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Leilão do petróleo, um dia após fim da COP28, é ‘bomba’ de emissões

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Há blocos perto da mineração da Braskem em Maceió e também perto de áreas de conservação, corais, terras indígenas e quilombolas.

A oferta de novos campos de exploração de petróleo no Brasil é uma “bomba” de emissão de gases de efeito estufa, destaca estudo realizado pelo Instituto Internacional Arayara.

Pelas estimativas da ONG, se o leilão for um sucesso e licitar todos os blocos, as emissões totais geradas a partir da exploração das novas áreas serão superiores a 1 GtCO2e (bilhão de toneladas de carbono equivalente), volume que equivale a 43,5% das emissões atuais do país.

Emissões de gases de efeito estufa são contabilizadas onde ocorre a queima do combustível. Como o Brasil exporta petróleo, uma parte das emissões geradas pela extração de óleo daqui fica na cota de outros países.

No entanto, a título de comparação e para se ter noção do efeito para o planeta, o volume de emissões geradas pelos novos campos equivaleria ao mesmo montante que o Brasil se comprometeu a cortar nos próximos seis anos para cumprir a sua meta no Acordo de Paris.

O Brasil emite hoje 2,3 GtCO2e e tem a meta de reduzir o volume a 1,2 GtCO2e em 2030. Na prática, seria como chegar a 2030 sendo responsável pela geração do mesmo volume de emissões de 2023, ainda que os gases não estejam no inventário do país porque foram “exportados” a outros.

Procurada, a ANP (Agência Nacional do Petróleo) destacou que órgãos ambientais se manifestam antes da inclusão das áreas no leilão e que o estudo da ONG, se encaminhado formalmente, será avaliado.

“A gente tem cobrado bastante coerência do governo”, afirma Nicole Oliveira, diretora-executiva do Arayara. “Por um lado, faz um discurso de desenvolvimento sustentável e fala da necessidade de uma transição energética, mas, no dia seguinte do final de COP28, oferta blocos de exploração de petróleo em novas fronteiras, que não precisariam estar sendo expandidas.”

A nova leva de campos para exploração será oferecida em 13 de dezembro pela ANP, dia seguinte ao encerramento da COP28, conferência da ONU sobre clima que acontece em Dubai (Emirados Árabes).

Nesta quarta-feira (6), o estudo, intitulado “Diagnóstico do Risco Socioambiental do 4º Ciclo da Oferta Permanente de concessão”, foi entregue por representantes do Arayara ao diretor-geral da ANP

“É um diálogo que foi retomado, porque há seis anos não éramos recebidos na ANP”, diz Oliveira.

Dos 955 blocos que estão na oferta permanente, o quarto ciclo oferece 602 blocos e 1 área de acumulação marginal, totalizando 63% dos blocos que podem ser leiloados. Por causa do expressivo volume, o Arayara está chamando o evento de “o leilão do fim do mundo”.

O levantamento da entidade identificou que 94,2% dos blocos ofertados têm ao menos um critério ambiental que exige atenção pelos padrões da própria ANP.

Há risco geológico em ao menos duas áreas. Um dos blocos fica há 2,4 km da mineração de sal-gema da Braskem em Maceió, área interditada que está cedendo e com risco de desabar. Na avaliação da entidade, está claro que não houve análise adequada, uma vez que os riscos naquela região são grandes.

Outros 11 blocos estão sobrepostos aos montes oceânicos da cadeia marinha de Fernando de Noronha, montanhas submarinas com até 3.000 metros de altura. Segundo a entidade, não houve a devida análise ambiental para incluir a área no leilão, mas a ANP diz que não há irregularidade.

Em 17 de novembro, a entidade entrou na Justiça de Pernambuco questionando o leilão da área. O processo foi remetido para o Rio Grande do Norte, e o juiz solicitou uma manifestação da ANP.

A entidade que aponta que a ameaça à estrutura do solo é muito maior neste leilão, considerando que 39% da oferta, que abrangem 234 blocos e 1 área de acumulação marginal, estão em áreas em que podem levar ao uso do fracking, técnica que utiliza fraturamento hidráulico para fazer a extração.

O processo pode gerar explosões e incêndios, afetar o lençol freático e levar a vazamentos de materiais tóxicos para o solo e a atmosfera.

O levantamento também contabilizou que 483 blocos, o equivalente a 80% da oferta, estão sobrepostos em alguma área prioritária para a conservação ambiental. São 366 km² de unidades de conservação em risco direto.

Um grupo de 11 blocos se sobrepõe aos manguezais da porção sul da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, unidade entre Rio Formoso, no litoral sul de Pernambuco, e Maceió.

