Por Adriano Pires
Mudanças tecnológicas e climáticas exigem o redesenho do arcabouço regulatório.
A legislação e a regulação do setor elétrico andam a passos lentos, e a necessidade de avanços e de pensar fora da caixa aumenta a cada novo governo. A matriz elétrica nacional está ganhando cada vez mais novos contornos e o sistema regulatório não acompanha as urgências de mudança do setor.
As regras do setor elétrico nacional se estabeleceram com base nas redes de energia centralizadas. No entanto, nos últimos anos, a queda dos custos nas tecnologias da geração distribuída ampliou significativamente o acesso dos consumidores, em particular os de renda mais alta. A geração solar distribuída, que no fim de 2019 representava 1,1% da capacidade instalada de geração de energia elétrica do Brasil, hoje já responde por 10,9%.
Seguindo o esforço mundial pela ampliação das renováveis, o Brasil normatizou a geração distribuída, por meio da Lei n.º 14.300/2022 e posterior regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Mas o estímulo à ampliação da geração distribuída foi feito de forma equivocada, com base nos subsídios do tipo Robin Hood às avessas em que o pobre financia o rico, e na redução da receita das distribuidoras. Os micro e minigeradores foram atraídos pelas baixas tarifas e, com isso, a possibilidade de ampliação do consumo, motivações que passam longe da preocupação com o meio ambiente.
O comportamento do consumidor ao longo dos anos define bem cada estágio de evolução do setor elétrico. O pico de consumo de energia inicialmente ocorria entre 17h e 20h, e o vilão era o chuveiro elétrico. Com o passar do tempo, o pico foi para 14h e 15h, e o vilão passou a ser o ar-condicionado. Com o crescimento sem planejamento da geração distribuída, o pico voltou para 18h e 20h. Isso porque, sem a luz do Sol, as unidades de geração solar voltam a precisar do fio das distribuidoras.
As tarifas baixas para quem colocou painéis solares estimulam o uso ineficiente da energia e, com isso, o pico de consumo vem batendo recorde. Será que nosso parque termoelétrico consegue atender ao consumo na hora do pico? A geração solar reduz as tarifas, mas reduz, também, a segurança no fornecimento de energia. O pico com crescimento da demanda provoca sobrecarga nos transformadores e nas linhas de distribuição, podendo levar à queda da rede. Será que teremos um verão de apagões?
O planejamento é primordial para a segurança no fornecimento de eletricidade. As mudanças tecnológicas e climáticas exigem o redesenho do arcabouço regulatório. É indispensável a adequação da receita dos serviços de distribuição, olhando as características de cada distribuidora. O que existe ou está em discussão só fez aumentar as tarifas e o risco de apagões. E os prejudicados são as distribuidoras, além dos sempre penalizados consumidores. Essa espiral da morte precisa ser interrompida em benefício de todos (Estadão, 9/12/23)