Ideia seguiria os moldes do Fundo Amazônia, diz o embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil na cúpula.
O governo brasileiro vai levar à cúpula do clima COP28 uma proposta de criação de um fundo internacional para conservação de florestas tropicais no mundo todo, em um modelo semelhante ao Fundo Amazônia, disse à Reuters nesta quinta-feira (23) o embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil na cúpula.
“É uma proposta conceitual com vistas a criar um fundo que favoreça a conservação de florestas tropicais em todo o mundo. São florestas em 80 países”, disse o embaixador.
A proposta brasileira, preparada pelos ministérios da Fazenda, Meio Ambiente e Relações Exteriores, foi apresentada aos países da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) pela ministra Marina Silva, nesta quinta, como uma ideia inicial, ainda não desenhada totalmente.
De acordo com Corrêa do Lago, a proposta será uma espécie de “Fundo Amazônia internacional”, para captar recursos de fundos soberanos de diferentes países para preservar florestas.
“É uma proposta que vai ser apresentada em um side event [evento paralelo] na COP e ainda vai ser aperfeiçoada. Mas vai ser uma proposta “bottom up” [de baixo para cima]. São os países com florestas tropicais que contribuirão para aperfeiçoar essa proposta, para que ela se transforme realmente em uma iniciativa formal”, explicou.
Criado no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PR), em 2008, o Fundo Amazônia capta doações internacionais para financiar ações de preservação da Amazônia, como atividades de desenvolvimentos sustentável na região.
Inicialmente com aportes da Noruega e da Alemanha, o fundo vem recebendo promessas de novos aportes desde que Lula voltou ao governo este ano. Em outubro, foram alocados R$ 30 milhões da Suíça e R$ 15 milhões de uma doação inicial dos Estados Unidos, levando o total a R$ 3,4 bilhões.
Outros dois fundos internacionais já foram criados com propósitos ambientais, um para a proteção da biodiversidade e outro para indenizar nações atingidas pela destruição causada pela mudança climática, além da promessa de países ricos de disponibilizarem US$ 100 bilhões anualmente em financiamento climático para nações pobres e em desenvolvimento.
Não há ainda uma estimativa da quantidade de recursos que o novo fundo pode captar, mas, na avaliação do embaixador, poderá ser “muito dinheiro”, direcionado a um objetivo que hoje tem pouco financiamento, que é a não derrubada de florestas.
A ideia é o pagamento pela manutenção da floresta, o que não se encaixa nos atuais conceitos de mercado de carbono. Mais do que o sequestro de carbono, a ideia é principalmente prevenir novas emissões.
O embaixador disse que a conservação das florestas não tem “adicionalidade” —ou seja, não dão créditos de carbono e, por isso, precisa de outro tipo de financiamento. Nesse caso, em vez de unidades de sequestro de carbono, o cálculo será por hectares de floresta preservada.
“O Brasil considera que conservação de floresta é extremamente importante. Só que como conservação de floresta não pode dar crédito de carbono, a conservação de floresta tem que ter outro tipo de financiamento, como por exemplo o Fundo Amazônia”, afirmou. “Isso para nós é simplesmente central.”
Durante a COP28, o governo também vai apresentar uma série de propostas para conservação e recuperação de florestas e terras degradadas. Um dos programas pretende financiar produtores para que transformem pastagens degradadas em lavouras com uso de agricultura sustentável.
Outra frente será apresentar projetos brasileiros para recuperação de de áreas desmatadas em terras públicas, unidades de conservação e terras indígenas, em projetos de recuperação natural, concessões e projetos agroflorestais.
O Brasil levará para a COP28 um programa também para recuperar áreas cultiváveis deterioradas e improdutivas, disse à imprensa Roberto Perosa, secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária.
“Nós realizamos um estudo e detectamos cerca de 160 milhões de hectares em áreas de pastagens. Desses, cerca 40 milhões estão em áreas de pastagens degradadas, com alta aptidão para a agricultura”, afirmou.
Em dez anos, o governo pretende investir US$ 120 bilhões (R$ 587 bilhões, na cotação atual) e expandir a área agrícola brasileira de 65 milhões para 105 milhões de hectares, sem desmatar.
“Nós vamos fazer a expansão sem derrubar nenhuma árvore. São áreas antropizadas [alteradas pela ação humana], mas com um determinado nível de degradação por conta de gestões não otimizadas pelos produtores rurais”, explicou Perosa.
Segundo o secretário, atualmente, a iniciativa privada recupera cerca de 1,5 milhão de hectares todo ano. O governo pretende acelerar a restauração dessas áreas por meio de financiamento do BNDES, do Fundo Soberano Brasileiro e do Banco do Brasil.
1,5˚C
Outra posição forte que o governo brasileiro irá levar à COP28 é a defesa de que o aumento da temperatura da terra não pode passar de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, uma meta que já é vista com ceticismo por diversas entidades.
Corrêa do Lago afirmou que para o Brasil essa é uma posição essencial porque, acima disso, o risco de “pontos de não retorno” nas mudanças climáticas são altíssimos e afetam diretamente a Amazônia —e, com isso, o mundo todo.
“Ainda é possível [ficar em 1,5°C]. Por mais que as chances a cada ano possam estar diminuindo, o que nós sabemos hoje é que passar de 1,5°C vai ser um desastre, então nós temos que insistir”, afirmou. “Se você tiver o ‘tipping point’ [ponto de não retorno] na Amazônia, vai ter um impacto sobre a agricultura brasileira que é absolutamente gigantesco, vai ter um impacto sobre o modo de vida da população da maior parte do Brasil. Então nós temos que fazer tudo para evitar os ‘tipping points’.”
Estudos mostram que um aumento da temperatura na Terra, conjugado com o desmatamento na região, podem transformar a maior floresta tropical do mundo em um cerrado, o que afetaria a temperatura, o regime de chuvas e toda a agricultura do país e influenciaria boa parte do mundo.
A comitiva brasileira para a COP28, chefiada por Lula, partirá para Dubai na noite de 28 de outubro. Pelo menos dez ministros devem acompanhar Lula, além dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) (Folha, 24/11/23)