Queda do desmate na Amazônia será argumento para obter dinheiro de nações ricas e liderar grupo de países florestais, mas hesitação sobre exploração petrolífera atrai desconfiança.
O Brasil chega àCúpula do Clima das Nações Unidas (COP-28) em Dubai com o objetivo de ganhar protagonismo na agenda ambiental, em um ano simbólico na piora do aquecimento global. Segundo a ONU, já é possível dizer que 2023 foi o ano mais quente já registrado – pelo menos até agora. O planeta assistiu nos últimos meses a uma série de eventos climáticos extremos – como incêndios na Europa e no Havaí, ciclones no Sul e seca recorde no Amazonas -, agravados pelo El Niño.
O governo federal defenderá metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases estufa e irá atrás de dinheiro para proteção florestal. As últimas conferências climáticas acumularam tentativas frustradas de ampliar a ajuda financeira das nações desenvolvidas a países pobres, mas o anúncio de um acordo seguido de doações para um fundo de desastres ambientais, anunciado nessa quinta-feira, 30, renovou esperanças para este ano.
Além disso, a delegação brasileira levará números positivos no combate ao desmatamento da Amazônia e um plano com foco na economia verde. Isso somado ao esforço de mostrar o compromisso sustentável do nosso agronegócio, um dos principais motores do nosso PIB.
Por outro lado, a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá de driblar questionamentos sobre os planos de explorar petróleo na Margem Equatorial da Foz do Amazonas e a crescente pressão sobre o Cerrado, onde o governo não tem conseguido frear o desmate.
Veja quais devem ser as principais estratégias, argumentos e gargalos para o Brasil nesta COP:
Missão 1,5º C
O Acordo de Paris, de 2015, prevê manter a alta da temperatura média global abaixo de 2ºC (preferencialmente até 1,5ºC) ante os níveis pré-industriais. Para isso, os países signatários assumiram metas de reduzir emissões de gases de efeito estufa.
Nesta COP, será apresentado o Balanço Global do Acordo para mostrar o que foi feito e preparar o cenário para a COP-30, que será realizada em 2025 em Belém, quando os governos deverão apresentar novas metas.
O Brasil vai defender metas mais ousados, de modo a não superar o teto de 1,5ºC. “O Acordo de Paris não está dando conta da tarefa” disse ao Estadão a secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni. “O Brasil chega de cabeça em pé. Se vamos liderar pelo exemplo, temos mais moral para cobrar dos outros.”
Fundo de proteção florestal
Uma das principais apostas da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é propor um novo modelo de financiamento global para quem preservar suas florestas. A proposta é que os países florestais sejam pagos por hectare de bioma preservado e pode beneficiar 80 nações com florestas, como Brasil, Colômbia, Indonésia e Congo. A ideia é que seja diferente do Fundo Amazônia e seja gerido por uma instituição financeira multilateral.
Os países ricos têm resistido a ampliar mecanismos de repasses de verbas a nações pobres, tema que emperrou as negociações nos últimos encontros. Na abertura desta cúpula, porém, houve uma sinalização positiva.
Um grupo de nações ricas anunciou nesta quarta, 30, a destinação de mais de US$ 400 milhões (quase R$ 2 bilhões) para colocar em operação o fundo climático de perdas e danos, que vai financiar medidas de adaptação dos países mais pobres ao aquecimento global. O consenso logo na largada é “inédito na história das COPs”, segundo o negociador-chefe do Itamaraty, o embaixador André Corrêa do Lago.
Desmate cai na Amazônia, mas fogo preocupa
A taxa de desmatamento da Amazônia teve queda de 22% em um ano, após uma período de escalada da devastação da floresta na gestão Jair Bolsonaro (PL). Para especialistas, a retomada do plano de combate aos crimes ambientais adotado na 1.ª gestão Lula e o aumento da fiscalização ajudaram nesse resultado.
Daqui para frente, porém, o desafio é bem mais complexo. Será preciso enfrentar uma rede de crimes ambientais em que já foram mapeadas 22 facções criminosas, entre elas o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho.
Além disso, a estiagem histórica seguida por um número recorde de incêndios no Amazonas expõe falhas no planejamento do governo na resposta aos eventos climáticos extremos. A própria gestão Lula admitiu que o número de brigadistas era insuficiente para dar conta do problema, agravado pelo El Niño, cujos efeitos graves eram alertados pelos cientistas desde o começo do ano.
Não é só floresta
Mas não é só a Amazônia que demanda atenção. O avanço da destruição no Cerrado, por exemplo, ameaça o equilíbrio hidrológico do País e a sustentabilidade do agronegócio, o principal motor da economia na última década.
“Não dá para deixar só a Amazônia cumprir meta em nome do Brasil”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, voltada para a ação climática. O Cerrado é essencial para o equilíbrio hidrológico e para a agropecuária, que tem na região alguns dos seus principais negócios, como gado e soja.
Na Amazônia, quase toda a destruição é ilegal e grande parte se concentra em áreas federais, como reservas indígenas e unidades de conservação. Já no Cerrado, há significativa perda em propriedade privadas e com aval de autoridades locais, o que torna a estratégia antidesmate mais complexa.
O avanço dos desequilíbrios ambientais também evidencia a fragilidade de outros biomas. O Pantanal, por exemplo, ainda se recupera do número recorde de queimadas em 2020 e viu, em novembro, uma onda de incêndios que voltou a destruir refúgios de onças-pintadas.
Após apresentar planos de combate ao desmatamento para a Amazônia e o Cerrado, o governo promete documentos similares para a Mata Atlântica, o Pantanal e os Pampas até o 1º semestre do ano que vem.
Exploração de petróleo
A oscilação de Lula sobre os planos de explorar petróleo na Margem Equatorial do Amazonas põe em risco suas pretensões de se firmar como uma liderança climática. O projeto divide o governo internamente. A área ambiental resiste em conceder licenças para que a Petrobras pesquise petróleo na região. Já a pasta de Minas e Energia defende fazer o estudo com o propósito de extrair o recurso. Em falas recentes, o presidente minimiza a controvérsia.
“É uma exploração a 575 quilômetros à margem do (Rio) Amazonas. Não é uma coisa que está vizinha do Amazonas”, afirmou o petista, em setembro. A Margem Equatorial não está na floresta, mas se estende por mais de 2,2 quilômetros quilômetros de litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte. Naquela região, a Guiana também espera lucrar com a exploração de petróleo.
Na Cúpula de Belém, em junho, o governo recursou a proposta do presidente colombiano, Gustavo Petro, de incluir no documento assinado pelas nações amazônicas o compromisso de não abrir novas frentes de exploração de combustíveis fósseis na região.
“É uma posição importante que o Brasil terá de encarar, porque ninguém é líder global da agenda, ou se coloca como guardião do 1,5ºC falando só de desmatamento. É preciso posição firme para o mundo inteiro e dar exemplo em casa” , afirma o secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.
Plano de transição ecológica
Capitaneado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Plano de Transição Ecológica, que pretende impulsionar o Brasil na disputa por espaços na economia verde. Haverá seis eixos: finanças sustentáveis, economia circular, adensamento tecnológico, bioeconomia, transição energética e adaptação à mudança do clima.
Entre outros pontos, a proposta de Haddad é criar linhas de crédito voltada para o desenvolvimento de alternativas sustentáveis e a criação de um mercado regulado de carbono. O plano será apresentado nesta sexta-feira, 1º, durante a Conferência do Clima.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação também vai lançar cinco editais do programa Mais Inovação Brasil, em um total de R$ 20,85 bilhões, com foco nas áreas do plano de Haddad (Estadão, 1/12/23)