Por Fernando Antônio Ribeiro Soares
É urgente que se crie regra de transição até a implementação completa de nosso mercado de carbono.
No dia 4 de outubro passado foi aprovado, na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal, em caráter terminativo, o Projeto de Lei (PL) 412, de 2022, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Antes de dar continuidade à minha análise, é importante frisar que o caráter terminativo implica, caso não haja recurso, sua aprovação pelo Senado Federal e seu envio imediato para avaliação da Câmara dos Deputados.
O propósito do PL, a instituição do SBCE, nada mais é que a regulamentação do mercado de carbono no Brasil, com regras tanto para os mercados regulado e voluntário como para as transferências internacionais. Por vários fatores que pretendo explorar neste artigo, chega-se facilmente à conclusão de que esta matéria legislativa é fundamental. Seja pela mitigação dos riscos ambientais, seja pela geração de oportunidades para nosso país.
Dos riscos às oportunidades
A emergência climática vem mobilizando o mundo. Não se trata, no momento, meramente de uma discussão técnica. Já passamos dessa fase. Claro que esta é uma preocupação difusa, não diretamente associável a um ou outro agente, mas os seus efeitos afetarão todos os agentes. Para tanto, basta observar os eventos climáticos extremos, que estão se tornando rotineiros.
Não bastassem a questão climática e seus efeitos sobre a sociedade, podemos também avaliar as questões negociais. A grande maioria dos governos está adotando políticas observando as questões climáticas. Da mesma forma, as empresas, em especial aquelas de maior porte e com ações transacionadas em bolsas de valores, também estão observando em suas negociações as questões das mudanças climáticas. Consequentemente, a adoção de padrões que não combatam esses problemas e suas consequências pode resultar numa expulsão de mercados ou, no mínimo, na perda de mercados.
Voltando a análise para o Brasil, nos combustíveis podemos avançar com o biodiesel e o álcool em suas diversas rotas. No que tange à energia elétrica, nossa matriz é eminentemente renovável (hidráulica, eólica e solar). Percebe-se que a nossa maior contribuição para a geração de Gases de Efeito Estufa (GEEs) está associada ao desflorestamento e ao uso do solo. No entanto, nossa maior fragilidade e fator gerador de nossos maiores riscos ambientais também pode ser uma fonte imensa de oportunidades.
Os investimentos na redução das emissões de GEEs derivadas do desflorestamento, a conservação de nosso estoque florestal, o manejo sustentável de florestas e mesmo o aumento do estoque de carbono a partir de florestas podem proporcionar uma importante ação de redução e remoção de GEEs pelo Brasil. E mais: o Brasil tem a possibilidade de compensar as emissões ocorridas em outros países. Mais especificamente, podemos enfrentar os problemas climáticos brasileiros e, ao mesmo tempo, atuar na resolução destes mesmos problemas em outros países. Como resultado, temos uma gigantesca oportunidade de negócio tendo em vista a nossa disponibilidade de recursos naturais, em especial florestas, para realizar o processo de descarbonização.
Mercado de carbono e o PL 412/2022
Tudo isso que estou falando está associado à constituição de um mercado de carbono. O primeiro passo é sua normatização, de forma a dar segurança regulatória e jurídica aos investidores. Consequentemente, uma boa regulamentação poderá se traduzir, no Brasil, em geração de investimentos, nacionais e estrangeiros, com reflexos positivos sobre o emprego e a renda. Proporciona, dessa forma, as oportunidades.
Um passo fundamental nesse sentido é a aprovação do PL 412. Será um marco nesta jornada. Contudo, apesar de sua importância, há motivos para preocupação em relação à conquista destas oportunidades. No artigo 50 do PL é apresentado o período transitório para implementação do SBCE. Esta implementação trazida pelo PL, caso seja feita sequencialmente, e não paralelamente, poderá superar a cinco anos.
Qual o problema? Podemos “perder o bonde da História”, inclusive com a perda de investimentos estrangeiros que podem ser destinados a outros países pela demora de entrada em vigor do nosso sistema de comércio de emissões de GEEs – o mercado de carbono em si.
Um sistema complexo como este é natural que tenha um período de instalação, bem como de aprendizado e transição. Mas, por outro lado, temos de criar mecanismos para defender nosso espaço neste importante mercado que surge na economia mundial. Assim, é urgente que se crie uma regra de transição até a implementação completa de nosso mercado de carbono. Caso contrário, milhares de dólares, euros e outras moedas a serem investidas para recuperar o meio ambiente brasileiro e mesmo de outros países, mas a partir do Brasil, que seriam acompanhados da geração de emprego e renda, podem migrar para outras economias. Em resumo, o risco que virou oportunidade não pode se transformar num desalento! (Fernando Antônio Ribeiro Soares é consultor da Barral, Parente, Pinheiro Advogados, professor convidado da Fundação Dom Cabral e professor colaborador do IDP; Estadão, 26/10/23)