Mercado de carbono, hidrogênio, combustível do futuro: entenda o plano de economia verde do governo
Após arcabouço, foco da equipe econômica no Congresso se volta para o Plano de Transformação Ecológica; projeto que regula o mercado de carbono é prioridade e já começou a tramitar no Senado.
Com a votação final do arcabouço fiscal e afastados os riscos iminentes para a elaboração do Orçamento de 2024, o foco principal da equipe econômica no Congresso se volta agora, nos próximos três meses, para a agenda verde – que, oficialmente, está sendo chamada de Plano de Transformação Ecológica.
O pontapé inicial foi dado nesta semana com a apresentação do parecer da senadora Leila Barros (PDT-DF), relatora do projeto de lei que cria um mercado regulado de crédito de carbono no País.
A proposta, na prática, regulamenta como vai funcionar “o direito” das empresas de poluir, com base em um teto para a emissão de CO2. Hoje, os maiores poluidores estão nas indústrias de cimento, siderurgia, alumínio, área química, petróleo e gás e grandes frigoríficos.
A senadora do DF construiu o relatório basicamente replicando a minuta elaborada por 10 ministérios do governo Lula, com a coordenação da Fazenda. A estratégia é semelhante à adotada na reforma tributária na Câmara, quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, optou em não enviar um novo texto, mas costurar com o relator da proposta o parecer. O resultado foi considerado bem-sucedido por acelerar as negociações e a tramitação no Congresso.
O projeto é a aposta principal de Haddad de um novo plano de desenvolvimento econômico para o País crescer mais rápido e com baixa “pegada de carbono”, que tem uma vinculação umbilical com a política de reindustrialização do País, comandada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MIDC), do vice-presidente Geraldo Alckmin.
“O mercado regulado de carbono é inspirado em práticas internacionais adotadas em outras jurisdições, a mais conhecida é a da União Europeia. Não se trata, apenas, de um mercado de crédito. Na verdade, o mercado é, fundamentalmente, a colocação de um limite de emissões, esse, sim, é o ponto central”, explica Rafael Dubeux, que está à frente dessa agenda no Ministério da Fazenda.
O projeto define que as instalações que emitem acima de 25 mil toneladas de CO2 por ano estarão obrigatoriamente sujeitas a esse teto. Quem emitir mais, terá de comprar esse direito por meio de cotas. Entre quatro mil e cinco mil estabelecimentos no Brasil serão enquadrados na regra – o correspondente a 0,1% das unidades produtivas do País. O texto, costurado com o governo, prevê a criação de um Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).
“Planejamos discutir o projeto na Comissão de Meio Ambiente (CMA) a partir da próxima semana, buscando ouvir as opiniões dos senadores, receber as sugestões do Conselho da República e as observações da sociedade. Essas ideias são fundamentais para construir o consenso necessário, e encaminhar o projeto à Câmara ainda em setembro”, afirma a senadora Leila Barros.
Um ponto ainda em aberto é quem ficará responsável pela regulação desse mercado: se uma nova agência reguladora, nos moldes da Anatel (telecomunicações) e Aneel (Energia), a ser criada ou o próprio Ibama, que hoje não tem pessoal técnico para essa empreitada e precisará reforçar o seu quadro de pessoal. O governo está dividido.
O projeto do mercado de carbono é o principal pilar do plano, mas não é o único. Essa agenda ganhou reforço com a manifestação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), há poucos dias, de que vai priorizar a pauta verde neste segundo semestre.
Combustível
O governo Lula enviará, nos próximos dias, projeto batizado de “combustível do futuro”, que cria regras para combustível de aviação sustentável, diesel verde, captura e estocagem de carbono e etanol.
Uma terceira frente é o projeto que trata de hidrogênio renovável, para definir quem vai regular esse setor – já há textos no Congresso sobre esse tema. A quarta frente da agenda do plano no Congresso está voltada para o marco legal das eólicas offshore, aquela cuja fonte de energia é obtida por meio da força do vento em alto-mar, que também já conta com projeto tramitando na Câmara.
