País deve decidir em 2024 como fazer e financiar o essencial Plano de Transformação Ecológica.
No ano que vem, logo ali na esquina, o Brasil deve tomar decisões essenciais sobre o que vai fazer do petróleo e como vai planejar a “transição verde”. Lá por fevereiro, o governo deve lançar versão mais sistemática e detalhada do Plano de Transformação Ecológica (PTE). Em algum momento, deve sair decisão do Ibama sobre a pesquisa de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, em princípio negada, decisão da qual a Petrobras recorreu. Embora muito importante, o caso do petróleo não para por aí.
A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) voltou a falar de um teto, um limite, para a exploração de petróleo, em entrevista ao “Financial Times” desta terça-feira. Foi suave, falou em “debate”, mas sua posição é conhecida e de interesse internacional.
De mais imediato, interessa saber: 1) De quanto seria esse limite e para quando; 2) Como os planos de exploração de petróleo e gás conversam com o Plano de Transformação Ecológica; 3) Qual o balanço de perdas e ganhos com a expansão do negócio do petróleo (que ainda vai render muito dinheiro).
A estatal Empresa de Planejamento Energético prevê que a produção de petróleo no Brasil passaria dos 3,4 milhões de barris por dia de agora para 4,5 milhões em 2026 (último de Lula 3) e para 5,4 milhões em 2032, quando começaria a declinar. Quase 92% das reservas que baseiam a previsão para 2032 já foram descobertas (outras quase isso). Ainda assim, é preciso investir para achar petróleo novo (como na Margem Equatorial, Foz do Amazonas inclusive) e explorar as reservas já descobertas. O que fazer?
Os erros de projeção sobre uso, exploração e preço de petróleo costumam ser exorbitantes. Além do mais, tem havido inovação tecnológica rápida no uso de combustível, no desenvolvimento de energia alternativa e na fabricação de materiais. A conta fica muitíssimo mais complicada quando se tenta escolher o uso de recursos produtivos: mais capital dedicado a petróleo reduz em quanto o capital aplicado em energia nova? Petróleo barato desestimula em quanto a produção e o uso de energia menos suja? A lista de questões vai longe e é avassaladora de difícil.
É bem possível que a decisão do que fazer do petróleo no Brasil acabe na mão de uma coalizão de políticos toscos que não vai abrir mão da perspectiva de muito dinheiro. O dinheiro do petróleo pode ainda render progresso por aqui e ajudar a resolver o buraco das contas do governo. Pode de fato financiar as várias “transformações ecológicas” de que precisamos. É claro que tudo isso tende a ser mera conversa fiada, dado o padrão médio da governança e do debate público do Brasil. Mas é assunto sério.
No Brasil, 49% dos gases de efeito estufa vêm de “mudanças do uso da terra” (grosso modo, desmatamento e razias similares); 25% da agropecuária; 18% do uso de energia; 4% de “processos industriais e uso de produtos” (PIUP); 4% de resíduos (lixos). São dados de 2021 da “Análise das emissões de gases de efeito estufa e suas implicações para as metas climáticas do Brasil” do Observatório do Clima, de 2023.
Acabar com o desmatamento, reduzir a ineficiência da pecuária, mais pesquisa científica e tecnológica e investir em lavouras e pastagens mais bem manejadas já faria um enorme serviço para a redução das emissões, brutas e líquidas. É preciso também investir em novos combustíveis e fontes de energia, aliás subsidiados no mundo rico. Tudo isso demanda dinheiro, que ora não temos (pelo menos o governo não tem), em particular para montar um grande sistema de ciência e tecnologia, dirigido para resultados práticos e urgentes.
PTE, petróleo e emissões diretas e indireta da agropecuária deveriam ser um dos dois ou três grandes assuntos do Brasil em 2024 (Folha, 27/12/23)
Ministra Marina Silva defende limite para exploração de petróleo
Comentários contrastam com o plano do governo de se tornar um grande exportador de petróleo até 2029.
