Por Carlos Eduardo Valim
Depois de uma lenta maturação, setor de agtechs vence tradicionalismo no campo, e atrai agricultores e investidores, movimentando acima de US$ 70 milhões em aportes ao ano.
Depois da explosão das fintechs, que conseguiram constituir um mercado de empresas multibilionárias em valor de mercado, agora é a vez das agtech (ou agritechs), as startups voltadas para os agronegócios. Os investimentos nessas empresas dispararam nos últimos três anos, atingindo um novo patamar, mesmo num período de juros altos e de crédito escasso na economia.
Segundo dados da empresa de pesquisas Distrito, até 2019, nenhum ano havia registrado mais de US$ 20 milhões em investimentos em agtechs. A partir da pandemia, o mercado mudou de tamanho, superando os US$ 70 milhões (R$ 352 milhões pela cotação do dólar de sexta, 29) por dois anos seguidos, para culminar nos US$ 273 milhões (R$ 1,3 bilhão) registrados em 74 investimentos feitos, em 2022, um ano que para o restante do ecossistema de startups foi muito difícil, por causa da alta de juros por todo o mundo.
Para este ano, que permanece afetado pela aversão ao risco dos investidores, a expectativa é de menos investimentos frente a 2022, mas ainda assim se mantendo no patamar superior alcançado desde 2020. Até o fim de setembro, foram realizados 18 negócios, que movimentaram US$ 47 milhões (R$ 236 milhões).
“Vemos um amadurecimento do segmento no Brasil. Cresceu o número de rodadas de investimentos, em geral, mas também nas etapas de investimentos mais avançadas, que movimentam mais recursos”, afirma o executivo-chefe de pesquisas da Distrito, Eduardo Fuentes.
“Assim, a queda de 2023 não configura algo alarmante. Aconteceu um crescimento consistente da área. No ano passado, ele cresceu em número de rodadas e mais do que triplicou em volume de recursos, enquanto o mercado de venture capital caiu cerca de 50%.”
Um dos negócios recentes que chamou a atenção foi a compra, no último mês, da Biotrop, de Vinhedo (SP), uma agtech focada em desenvolvimento de insumos biológicos para o plantio. A aquisição foi feita pelo grupo belga Biobest. O negócio avaliou a empresa brasileira em aproximadamente R$ 2,8 bilhões. A Biotrop pode faturar este ano R$ 700 milhões.
No ano passado, a plataforma de informações Agrotools também fechou captação, de R$ 107 milhões, e foi avaliada em quase R$ 500 milhões, em aporte liderado pelo Inovabra, fundo do Bradesco, e pela gestora de recursos KPTL.
A empresa chamou a atenção por ter criado o que considera o maior banco de dados de agronegócios do mundo, que permite monitorar riscos e a cadeia de fornecimento, e garantir que práticas desustentabilidade, no conceito ESG, estão sendo seguidas.
“Para o agro ser 100% ESG, ele precisará ser 100% digital”, diz o sócio da consultoria PwC e CEO do hub de inovação AgTech Garage, José Tomé.
Atuações diversas
Essas duas agtechs demonstram a diversidade de inovações criadas por essas empresas e como a digitalização do agro acontece em diversas frentes. Existem hoje 598 agtechs ativas no País, segundo a Distrito. Dessa forma, o Brasil responde por 76,5% das startups do tipo na América Latina. A contabilização da Embrapa soma mais de 1 mil empresas locais, mas ela considera também as agtechs que estão inativas e as foodtechs, como são as empresas que desenvolvem carne vegana e outros alimentos alternativos.
O segmento mais representativo das empresas (46,8%) se dedica a oferecer tecnologias para a produção, como inovações para aplicações no plantio e o uso de drones. Ele é seguido por agtechs voltadas à gestão das fazendas (25,7%). Mas alguns subsegmentos vêm chamando bastante atenção e são vistos como bastante promissores. Um deles é o de biotechs, de tecnologias biológicas, incluindo a Biotrop.
Outro consiste nas agfintechs. Ele é composto por empresas como a Bart, que são um misto de fintechs e agtechs e que desenvolvem soluções financeiras, em especial, formas de financiamento para o crédito agrícola. Esse subsegmento ainda não é tão representativo em número de empresas, mas movimenta quantias elevadas, surfando no amadurecimento já conquistado pelas fintechs.
Pressão global
O florescimento das agtechs obedece a uma necessidade global pelo aumento de produtividade no campo e que isso aconteça de forma sustentável e sem a ampliação do espaço de produção, causando menor impacto para o meio ambiente. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) estima que a produção global de alimentos precisa crescer 60% até 2050 para abastecer os 9 bilhões de pessoas que viverão no planeta.
Tal demanda deve ser acompanhada por outros desafios para os agricultores, como o aumento da competição e as incertezas e riscos trazidos pelas mudanças climáticas. Isso tudo, mais o aumento do peso do setor agro no PIB, tem ajudado as agtechs a tirarem um atraso histórico de uso de tecnologias no campo. Elas estão vencendo resistências de empresários mais tradicionalistas e avessos a grandes revoluções tecnológicas.