O governo brasileiro tem pressa, porque quer afastar o risco de perder a onda de investimentos no mundo todo para a chamada transição verde, que ganhou maior força após a pandemia da covid-19. “A nossa preocupação é garantir que a oportunidade seja bem aproveitada, que não seja só mais um ciclo de commodities do Brasil, como foi cana-de-açúcar, ouro, café e minério de ferro. Que, desta vez, seja diferente”, diz Dubeux.
Para o secretário de economia verde do MDIC, Rodrigo Rollemberg, o Brasil conseguirá atrair muitos investimentos estrangeiros se chegar ao final deste ano com essa agenda encaminhada. Mas, para isso, precisará ter uma regulamentação clara, para dar segurança jurídica a esses investimentos. “O Brasil está na pole position, mas tem de largar e tem de acelerar para chegar em primeiro lugar. Porque isso é uma corrida: não vai ter lugar para todos”, ressalta Rollemberg.
O secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do MDIC, Uallace Moreira, ressalta que o PL do Combustível do Futuro vai integrar as políticas de combustíveis sustentáveis com o novo Rota 2030, a política industrial do setor automotivo que será renovada.
“Vamos discutir o nível de emissão de CO2 a partir do poço. Do poço à roda, e não do tanque à roda (para definir os incentivos)”, ressalta Moreira. Essa forma de medição leva em conta desde a origem da fonte energética até seu uso final. Por exemplo: como se extrai a cana para produzir o etanol. Ou como se extraem as fontes para a produção de uma bateria de carro elétrico.
O objetivo é apresentar até novembro a proposta de política industrial dentro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), conectada com o plano de transformação ecológica, o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e uma política de compras governamentais (Estadão, 20/9/23)
Por que os projetos de transição energética precisam de subsídios para sair do papel no Brasil
EUA estão oferecendo US$ 369 bi em incentivos para empresas que atuam na área; capacidade fiscal do Brasil, porém, limita programa semelhante.
Tido como o país que pode ter o hidrogênio verde mais barato do mundo, o Brasil é, ao menos por ora, apenas um celeiro de projetos na área. O mesmo acontece com a indústria de combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). Apesar de o País ser considerado um dos com grande potencial para explorar o produto, ainda não tem refinarias em construção. Para tirarem os projetos do papel, empresas envolvidas na transição energética têm dito em Brasília que isso só poderá ser feito se houver concessão de subsídios.
Com os países ricos, principalmente os Estados Unidos, inundando suas economias com subsídios e financiamentos para projetos relacionados à energia limpa, de fato ficou mais difícil para uma empresa instalada no Brasil ser competitiva. Apenas o governo americano está oferecendo US$ 369 bilhões (R$ 1,8 trilhão) em incentivos e financiamentos para o setor de energia limpa. Especialistas, porém, lembram que os objetivos americanos vão além de incentivar uma indústria nascente e que o Brasil não tem a mesma capacidade fiscal para fazer algo semelhante.
Por aqui, empresas ligadas ao hidrogênio verde – uma das principais apostas do mundo para reduzir as emissões de carbono – anunciaram, em agosto, a criação da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde. Entre as demandas da entidade está o barateamento da energia elétrica para a produção do hidrogênio.
“O Brasil tem hoje um excesso de energia, mas, para fazer frente aos incentivos de outros países, é preciso diminuir o custo dessa energia para os projetos de hidrogênio verde avançarem. Com o barateamento da energia, com aportes da União, devemos também criar mecanismos de demanda para o hidrogênio verde que podem ajudar a catapultar a neoindustrialização verde no Brasil”, diz o presidente da entidade, Luis Viga.
O executivo também comanda no Brasil a Fortescue, uma mineradora australiana que está investindo em hidrogênio no mundo todo e que tem um projeto de R$ 20 bilhões para o porto de Pecém, no Ceará. A Fortescue já tem um terreno alugado no complexo portuário para erguer sua usina, mas, segundo Viga, é preciso a garantia de energia elétrica barata para a obra ser iniciada.
Nos EUA, o governo anunciou a concessão de um crédito fiscal de até US$ 3 por quilo de hidrogênio. Viga afirma que, como a energia brasileira é mais barata, as empresas que querem atuar aqui não precisam de um incentivo tão relevante como o americano, mas necessitam de uma redução nos impostos que recaem sobre energia. Ele defende que sejam incentivos temporários para viabilizar as primeiras empresas do setor, que assumirão os maiores riscos.