O Brasil deve considerar limitar a produção e a exploração de petróleo, disse a ministra do meio ambiente do país, colocando-se em oposição aos próprios planos do governo de transformar a nação em um dos maiores produtores de petróleo até 2029.
“Uma questão que terá que ser enfrentada é a dos limites, um teto para a exploração de petróleo. É um debate que não é fácil, mas que os países produtores de petróleo terão que enfrentar”, disse Marina Silva ao Financial Times.
Seus comentários refletem uma tensão nos esforços do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para jogar dos dois lados do debate climático –realçando as credenciais ambientais do Brasil na proteção da ecologia crucial da Amazônia, ao mesmo tempo em que apoia a perfuração de petróleo pelos benefícios econômicos. O Ministério de Energia estabeleceu a meta de aumentar a produção de 3 milhões de barris por dia no ano passado para 5,4 milhões até o final da década.
Nascida na floresta amazônica e criada por seringueiros empobrecidos, Marina Silva, 65, é hoje uma das ambientalistas mais respeitadas do mundo. Sua nomeação como ministra no início deste ano pelo presidente Lula foi saudada como um símbolo do compromisso do Brasil com a proteção ecológica e a transição verde.
Mas sua missão enfrenta obstáculos até mesmo dentro da administração de esquerda, especialmente do Ministério de Energia e da Petrobras estatal, que esperam aproveitar novos campos gigantes offshore para aumentar a produção de petróleo.
O plano de energia tornaria o Brasil o quarto maior produtor do mundo, à frente do Irã, Canadá e Kuwait. No início deste mês, o país se juntou ao grupo Opep+ –que compreende a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados –embora Lula tenha insistido que seu status permanecerá como observador.
“O Brasil é um produtor de petróleo. Este é um debate que terá que ser feito, mesmo no contexto de guerras. Estamos comprometidos com a meta de triplicar a energia renovável. Mas tudo isso não pode ser feito se não discutirmos a questão dos limites de exploração”, disse Marina.
Alexandre Silveira, ministro de energia do Brasil, disse ao Financial Times que não via “nenhuma contradição” entre as metas de petróleo e gás do país e sua aspiração de liderar a transição mundial para a energia verde. Ele disse que as receitas do petróleo ajudariam a financiar a transição.
No entanto, o foco de Brasília em combustíveis fósseis tem provocado ceticismo internacional, especialmente porque Lula regularmente pede às nações ocidentais que assumam um maior ônus financeiro para proteger a Amazônia e o meio ambiente global.
“O Brasil disse uma coisa, mas fez outra na cúpula COP28 [em Dubai]. É inaceitável que o mesmo país, que afirma defender a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 graus, esteja anunciando sua alinhamento com o grupo dos maiores exportadores de petróleo do mundo”, disse Leandro Ramos, do Greenpeace Brasil.
A ministra do meio ambiente acrescentou: “Não podemos desistir da transição energética. A segurança energética é necessária, mas também devemos pensar na transição. Ambas as coisas devem acontecer”.
Lula disse que o envolvimento do Brasil na Opep+ se concentraria em convencer as nações ricas em petróleo a investir em alternativas.
Nos primeiros nove meses deste ano, seu governo conseguiu reduzir o desmatamento ilegal na Amazônia em cerca de 50% em comparação com o mesmo período do ano passado. A crescente destruição da floresta tropical sob a administração anterior de Jair Bolsonaro havia provocado censura internacional.
Marina, no entanto, disse que não reivindicaria a vitória.
“Temos metas setoriais. Não é apenas o desmatamento. Também é energia, indústria, transporte, uso da terra e agricultura. Todos esses têm metas de redução de CO₂”, disse ela. “Não podemos nos resignar aos resultados já alcançados porque, por melhores que sejam, eles precisarão ser melhorados” (Financial Times, 16/12/23)