“O agro até demorou um pouco para chegar ao estágio atual. A conectividade de internet no campo não era boa, houve ainda uma demora para as soluções atingirem uma maturidade maior, mas ela chegou”, diz o gestor Francisco Jardim, cofundador da SP Ventures, um fundo com R$ 500 milhões sob gestão para investir em etapas iniciais de agtechs e foodtechs. Entre os investidores do fundo estão grandes empresas como Syngenta, Basf, Bunge, Yara, Mosaic e Banco do Brasil.
Polos de desenvolvimento
Quase metade das agtechs está em São Paulo, com 41% das empresas na região, de acordo com a Distrito. Logo em seguida vem os Estados de Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, com 11,8% cada. São 75 agtechs em cada um deles.
Entre os polos mais ativos de criação dessas empresas, estão os de Piracicaba (SP), onde fica a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), de São José dos Campos (SP) e de Londrina (PR) (Estadão, 1/10/23)
Biotrop, especializada em controle de pragas e doenças em plantas, vai se internacionalizar
Por Carlos Eduardo Valim
Empresa brasileira, comprada por grupo belga, foi avaliada em R$ 2,8 bilhões.
Fundada em 2018, a Biotrop, sediada em Vinhedo (SP), deve ser uma das primeiras agtechs brasileiras com alcance global. No começo de setembro, foi anunciada a sua compra pelo grupo belga Biobest, especializado em biocontrole de pragas e doenças nas plantações. As ações pertenciam ao fundo de private equity da Aqua Capital e ao GIC, fundo soberano de Cingapura.
A transação avaliou a empresa brasileira em R$ 2,8 bilhões, que se mostrou atraente ao capital internacional por causa de seus cerca de 20 produtos biológicos criados e por um faturamento que já deve se aproximar dos R$ 700 milhões neste ano. Agora, a Biobest deve aproveitar essa oferta para levar os insumos ao mercado internacional, incluindo para a África e a Ásia.
“O Brasil está 10 anos à frente da Europa e cinco, à frente dos EUA em uso de insumos biológicos”, afirma o diretor de estratégia e inovação da Biotrop, Jonas Hipólito. O mercado nacional movimenta em torno de US$ 1,2 bilhão em negócios e vem gradualmente avançando frente aos agroquímicos, que movimentam US$ 18 bilhões, mas que crescem pouco, por serem mais agressivos para o meio ambiente.
O potencial dos produtos biológicos substituírem ou complementarem essas aplicações químicas é considerado grande. “O mercado brasileiro de defensivos é o maior do mundo, até por causa do clima tropical, que traz mais pragas e também que permite mais safras anuais, exigindo um manejo mais eficiente”, diz Hipólito.
“Os produtos biológicos entraram numa espiral positiva. Eles funcionavam no laboratório, mas a tecnologia avançou, o agricultor começou a comprar, a sociedade prefere eles aos químicos e o custo ficou competitivo. O momento da virada chegou.”
A Biotrop começou como uma empresa de inoculantes, que são bactérias fixadoras de nitrogênio, uma tecnologia na qual a Embrapa foi pioneira. Era um produto de baixo custo, mas de alta eficiência, poupando centenas de reais com adubos.
Depois, ela passou a atuar com bioestimulantes, que ajudam as plantas a tolerar espécies, e avançou em biocontrole, como biofungicidas e bioinseticidas. “Comentamos muito dentro da empresa que não há nada tão poderoso como uma ideia que chega ao seu tempo”, diz o executivo (Estadão, 1/10/23)
Bart Digital combina características de fintech e agtech
Por Carlos Eduardo Valim
O segmento de agfintechs tem 30 empresas atuantes no Brasil e potencial de movimentar muitos recursos.
No rastro das fintechs, uma nova categoria de empresas tecnológicas está despontando da categoria da agtechs. São as agfintechs. Elas consistem em startups voltadas para conceder serviços financeiros. Assim como as fintechs servem às necessidades de pessoas e empresas, as agfintechs atuam para atender ao produtor rural, e podem trazer diversas soluções financeiras.
Um dos pontos essenciais para garantir uma safra é conseguir financiamento de crédito rural que vá garantir a compra de insumos químicos, sementes e maquinário, para que sejam pagos depois que as vendas do resultado do plantio aconteceu.
Apesar do grau de evolução atingida por fintechs brasileiras como Stone e Nubank e do poder do agronegócio dentro do PIB nacional, as agfintechs ainda são poucas. Elas correspondem a 30 empresas, o equivalente a 5% do total de agtechs brasileiras, segundo dados da empresa de pesquisas Distrito. Mas já costumam movimentar mais investimentos do que a média das agtechs de outras atividades.
A Bart Digital, criada no polo de Londrina (PR), em 2016, é uma delas. A partir de uma ideia surgida num evento de tecnologia da Sociedade Rural do Paraná, ela nasceu, segundo a fundadora Mariana Bonora, para tornar digital todo o processo de financiamento, fazendo com que contratos e garantias sejam realizados integralmente pela internet, por meio de sua plataforma.
