Por Arnaldo Luiz Corrêa
Se você está lendo esse comentário e não é um holograma é porque sobreviveu ao Sugar Week de São Paulo. A semana muito proveitosa com uma enxurrada de eventos trazendo informações de qualidade ao setor e o reencontro de velhos amigos e companheiros, no Jantar de Gala promovido pelo Sugar Club, depois de quatro anos de reclusão pandêmica. Coquetéis bastante animados pelos preços altos do açúcar e pela oferta significativa de álcool nas taças e copos nos salões.
Todo mundo – com exceção desse escriba e alguns gatos pingados – altista elevado ao cubo. Todos pareciam mais animados do que criança em loja de doces — ou melhor, traders em mercado de alta. Se a meta – ainda não alcançada – de 30 centavos de dólar por libra-peso era até então uma quimera, agora a conversa séria gira em torno de 32 centavos de dólar por libra-peso. Será que o açúcar é o novo Bitcoin? Ao infinito e além. Um experiente trader do mercado me provocou dizendo que o meu Santos vai cair antes do açúcar em NY. Sai zica!!!
Para quem iniciou a carreira no mercado de commodities em 1975 trabalhando na então maior exportadora de café do Brasil chamada Anderson Clayton e já passou por várias empresas do agronegócio e se deparou com uma gama de distintas situações de mercado, convém usar a experiência adquirida ao longo desses anos para não cair nas armadilhas de outrora.
Trabalhei numa empresa de acionistas espanhóis tão sábios que fariam um Bispo parecer um coroinha. Eles costumavam citar um ditado popular de língua espanhola que resumia a máxima de que as pessoas de idade têm muito a ensinar e transmitir, pela vivência e experiência: “Mais sabe o diabo por ser velho que por ser diabo”, diziam eles.
Recordar situações semelhantes como a que vivemos atualmente, com todo mundo olhando pra uma direção, funciona como um antídoto ao ambiente festivo que, confesso, deixa-me preocupado. Não se trata de fechar os olhos, mas de analisar o mercado com o devido cuidado que ele merece. Já estive em arenas onde todo mundo tinha olhos apenas para os touros, mas no fim, foi o mercado que deu uma chifrada em todo mundo. E também já presenciei o contrário: todos torcendo para que os ursos hibernassem, só para descobrir que eles estavam mais acordados do que um estudante durante a semana de provas. Em ambas as ocasiões, havia – como agora – sólidos e inquestionáveis fundamentos que corroboravam com a crença acerca da trajetória de preços.
Em um mundo em que todos olham em uma única direção, às vezes é saudável ser o rebelde que olha para o outro lado. Não porque sou do contra, mas porque aprendi que quando a maré está alta demais, é melhor se preocupar com a ressaca que pode estar a caminho. Como ninguém tem certeza do amanhã, temos que nos agarrar ao que é sólido e concreto e não deixar escapar oportunidades de travar boas rentabilidades ao acionista. Deixemos os 30 centavos e além para os nefelibatas e concentremo-nos em quanto eu trago para o acionista.
O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a sexta-feira cotado a 27.37 centavos de dólar por libra-peso para o vencimento março/24, um acréscimo de 52 pontos acumulados ao longo da semana, equivalentes a 11.46 dólares por tonelada. NY chegou a bater 28 centavos de dólar por libra-peso, o maior preço desde 19 de outubro de 2011. O real se valorizou em relação ao dólar no acumulado da semana em cerca de 0.3%, encerrando a sexta-feira próximo de R$ 5,0160 por dólar, após bater a mínima de R$ 4,9310.
O açúcar de NY convertido em reais por tonelada e aplicado o NDF (contrato a termo de dólar com liquidação financeira) para cálculo da curva futura apreciou em média 30 reais por tonelada para a safra 24/25 e praticamente zero para a safra 25/26.
O preço médio apurado de NY em reais por tonelada e corrigido pelo IPCA neste ano atinge R$ 2,811 por tonelada e o maior, R$ 3,206. Com base no fechamento do câmbio desta sexta-feira, isso equivale a NY a 24.40 e 27.82 centavos de dólar por libra-peso, respectivamente. Lembrando que os dados se referem sempre ao primeiro mês negociado em NY e, portanto, não significa que eles possam ser exequíveis para vencimentos mais longos, em especial quando sabemos que a curva é invertida.
Uma usina que queira fixar seus açúcares para a safra 24/25 num percentual igual para cada mês de vencimento, obteria hoje um valor presente líquido de R$ 2,842. Nada mal, pois esse preço é superior em 94.3% de todos os preços de NY corrigidos e apurados desde o início desse século.
Os fundos especulativos reduziram sua posição comprada em 9,000 lotes. Pela posição de terça-feira passada eles estavam ainda comprados 178,000 contratos. O mercado precisa da agressividade compradora dos fundos para poder chegar aos 30 centavos de dólar por libra-peso. Vamos aguardar os próximos capítulos.
Adoro a ironia dos mercados e suas paradoxais certezas! Entre um gole de uísque e outro — porque, claro, todo bom debate sobre o mercado durante um coquetel requer um copo de algo forte — é fascinante observar como somos seletivos com nossa “precisão”.
Aqui estamos nós, no maior polo de produção de cana-de-açúcar do Brasil, coçando nossas cabeças sobre os 15% restantes da moagem de cana do Centro-Sul. É como ser um chef de cozinha que não tem certeza quanto de sal vai na própria receita. Mas, vejam vocês, quando se trata da Índia e da safra de 23/24, de repente viramos Nostradamus com uma calculadora, prevendo números com uma precisão que faria um relojoeiro suíço se sentir inseguro.
Esse tipo de incongruência serve como um lembrete de que, às vezes, a confiança que depositamos em certas previsões pode ser tão infundada quanto acreditar que a dieta após o Sugar Week começa na segunda-feira. Não me entendam mal, dados são cruciais. Mas vamos lembrar de ter um pouco de humildade epistemológica, especialmente quando ainda estamos tentando acertar os números do quintal de casa.
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Queria parabenizar ao Santos Neto Advogados/Kinea pela excelente palestra do economista Marco Freire. À Datagro pelo evento de altíssimo nível, batendo recordes de público. À Copersucar/Alvean, com louvor, por capitanear o coquetel mais disputado da semana e à SUCDEN pelo seu já tradicional almoço de encerramento da semana, na sexta-feira. Vida longa ao mercado. Que 2025 possamos fazer ainda melhor (Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting; 27/10/23)