ERT, em Curitiba, patenteou tecnologia desenvolvida pela Universidade de Clemson, nos Estados Unidos.
Kim Gurtensten Fabri, 41, não consegue disfarçar o incômodo com a vizinhança.
“Hoje está tranquilo. Mas em dias de calor ou de vento, o cheiro é forte. A gente convive com o problema todos os dias”, afirma, ao apontar para o aterro sanitário que fica ao lado da fábrica da sua fábrica, a ERT, no bairro CIC (Cidade Industrial), em Curitiba.
Ânimo oposto ele tem ao mostrar o local de produção na empresa. Não há nenhuma sujeira no chão e quando algo cai durante a produção, ele se abaixa, recolhe o material e o coloca no lugar.
“As pessoas que já visitaram outras fábricas se espantam. Dizem que nem parece indústria de plástico”, completa.
O presidente e CEO da ERT (Earth Renewable Technologies) tem como objetivo final outro tipo de limpeza: o aumento de produtividade do seu bioplástico, feito a partir de uma patente desenvolvida pela Universidade de Clemson, os Estados Unidos. A matéria-prima usada vem da cana-de-açúcar. É um material que, ao contrário de outros plásticos, vira adubo em pouco mais de seis meses.
A tecnologia usa a fermentação da cana com outros materiais orgânicos, como amido e resíduos agroindustriais. No final da cadeia, vai dar origens a embalagens para diferentes setores da economia, sacos, copos e talheres descartáveis.
E, para Gurtensten, há uma vantagem clara em relação à utilização de papel, algo que tem se tornado cada vez mais comum.
“[O bioplástico da ERT] Não é concorrente do plástico reciclável. É um complemento. O papel vem sendo cada vez mais usado, mas isso não faz nenhum sentido. O canudo de papel, o copo de papel têm composição plástica”, argumenta.
De acordo com o site da Fiocruz, o plástico normal pode levar entre 450 anos e 500 anos para se decompor no meio ambiente.
A principal vantagem da tecnologia, segundo o CEO, é ser limpa, como gosta de ver o chão de sua fábrica. A ERT produz atualmente 3,5 mil toneladas de plástico por ano e planeja se expandir. Não que seja fácil.
Ele aponta uma dificuldade em convencer grandes empresas a embarcar no projeto de um bioplástico totalmente limpo.
“As grandes [companhias] não querem. Apenas dizem que querem”, lamenta.
Mas Gurtensten fala também sobre marcas que apostaram no bioplástico da ERT, como o Boticário e a Havaianas, marca de chinelos e sandálias da Alpargatas. A maior esperança para o futuro está em empresas que surjam com a mentalidade da sustentabilidade, tenham isso em seu DNA e que a carreguem em seu crescimento.
Por enquanto, o principal foco da ERT, a única indústria do gênero na Amérca é exportação. A indústria vende para Argentina, Chile, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, México, Peru e Portugal. Em dois anos, conseguiu 20% do mercado chileno.
Há uma questão fundamental para o desenvolvimento do mercado de material sustentável, ele acredita: a legislação.
“Exportamos 2.000 toneladas para o Peru, um país que baniu sacolas plásticas. O Brasil consumiu neste ano 500 toneladas”, diz.
Por causa da sua tecnologia, a ERT tem recebido investimentos. Em 2023, captou R$ 32 milhões com a Positivo Tecnologia. No ano passado, já havia obtido R$ 50 milhões com clientes da XP Private e sócios da corretora de investimentos. Nos planos, estão a construção de nova fábrica em Manaus, a ser inaugurada em 2024. Isso apesar da preocupação com a umidade relativa do ar na cidade, algo que interfere na produção.
A OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) estima que 19% dos resíduos plásticos produzidos no mundo são incinerados, 50% vão para aterros e 22% escapam dos sistemas de gestão de resíduos e vão para lixões não controlados. Estes são queimados ao ar livre ou acabam em ambientes terrestres.
O Brasil produz mais de 11 milhões de toneladas de lixo plástico por ano, de acordo com o Fundo Mundial para a Natureza (WFF) –desse montante, 145 mil toneladas são recicladas.
“Há espaço para crescer porque produzimos um bioplástico que se decompõe em matéria-prima orgânica, não microplástico. O microplástico vai na contramão do elo [da sustentabilidade]”, defende Kim Gurtensten.
Ele crê nisso também porque a ERT, com 30 funcionários, pode produzir mais. A operação atual é de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 17h30. Isso pode ser ampliado. Desde que a limpeza seja preservada, claro (Folha, 27/12/23)