumentar significativamente esse número. Há só quatro anos que a companhia foi privatizada. Antes, o foco era outro, era vender gasolina e diesel. Estamos trazendo novas habilidades para virar uma empresa de varejo. Estive nos Estados Unidos para fazer um benchmark e, lá, o que muitas empresas têm é a loja de conveniência. O posto é só uma consequência. Elas ganham dinheiro é com conveniência. Eu não imagino que vai ser assim no Brasil, não chegaria a tanto. Mas dá para trazer muito mais resultado das nossas lojas de conveniência.
Para isso havia uma joint venture específica…
A parceria com a Americanas se encerrou definitivamente em 30 de novembro. Era uma empresa chamada Vem Conveniência, que troxemos intacta para dentro de casa. Eles (a Vem) desenvolveram um conhecimento importante de operação de loja própria de varejo, o que nos dá uma vantagem competitiva interessante. Quando nos separamos, a Americanas não teve interesse na Vem. As lojas “Local” voltaram para Americanas, mas o time da Vem ficou conosco. Eles ocupam o segundo andar do prédio (da Vibra).
A Petrobras anunciou recentemente que não pretende renovar o contrato de uso da marca com a Vibra. Qual é o impacto disso?
Não muda em nada o nosso negócio agora. É, aliás, a confirmação do nosso contrato com a Petrobras, válido até 2029 nos termos atuais. Os 8,3 mil postos vão continuar sendo nossos, e temos cinco anos pela frente. Depois disso, o ‘debranding’ (encerramento do uso do nome) ainda vai até 2035. Isso significa que, a partir de 2029, teremos de começar uma transição de até seis anos para mudar a marca dos postos. Seria um processo natural, tranquilo, combinado com eles (Petrobras) e com a revenda, como prevê o contrato.
A Eneva chegou a oferecer uma sociedade de iguais com a Vibra, que recusou, mas deixou a porta aberta para nova proposta. Uma fusão ainda é possível?
Sobre isso, não há muito mais o que falar para além do fato relevante. Declinamos da proposta deles. Estamos abertos a ouvir, mas não temos interesse no momento. Meu acordo com o Conselho é promover o crescimento orgânico. Temos muito para executar. A Vibra tem a possibilidade de se valorizar muito mais. Então, qualquer coisa inorgânica acaba fazendo pouco sentido, vamos dizer que (a Vibra) vale muito mais. Temos quatro anos (de existência) só. Meus predecessores fizeram um super trabalho de reduzir custos e aumentar margens, além de abrir essa frente de transição energética. Agora é hora de consolidar e trazer mais geração de caixa.
Gestões anteriores bateram muito na tecla na transição via eletromobilidade. Como está isso?
Quando entrei na Vibra (fevereiro de 2022), encontrei uma companhia muito voltada para o futuro da eletromobilidade. E quero deixar claro que acredito nesse futuro. Mas o nosso presente é fazer crescer o core business (distribuição de combustíveis). Temos uma oportunidade muito grande para fazer isso, o que não está valorizado no preço atual da nossa ação. O mercado ainda não vê todas as possibilidades de crescimento que nós temos. Inclusive algo que vai acontecer nos próximos anos, que é o fim de uma série de ilegalidades, como adulteração de produto e sonegação fiscal. Isso vai mudar nesse País, eu não tenho dúvidas. Faz parte do amadurecimento da indústria e é mais uma oportunidade de se alcançar mais volume.
Ernesto Pousada, presidente da Vibra
Transição energética foi uma marca muito forte da gestão Wilson Ferreira Jr. na Vibra…
O Wilson trouxe isso e acho que foi uma herança bendita. Eu gosto desse business também. Só que foi preciso redistribuir pesos. Além da gestão focada em acompanhamento de resultados, pessoas e aproximação com o cliente, estarmos mais centrados no core business foi um dos fatores que nos levou ao bom resultado do ano passado. É uma questão de o mercado ver que a coisa está mudando, que vamos colocar a companhia em outro patamar.
Qual é o foco dos negócios relacionados à transição energética?
A geração e comercialização de energia renovável é a nossa maior aposta na transição. Temos aí um ativo super legal, que é a Comerc (empresa de soluções de energia), e queremos que o negócio de energia renovável se torne cada vez mais relevante dentro da Vibra nos próximos anos. Há outros acionistas (na Comerc) e o contrato prevê a possibilidade de um call e put (compra e venda de ações ao preço de um determinado momento), entre 2026 e 2028. Então, essa empresa pode vir a ser 100% Vibra. É uma empresa na qual acreditamos muito, que está com mais de 85% dos seus projetos implementados, gerando energia tanto de forma distribuída quanto centralizada, um super vetor de crescimento. A gente acredita e quer crescer em energia renovável, seja organicamente ou inorganicamente. Não estamos olhando nada nesse momento, mas, se fizer sentido, pode haver uma aquisição sim. Mas há uma série de outras iniciativas, como as participações na Zeg Biogás, em eletromobilidade (EZVolt) e na trading de etanol Evolua. A Comerc é a avenida mais certa de crescimento. Nas outras, a gente vai colocando os pés para ver qual será a rota (de transição) vencedora e poder acelerar (Estadão, 23/1/24)