Recorde foi registrado na última sexta-feira (17), segundo observatório europeu.
Pela primeira vez, a variação da temperatura média global ficou acima de 2°C na comparação com os níveis registrados antes da Revolução Industrial (1850-1900), considerada o marco a partir do qual as emissões de carbono pelas atividades humanas começam a escalar.
A marca foi ultrapassada na última sexta-feira (17), quando a variação de temperatura (ou anomalia de temperatura, no jargão científico) ficou 2,07°C acima da média pré-industrial. Os dados são do observatório europeu Copernicus e foram divulgados nesta segunda-feira (20).
Números preliminares mostram que a temperatura se manteve alta no sábado (18), quando ficou 2,06°C acima da média do período.
Para definir o número, os cientistas primeiro calculam qual a média de temperatura no período pré-industrial (1850-1900). Em seguida, verificam quanto a temperatura atual variou em relação a essa média.
O índice recordista foi registrado no mesmo dia em que termômetros ao redor do Brasil superaram os 40°C —como no Rio de Janeiro (RJ), onde uma fã morreu durante o show da cantora Taylor Swift, organizado pela produtora T4F, após a sensação térmica no local ter batido 60°C.
A variação da temperatura diária mundial ter superado os 2°C acima da era pré-industrial é algo simbólico por causa do Acordo de Paris.
O tratado tem como objetivo manter o aumento da temperatura média global “bem abaixo dos 2°C acima dos níveis pré-industriais e buscar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C”. A medida é necessária para reduzir significativamente os riscos e impactos das mudanças climáticas.
No entanto, é importante esclarecer que os registros feitos pelo Copernicus não significam que o trato já tenha sido quebrado. Para que seja considerado que o mundo está 2°C mais quente, é preciso que índices como esse sejam registrados de modo frequente.
Mas o recorde serve de alerta para o quão próximo o planeta está de atingir os limites acordados internacionalmente: quanto mais perto de ultrapassar a marca definida pelo Acordo de Paris, mais recorrentes devem ser os dias, meses e anos com anomalias de temperatura que ultrapassam os limites de 1,5°C e 2°C em relação aos níveis pré-industriais.
Cientistas do Copernicus ressaltam também que o recorde estabelecido na sexta representa o que é até hoje a maior variação na anomalia da temperatura (ou seja, o maior afastamento da média estimada para o período pré-industrial), e não a temperatura absoluta global mais elevada.
As marcas de dia e mês mais quentes já registrados ainda pertencem a julho deste ano, devido ao calor extremo registrado durante o verão do hemisfério Norte.
Isso porque este mês de novembro está sendo anormalmente quente, mesmo sendo uma época do ano em que normalmente as médias globais são bem mais baixas.
Os termômetros globais são puxados pela grande variação térmica registrada no norte do planeta.
“As temperaturas globais atingem o seu máximo anual entre os meses de julho e agosto, que são os meses mais quentes do verão do hemisfério Norte”, explica o climatologista Alexandre Araújo Costa, professor da UECE (Universidade Estadual do Ceará).
“Isso acontece porque o hemisfério Norte tem muito mais [área de] continente do que o hemisfério Sul. E os continentes tanto aquecem como resfriam mais rápido do que os oceanos”, continua o pesquisador.
Assim, os índices diários de temperatura saltam quando os lugares que são mais frios no restante do ano esquentam. Mas em novembro as temperaturas globais são mais baixas, então mesmo uma grande variação acima da média não é o suficiente para bater os números de julho.
“Isso faz com que mesmo tendo a anomalia de temperatura sido recorde —o que é muito preocupante— não tenhamos registrado o dia mais quente do ano na sexta.”
De acordo com dados do Copernicus, o recorde de 6 de julho, a temperatura absoluta global chegou a 17.08°C; na última sexta-feira, o índice foi de 14.46ºC.
Costa diz que uma explicação possível para que uma variação tão grande de temperatura tenha sido registrada em novembro é a ocorrência do El Niño, que trouxe uma nova onda de calor para a maior parte do Brasil na última semana.
Ele chama atenção para o número de desastres que o fenômeno já vem intensificando no país, desde chuvas catastróficas no Rio Grande do Sul à seca histórica na Amazônia.
“Essas oscilações relacionadas à variabilidade natural são algo que não vai desaparecer”, afirma, apontando que o futuro deve ser ainda mais quente e, portanto, esses fenômenos devem se intensificar. “2023 está dando uma amostra do que vai ser o aquecimento global que está vindo.”
“Os recordes de temperatura global estão sendo quebrados com uma regularidade alarmante”, afirma Carlo Buontempo, diretor do Serviço de Mudanças Climáticas do Copernicus.
“Ainda que a quebra dos limites de 1,5°C e 2°C fosse esperada —devido ao aquecimento generalizado e à variabilidade climática—, ela tem um impacto chocante. Com a COP28 a apenas dez dias de distância, é crucial entender o que esses números significam para o nosso futuro coletivo”, diz Buontempo.
A COP28 é a cúpula do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que acontece entre 30 de novembro e 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes. Nela, os líderes mundiais devem discutir os caminhos a serem seguidos para cortar emissões de carbono —enquanto, atualmente, elas sobem a cada ano.
“Não perdemos o jogo ainda, mas temos que jogar e jogar sério. Precisamos urgentemente zerar o desmatamento, encerrar de vez a era dos combustíveis fósseis –e fazer as inflexões na nossa sociedade que permitam que isso aconteça”, diz o climatologista da UECE.
Um estudo recente aponta que, segundo planos governamentais atuais, os países devem produzir 110% mais petróleo, gás e carvão no final da década do que seria necessário para limitar o aquecimento global a 1,5°C e 69% mais do que seria consistente com um planeta 2°C mais quente (Folha, 21/11/23)