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Açúcar: Acabou-se o que era doce

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Por Arnaldo Luiz Corrêa

O mercado futuro de açúcar em NY desmoronou no pregão desta sexta-feira, acumulando uma queda na semana de mais de 200 pontos sob os olhares atônitos dos incorrigíveis altistas e alguns nubívagos que acreditavam que o açúcar iria inexoravelmente em direção aos 30 centavos de dólar por libra-peso. Mas, como nos lembra a realidade, nem sempre os desejos dos “Cavaleiros do Apocalipse” de plantão ou das almas corajosas dos fundos especulativos, que esperavam ser, mas não foram, heróis de uma possível alta, se realizam. Cedo ou tarde, os fundamentos do mercado, esses sim os verdadeiros mestres do jogo, emergem triunfantes sobre os caprichos humanos. E assim, a conta finalmente chegou, e veio salgada.

Para se ter uma ideia da magnitude do tombo, o vencimento março/24 encerrou a 25.08 centavos de dólar por libra-peso, derretendo 47 dólares por tonelada no acumulado da semana que – ajustado pelo real – representou uma queda de 250 reais por tonelada. Os vencimentos correspondentes à safra 24/25, de maio/24 até março/25, recuaram em média de 19 a 38 dólares por tonelada e na média perderam 142 reais por tonelada.

O pessoal do pomposo grupo que atende pelo nome de “Inteligência de Mercado” deve estar se contorcendo na cadeira para entender “Por que esse mercado teimoso não segue minhas ordens?”. Pois é, o mercado é assim mesmo, teimoso que só…. Estava na cara que ia explodir para o infinito e além. O céu era o limite, mas agora por pura birra resolveu despencar mais de 200 pontos na semana.

Deixando as ironias de lado, estamos navegando em um mar de paradoxos raramente testemunhados nos mercados de commodities. Segundo os manuais sagrados desses mercados, sempre que há um entrave, seja ele qual for, na movimentação de uma mercadoria do ponto A para o ponto B, o ajuste tradicional dos livros das tradings acontece por meio da compra de spread, o que, em geral, eleva os preços no mercado futuro. Contudo, na prática, a situação não segue essa lógica simplista. A elevação dos preços no mercado futuro não ocorre na mesma proporção do basis. E por quê? Bem, para quem precisa do produto físico, comprar no mercado futuro é como tentar saciar a sede com uma miragem; simplesmente não resolve o problema real, pois o produto físico é o que realmente importa.

Então, quando enfrentamos restrições portuárias ou congestionamentos nos portos – situações que transformam estes locais em verdadeiros estacionamentos marítimos – ocorre um fenômeno interessante: o basis se fortalece. Isso significa que o comprador desesperado pelo produto físico, talvez imaginando seus armazéns vazios e a pressão por suprimento, está disposto a pagar um prêmio sobre o contrato futuro. O motivo? Evitar o pesadelo do desabastecimento. Basicamente, é pagar mais para ter a certeza de que o tão necessário produto chegará a tempo, evitando o caos que seria ficar sem ele. Em outras palavras, é um pequeno preço a pagar pela tranquilidade de ter o que precisa, quando precisa.

Em tese, para poder abocanhar esse prêmio pago pelo comprador, a trading pode ser mais agressiva e repassar esse bônus para o vendedor (as usinas). No entanto, do lado de cá, isso não ocorreu. As usinas não receberam um pontinho adicional sequer. O fato é que o excesso de produção de açúcar abarrotou os armazéns, estrangulou a logística e as usinas que não possuíam contratos comerciais com as tradings ou que se viram com sobra de açúcar produzido além do previsto para vender, tiveram que faze-lo com descontos acima de 200 pontos.

Para as usinas, vender açúcar com 200 pontos de desconto é muito melhor do que vender etanol cuja trajetória de preços é dependente do petróleo, que por sua vez não sai desse intervalo restrito de preços 75-80 dólares por barril e parece que não encontrou o chão ainda.

Em uma trama que parece ter sido cuidadosamente tecida ao longo dos últimos meses, cria-se um cenário quase teatral de escassez de produto. Essa manobra tem um objetivo claro: pressionar os compradores que se atrasaram em suas aquisições a finalmente abrirem suas carteiras. Para adicionar mais tempero a essa história, surge o quadro de estrangulamento no porto de Santos, um detalhe que convenientemente justifica o aumento do basis. Enquanto isso, as usinas, possivelmente sorrindo discretamente com a rentabilidade do açúcar, embarcam em projetos ambiciosos de novas fábricas ou expandem as já existentes. E o clima, como um ator coadjuvante nesse drama, colabora perfeitamente, permitindo que as usinas processem até o último pé de cana, numa corrida frenética para extrair o máximo de açúcar possível.

Lá fora, a Índia insiste que não vai exportar nem um quilinho de açúcar. Mas, enquanto isso as importações de Bangladesh de açúcar indiano nao oficial crescem. Há exatamente um mês no nosso comentário intitulado “Conversa de Passarinho”, que repito para aqueles que tinham coisas melhor para fazer, dissemos o seguinte: “Um passarinho muito bem informado com suas asas mergulhadas no mercado indiano de açúcar sussurrou no meu ouvido que poderíamos estar dando adeus aos dias de açúcar a preço de ouro em breve. Segundo ele, prepare-se para piscar e ver o preço descer para 25 centavos de dólar por libra-peso mais rápido do que se desenrola um tapete de boas-vindas. E não para por aí: segundo ele, as conversas do próximo Sugar Dinner em Londres vão ter um sabor um pouco mais amargo, com o preço possivelmente caindo para 23 centavos de dólar por libra-peso”. Que passarinho danado!! Acertou no alvo como um falcão.

Essas peças todas soltas não se encaixam perfeitamente. Por isso minha observação sobre o paradoxo. Temos situações normalmente consideradas altistas (consumidores descobertos, porto congestionado, Índia fora do mercado) com outras consideradas baixistas (produção extraordinária de cana, novas fabricas de açúcar, perspectiva de safra de cana igual para o próximo ano, etanol/petróleo sem força para reagir).

Os fundos não indexados reduziram sua posição para 166,000 contratos, pouco mais de 21,000. Como esse número refere-se à terça-feira passada é evidente que dada o desempenho do mercado nesta sexta-feira eles tenham reduzido ainda mais (um experiente corretor de NY, estima entre 40,000-50,000 lotes). No entanto, eles ainda estão bem comprados. Ou seja, terá o mercado alcançado o preço de gatilho que os demais fundos possam resolver detonar NY ainda mais?

O mercado só não cedeu mais porque muitos consumidores industrias tinham ordens GTC sigla para “Good Till Cancelled” (Boa Até Cancelar, em português), comumente usadas com o objetivo de aproveitar movimentos de preços específicos ao longo do tempo. O mercado interno de açúcar vai ser o próximo a reagir de maneira dramática, afinal de contas, uma queda em NY de 250 reais por tonelada numa semana é de deixar qualquer trader com o coração na mão, na falta de outro órgão.

A partir de segunda prepare-se para uma enxurrada de comerciantes caçando um bid (oferta de compra) para seus açúcares. Mas, atenção: pode ser que essa derrocada seja apenas uma tempestade passageira que vai limpar o céu e em pouco tempo direcionar o mercado para o glorioso nível que ele pertence. Só vai precisar encontrar um comprador com bolso bem fundo para essa empreitada ou uma reviravolta nos fundamentos que nos foge à imaginação neste momento (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting, 1/12/23)

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