Após votação expressiva, grupo articula para mandar recados ao governo federal e ao Supremo.
À espera do veto do presidente Lula (PT), parcial ou integral, ao projeto do marco temporal, a bancada ruralista já articula reação com duas PECs (Propostas de Emenda à Constituição) sobre o tema para tentar impor derrotas ao governo e ao STF (Supremo Tribunal Federal).
O grupo espera a posição da Presidência acerca do texto para, primeiro, analisar a possibilidade de derrubar os vetos e, depois, definir os ajustes a serem feitos nas duas propostas —uma na Câmara, a respeito de indenizações, e outra no Senado, que determina o marco.
O entendimento é que a derrubada dos vetos seria um recado para o Executivo e a aprovação das PECs, ao Supremo.
Ao mesmo tempo, tanto ambientalistas quanto integrantes do agro já se preparam para uma nova briga no Judiciário, diante da possibilidade de que aliados ao governo ou movimentos sociais entrem com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra o projeto aprovado pelo Congresso.
Auxiliares palacianos põem na balança qual das alternativas é melhor para evitar derrubada de eventuais vetos presidenciais, o que traria mais desgaste ao Planalto. No começo da semana, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) vai se reunir com líderes do governo para discutir o tema.
A reação da bancada ruralista se soma à de senadores e deputados de oposição contra movimentos recentes do Supremo em temas como aborto, descriminalização das drogas, imposto sindical e tese do marco temporal.
O movimento começou, como mostrou a Folha, pelo Senado, quando Rodrigo Pacheco (PSD-MG) apresentou uma PEC para proibir o porte de drogas, independentemente de quantidade ou substância —foi uma resposta ao STF, que tem um placar ainda parcial de 5 votos a 1 para afastar a criminalização do porte de maconha para consumo próprio.
O argumento é de que os ministros têm interferido na competência do Congresso de legislar.
E a intenção é reagir por meio de PECs pelo entendimento de que, uma vez que o STF deve seguir a Constituição, se ela for alterada, a corte deverá seguir o entendimento dado pelos congressistas.
Mais recentemente, após o Supremo decidir contra a tese do marco temporal, a bancada ruralista e a oposição da Câmara somaram forças publicamente contra a corte.
A insurreição causou, inclusive, a obstrução da pauta da Câmara dos Deputados na última semana.
Ao mesmo tempo, no Senado, o grupo aprovou o projeto de lei do marco temporal tanto na Comissão de Assuntos Econômicos como no plenário, tudo no mesmo dia, em poucas horas, e com uma série de discursos contra a posição do Supremo no tema.
O projeto na Câmara é, na verdade, muito mais amplo que apenas o marco temporal. Além de instituir a tese, defendida por ruralistas, também permite garimpo em terras indígenas, a construção de hidrelétricas nos territórios e flexibiliza o contato com povos isolados.
Pela Constituição, o governo tem 15 dias úteis para decidir sobre a proposta, que foi aprovada no Senado menos de uma semana após a tese ser derrubada pelo Supremo.
Portanto, a decisão sairá do Palácio da Alvorada, de onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai despachar por, ao menos, três semanas. Ele foi submetido a uma operação nesta sexta (29) devido a uma artrose no quadril.
Lula terá de arbitrar sobre tema que divide até mesmo integrantes do seu governo e aliados. Ainda que, conceitualmente, a maioria seja contrária ao marco, uma vez aprovada a proposta pelo Congresso, o petista terá de fazer um cálculo político.
O presidente, que deve vetar total ou parcialmente a proposta, provavelmente ouvirá conselheiros e receberá pareceres de pastas envolvidas no tema. A pauta é amplamente criticada por ministras como Marina Silva (Meio Ambiente) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas), mas tem apoio, mesmo que parcial, de Carlos Fávaro (Agricultura).
Do lado técnico, o Planalto aguarda o Congresso mandar os chamados autógrafos do projeto, ou seja, aguarda que o Senado remeta o texto oficialmente ao Executivo. Quando isso ocorrer, dá prazo de dez dias para ministérios envolvidos se manifestarem.
Depois, a assessoria jurídica do Planalto faz sua análise, leva o tema a Rui Costa (Casa Civil) e, por fim, a Lula.
Na visão da bancada ruralista, os pontos mais importantes do projeto, e que devem causar maior reação caso vetados, são o próprio marco e também o dispositivo que impede a ampliação dos territórios.
O grupo diz acreditar ter apoio necessário para derrubar as decisões de Lula, se necessário. Mesmo que o façam, devem seguir com as PECs, como forma de mandar o recado ao Supremo.
O placar da votação do projeto do marco no Senado é especialmente importante para os ruralistas: 43 a 21, diferença próxima à necessária para a aprovação de uma PEC —que precisa de 3/5 de apoio, ou 49 votos, para avançar na Casa.
A bancada calcula ainda que tem, de fato, cerca de 55 votos, contando com senadores que estavam ausentes na última quarta (27). Uma projeção interna da própria liderança do governo no Senado calculava essa quantidade de votos favoráveis ao projeto.
Já na Câmara, a bancada ruralista costuma aglutinar por volta de 300 votos —são necessários 308 para aprovar esse tipo de texto, quantidade que o grupo deve conseguir somar, ainda mais por contar com o apoio de Lira.
O presidente da Casa já acordou com a bancada ruralista, por exemplo, que criará a comissão especial para debater a PEC 132, que determina a indenização a proprietários que tenham suas terras convertidas em territórios indígenas.
Recentemente, o Supremo também definiu regras para a indenização, rechaçando que ela seja parte do processo demarcatório em si, como demandam os ruralistas.
O texto da PEC ainda deverá ser modificado para que sejam rebatidos os posicionamentos recentes do STF e também aos vetos de Lula ao projeto do marco, caso necessário.
Já a proposta que tramita no Senado é mais recente, foi protocolada somente após o Supremo derrubar a tese do marco temporal e trata apenas de restituí-la, alterando o texto da Constituição.
Ao mesmo tempo, congressistas da base do governo já analisam entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo para tentar derrubar o projeto de lei aprovado.
Na previsão de congressistas, essa é uma disputa jurídica que deve perdurar após os eventuais vetos do presidente e mesmo depois da possível derrubadas deles (Folha, 30/9/23)