Por Caroline Rocha
Até julho deste ano, setor agrícola do país importou 88% do insumo utilizado.
Até julho de 2023, foram entregues ao mercado brasileiro mais de 23 milhões de toneladas de fertilizantes intermediários e complexos NPK, que contêm nitrogênio, fósforo e potássio, de acordo com a Associação Nacional de Difusão de Adubos (Anda). O número já ultrapassa a quantidade integral de 2022.
Também nos sete primeiros meses do ano, do total de fertilizantes utilizados no setor agrícola brasileiro, 88% foi importado.
Diante desse quadro, a discussão que ganhou visibilidade recentemente gira em torno do potencial brasileiro para a produção de hidrogênio verde, a nova aposta internacional para a descarbonização —que pode ter impacto na produção nacional de fertilizantes.
O hidrogênio dito verde é obtido por meio do processo de eletrólise da água, no qual hidrogênio e oxigênio são separados utilizando energia elétrica advinda de fontes consideradas limpas, como a solar e a eólica.
“A gente já utiliza o hidrogênio na indústria de fertilizantes. Só que é um hidrogênio de origem fóssil, porque ele vem a partir da reforma a vapor do gás natural. Quando o hidrogênio é produzido a partir do gás natural, para cada tonelada ele emite quase o dobro de dióxido de carbono“, explica Natasha Esteves, doutoranda em engenharia elétrica e membro do Laboratório de Energias Alternativas (LEA) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
De acordo com a pesquisadora, o hidrogênio verde tem sido pautado no mercado global por suas inúmeras possibilidades de utilização, que envolvem, por exemplo, o uso como combustível gerado a partir de fontes de energias renováveis. Na indústria de fertilizantes, o hidrogênio pode gerar a amônia, base para a produção de nitrogenados.
O Brasil tem sido apontado em estudos de consultorias internacionais, como McKinsey e Bloomberg, como uma aposta para a produção de hidrogênio verde em decorrência de suas condições geográficas privilegiadas, em especial no Nordeste, com forte incidência solar e eólica.
As iniciativas ainda começam a tomar forma. Há investimentos anunciados nos estados do Amazonas, Bahia, Ceará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e toda a região Sudeste.
No Ceará, Rio de Janeiro e Pernambuco, hubs focados na produção de hidrogênio verde já contam com acordos de entendimento, que funcionam como contratos de intenção, assinados com empresas interessadas em participar da cadeia do composto no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, na região metropolitana de Fortaleza; no Porto de Açu, no norte do Rio de Janeiro; e no Complexo Industrial Portuário de Suape, na região metropolitana do Recife. Entre as empresas interessadas, figuram a portuguesa EDP, a australiana Fortescue Future Industries, a norte-americana AES e a francesa Qair, além de grupos nacionais como Vale e White Martins.
Foi no Ceará que ocorreu, em janeiro deste ano, a produção da primeira molécula de hidrogênio verde da América Latina, realizada pela EDP. A planta da empresa, em projeto piloto, conta com uma usina solar com capacidade de 3 megawatts pico (MWp).
De acordo com as projeções do CEO da EDP Brasil, João Marques da Cruz, o principal consumo do hidrogênio sustentável gerado pela empresa deverá se concentrar nas regiões em torno da área produtora. Entretanto, há interesse na exportação: “Para o futuro, devemos estimular e criar estrutura para que o Brasil seja um grande exportador, mas esse cenário ainda precisa ser construído e testado”.
Para Maurício Lopes, pesquisador da Embrapa Agroenergia, embora o investimento em hidrogênio verde com foco na descarbonização da matriz energética possa vir a ser uma solução para outras regiões do mundo, essa pode não ser a melhor estratégia para a realidade brasileira.
“Grande parte das nossas alternativas energéticas, inclusive para transporte urbano, de carga, já são descarbonizadas porque o Brasil usa muita hidroeletricidade e nós usamos muitos biocombustíveis. Então, o Brasil já tem uma solução bem interessante para a descarbonização do seu sistema de transporte”, explica o pesquisador.
Segundo Lopes, o Brasil precisa priorizar a própria realidade ao pensar no direcionamento dos investimentos em hidrogênio verde. “A pergunta é: nós não deveríamos, como brasileiros, pensar primeiro em utilizar essa fonte tão nobre para descarbonizar ainda mais os nossos processos e fortalecer ainda mais a nossa agenda voltada para a descarbonização de vários setores, principalmente do setor de fertilizantes, levando em conta o tamanho e a importância da agricultura brasileira?”, questiona.
É no potencial de produção de amônia verde que o hidrogênio sustentável pode se relacionar de forma direta com o fortalecimento da indústria nacional de fertilizantes.
Isso se dá pelo fato da amônia verde —produzida a partir do hidrogênio sustentável— poder ser utilizada para a produção de fertilizantes nitrogenados no lugar do gás natural, que, historicamente, tem altos custos de produção no Brasil.
É o que explica Bernardo Silva, diretor-executivo do Sindicato Nacional das Indústrias de Matérias-Primas para Fertilizantes (Sinprifert). “Hoje o Brasil só produz [fertilizantes] nitrogenados usando gás natural, que é muito caro no país. A gente paga às vezes quatro vezes mais do que seria o ideal para viabilizar projetos de nitrogenados no país. Esse é o principal entrave.”
De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), em seu estudo “Hidrogênio sustentável – perspectivas e potencial para a indústria brasileira”, a produção de amônia e fertilizantes verdes em localidades próximas ao agronegócio oferece uma oportunidade viável e competitiva de exploração do hidrogênio verde em um curto prazo para o Brasil.
De acordo com a dissertação de mestrado de Natasha Esteves, “uma pequena área é capaz de produzir os fertilizantes necessários para suprir uma demanda interna e ainda exportar para os países vizinhos.”
Algumas iniciativas focadas nessa produção já estão em desenvolvimento no país. A empresa Atlas Agro iniciou neste ano a instalação de uma fábrica de fertilizantes nitrogenados produzidos a partir da amônia verde em Uberaba (MG), com orçamento aproximado de R$ 4,3 bilhões. De acordo com a companhia, o foco é produzir fertilizantes visando exclusivamente o mercado interno.
Dificuldades logísticas, que envolvem transporte, armazenamento e altos custos de produção, além do estabelecimento de uma legislação para o novo mercado, ainda precisam ser superados.
De acordo com o diretor-executivo do Sinprifert, Bernardo Silva, um problema é a falta de estabilidade que o Brasil oferece ao negócio, que requer investimentos com foco em longos prazos. “A questão do custo do Brasil é um entrave. Você tem a tributação, custos trabalhistas, custos logísticos muito altos, incertezas regulatórias… E você não sabe se, mesmo cumprindo todas as regras, terá seu projeto aprovado”, explica (Folha, 31/10/23)