“Eu era uma advogada da indústria de agroquímicos e conhecia os problemas específicos do segmento e a burocracia do financiamento agrícola nos contratos”, diz Bonora, CEO da empresa e também diretora-executiva da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs).
Desde então, a empresa já atendeu a 200 clientes, como cooperativas, revendas, tradings, agroindústrias, cerealistas, confinamentos, fintechs e usinas. Em 2020, cerca de R$ 3 bilhões em contratos passaram por sua plataforma. No ano passado, foram R$ 8,5 bilhões, e para este ano a expectativa é a de atingir R$ 15 bilhões.
Financiamento
Para desenvolver sua oferta, a Bart já captou financiamento em rodadas de investimentos em 2017 e 2021, que atraíram nomes conhecidos do segmento de venture capital, incluindo a SP Ventures e a Bossanova Investimentos, que mudou de nome em agosto para Bossa Invest.
“Existe muito dinheiro disponível e interesse de financiar a tecnologia no agro. O desafio é que o investidor não entende os riscos do setor. Ele quer financiar o produtor rural de milho médio e grande, o qual já tem acesso a financiamento. Mas precisaria sustentar as empresas menores, para que possam captar recursos”, diz Bonora.
Por causa disso, a ABFintechs está propondo a facilitação e a popularização de crowdfunding de agtechs para pessoas físicas. A proposta já foi apresentada ao Ministério da Agricultura e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
“Nos grandes centros urbanos, ninguém está percebendo o quanto o Brasil está usando tecnologia. O País está virando o maior produtor mundial de milho por causa disso”, diz o gestor Francisco Jardim, cofundador da SP Ventures, que aponta grandes evoluções tecnológicas em áreas como marketplaces e nas agfintechs.
“O agro talvez seja a última grande cadeia da economia a ser ‘desintermediada’ pelo digital, e os marketplaces estão fazendo. E a cadeia agrícola é muito intensiva em financiamento, além de correr muitos riscos biológicos, de clima, de preços e cambial, para os tradicionais emprestadores. Por isso, empresas techs que consigam medir melhor o risco de empréstimos são necessárias” (Estadão, 1/10/23)
Agrotools criou o maior banco de dados do agro
Por Carlos Eduardo Valim
Empresa conseguiu crescer com recursos próprios até levantar R$ 107 milhões em rodada de investimentos no ano passado.
Fundada há 17 anos, uma das pioneiras do ecossistema de agtechs brasileiro, quando esse termo para classificar as startups de tecnologias para os agronegócios ainda nem existia, a Agrotools desenvolveu aquele que é considerado o maior banco de dados do agro do mundo. A ideia é conectar as empresas dos grandes centros ao que acontece no campo.
O banco de dados é abastecido por imagens de satélites e outras informações captadas em campo, para ser possível realizar 30 bilhões de análises, segundo o cofundador e CEO da empresa, Sérgio Rocha. Por meio das diversas camadas de informações coletadas e cruzadas pela Agrotools, é possível entender em tempo real se práticas de ESG estão sendo aplicadas, ter inteligência de dados para saber se uma propriedade é elegível para emitir créditos de carbono e qual o risco de conceder crédito para certa produção.
Por exemplo, para uma empresa de crédito rural ou seguradora, é possível acompanhar se uma safra está evoluindo satisfatoriamente ou se o produtor encontrou problemas que podem inviabilizar o pagamento ao fim da temporada. Também é uma forma de acompanhar a aderência ao ESG de produtores da cadeia de grandes empresas. Nomes conhecidos que lidam com alimentação utilizam os seus produtos, incluindo McDonald’s, Walmart, Nestlé, Carrefour, JBS, BRF, Cargill e instituições tais quais Itaú, XP e BTG Pactual.
“O trabalho dos produtores ficou mais desafiador, por causa do clima, dos concorrentes, dos protocolos ambientais e eles precisam lidar até com três ou quatro safras por ano. Tudo isso impulsionou o uso da tecnologia da porteira para dentro”, diz Rocha.
Hoje, R$ 100 bilhões em financiamento de safras já passam pelos produtos da empresa. Esse volume de negócios também garantiu um total de R$ 150 milhões de receita com contratos ativos, com cerca de 200 grandes empresas e outras 50 de menor porte do setor.
Dessa forma, diferentemente do comum em outras startups, a Agrotools conseguiu ir crescendo com dinheiro próprio, a partir dos recursos levantados pela venda de seus serviços. “A gente conseguiu ir sempre se autofinanciando”, afirma Rocha. “Tivemos um pouco de sorte porque a capacidade de computação em nuvem permite hoje o que apenas os centros de dados gigantes conseguiam oferecer, anteriormente.”
No ano passado, ela se preparou para um salto maior. Fechou a captação de US$ 20,9 milhões (R$ 107 milhões), o que a avaliou em mais de R$ 480 milhões. A rodada de financiamento foi liderada pelo Inovabra, fundo do Bradesco, e pela gestora KPTL. Segundo Rocha, esses recursos ajudarão a empresa a fazer aquisições e a se expandir para América Latina e até para a América do Norte (Estadão, 1/10/23)