Há 12 blocos que os pesquisadores apontam que podem afetar o Arquipélago de Abrolhos, por manterem uma conexão sistêmica com a área, e também junto a regiões icônicas da mata atlântica, como o Parque de Itaúnas, em Pernambuco, a Reserva Biológica de Comboios, no Espírito Santo, e a Reserva Extrativista de Cassurubá, na Bahia.

A licitação ocorre ainda em áreas sob influência do PAN Corais (Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Ambientes Coralinos), o pacto em favor da vida marinha na costa brasileira. O PAN Corais é aplicado em locais onde há risco a espécies de peixe e invertebrados.

A pesquisa da Arayara identificou que 94 blocos estão em áreas abrangidas pelo plano, com destaque para bacia de Pelotas, na costa gaúcha, onde 72 dos 165 blocos estão nessa condição. Ao todo, são 34,9 mil km2 de corais sob a abrangência do leilão.

O estudo também contabilizou o efeito sobre diferentes comunidades.

Há blocos no raio de influência de 23 terras indígenas, sendo que 22 estão no bioma amazônico. Também podem ser afetados cinco territórios quilombolas, cujas áreas estão nos limites de 12 blocos a serem leiloados. Segundo o Arayara, nenhuma dessas comunidades foi consultada.

“O que se percebem é que são vários tipos de impactos acontecendo ao mesmo tempo”, explica Vinicius Nora, gerente de Oceanos e Clima da Arayara.

“Na região Norte, na bacia do Amazonas, por exemplo, identificamos cinco sobrepostos, em unidades de conservação, terras indígenas, áreas prioritárias para conservação, áreas de fracking e impactos em espécies ameaçadas.”

NA JUSTIÇA

Nesta quarta, o Arayara também deu continuidade à ofensiva nos tribunais. Entrou com mais quatro ações civis públicas para pedir a retirada de 39 blocos que afetam unidades de conservação. Uma ação trata da bacia do Amazonas, uma da bacia do Paraná e outra das bacias de Sergipe, Alagoas e Potiguar. Mais uma ação foi protocolada em conjunto com duas comunidades quilombolas.

Na semana que vem serão outras duas ações, totalizando oito processos. “Vamos pedir a retirada de um total de 77 blocos, 13% do total, onde identificamos riscos jurídicos”, diz Oliveira.

“A gente espera que a Justiça entenda a questão, e também sensibilizar as empresas para que vejam o risco de investir numa área propensa a litígio.”

Para a Petrobras e especialistas no setor de óleo e gás, no entanto, a transição energética não exclui óleo e gás, e o Brasil precisa buscar alternativas para as reservas do pré-sal, que devem começar a decair em 15 anos. Caso contrário, passará a depender de importações, o que prejudicaria o seu desenvolvimento econômico.

OUTRO LADO

A ANP afirmou, por intermédio de sua assessoria, que recebeu integrante do Arayara nesta quarta. No entanto, disse que não houve a entrega das conclusões do estudo realizado pelo instituto.

“Quaisquer estudos encaminhados formalmente pelo Instituto Arayara serão analisados pela ANP”, destacou a nota.

Em relação às áreas que são oferecidas, a agência afirmou que segue resolução do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) sobre o tema. A norma do órgão estabelece que o planejamento de outorga das áreas leve em consideração as conclusões de estudos multidisciplinares de avaliações ambientais de bacias sedimentares, diz a ANP.

A mesma resolução prevê que, para as áreas cujos estudos ainda não tenham sido concluídos, as avaliações sobre possíveis restrições ambientais são sustentadas por manifestação conjunta do MME (Ministério de Minas e Energia) e do MMA (Ministério do Meio Ambiente).

A nota, no entanto, destaca que a aprovação de inclusão dos blocos pelos ministérios nas rodadas de licitações não significa aprovação tácita para o licenciamento ambiental.

“Todas as atividades que as concessionárias venham a executar nas áreas demandarão detalhado processo de licenciamento ambiental, o qual será conduzido pelo órgão ambiental competente.”

RISCOS DO LEILÃO EM NÚMEROS

2,4 km é a distância entre um do blocos e a mina de sal-gema da Braskem em Maceió, que corre risco de desabar

5 territórios quilombolas estão nos limites de 12 blocos. São eles:

  • Linharinho, São Domingos e São Jorge (ES)
  • Abobreiras (AL)
  • Córrego de Ubaranas (CE)

23 terras indígenas estão em área de Influência direta de 15 blocos (22 em AM e PA; 1 em SC)

80% da oferta (483 blocos) estão sobrepostas em alguma área prioritária para a conservação ambiental

39% dos campos (234 blocos e 1 área de acumulação marginal) estão em áreas de fracking, técnica que utiliza fraturamento hidráulico para fazer a extração

15,6% das áreas, envolvendo 94 blocos, estão sobe a influência do PAN Corais (Plano de Ação Nacional para Conservação de Ambientes Coralíneos) (Folha, 7/12/23)

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