A história se repete no segmento de biocombustíveis avançados. A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) pediu ao governo federal incentivos financeiros diretos e tributários para que o setor adote o SAF e, assim, zere as emissões líquidas de carbono até 2050. Segundo a entidade, os recursos seriam destinados à pesquisa, à produção e ao consumo do combustível sustentável. A Abear também solicitou que a carga tributária do SAF seja zerada na etapa inicial da transição entre o combustível fóssil e o sustentável.
Enquanto o governo americano estabeleceu um subsídio de US$ 1,25 por galão de SAF se o combustível reduzir a emissão de gases de efeito estufa em pelo menos 50%, o brasileiro encaminhou o Projeto de Lei do Combustível do Futuro ao Congresso. O texto não estabelece nenhum subsídio, mas abre espaço para a regulamentação de incentivos.
Presidente da Be8, empresa com sede no Rio Grande do Sul que desenvolve um projeto de SAF no Paraguai, Erasmo Battistella defende incentivos financeiros para a produção de biocombustível. “Para mim, a solução ideal é linhas de financiamento e metas de descarbonização. Por exemplo: o setor aéreo tem de descarbonizar X% até 2030 através do uso de biocombustível.”
Também envolvido na transição energética, mas com uma indústria já estabelecida, o setor de mineração é outro a solicitar incentivos para acelerar a participação brasileira na economia verde. Alexandre Valadares Mello, diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), afirma que isenções tributárias serão importantes para que projetos menores na área sejam concretizados.
Minerais como lítio, cobre e níquel são considerados essenciais para a redução das emissões, dados que são usados na fabricação de baterias de carros elétricos. A demanda por esses materiais deve ser mais alta do que a oferta em todo o mundo nos próximos anos, o que pressionará seus preços. O Brasil está entre os países que podem oferecer esses minerais, mas são poucas as minas já em operação.
“Inicialmente, seriam necessários incentivos fiscais para ganhos de volume. Quando se tem benefícios do governo para a instalação de novos projetos, você atrai mais investidores”, diz Mello.
Subsídios necessários
Para especialistas em energia, os subsídios podem, sim, ser necessários para viabilizar novas indústrias, como a do hidrogênio e a do SAF. Essa concessão de incentivos, porém, deve ser temporária e concedida até o setor ganhar escala e se tornar viável, com preços competitivos. “É preciso trabalhar com objetivos bem definidos. Assim que você atinge as metas, reduz ou elimina os subsídios”, diz Felipe Gonçalves, superintendente de pesquisa da FGV Energia. “Também é importante medir os resultados dessas políticas para ver se o setor ganhou competitividade. São subsídios para o setor se tornar sustentável”, acrescenta.
Gonçalves reconhece que se criou uma aversão aos subsídios no País, como se eles sempre fossem danosos. Isso em grande parte porque esses incentivos não são retirados após a consolidação da nova indústria. “Isso faz com que o setor se acomode, não ganhe produtividade e fique dependente do subsídio. A indústria automobilística é um bom exemplo disso.”
“O programa americano é geopolítico e de confronto com a China”, afirma Nivalde de Castro, professor do Instituto de Economia da UFRJ
Professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico,Nivalde de Castrotambém afirma que subsídios podem ser necessários para indústrias nascentes, mas destaca que o Brasil não tem condições fiscais de fazer um programa de incentivo semelhante ao americano. “É um país pobre.”
Castro pondera, no entanto, que a política dos EUA foi criada não só para ajudar no desenvolvimento do setor de energia limpa, mas também para reduzir a dependência da China. “O programa americano é geopolítico e de confronto com a China. O país quer levar empresas para dentro do seu território e usa a questão energética para isso. Qualquer coisa identificada como transição energética ganha um subsídio cavalar.”
Questionado sobre os pedidos de incentivos e a limitação fiscal do País, o Ministério da Fazenda afirmou, por nota, ser “natural que as empresas tenham expectativas em relação a subsídios e desoneração, em especial tendo em vista as políticas adotadas por outros países. No entanto, qualquer medida nesse sentido deverá respeitar o equilíbrio fiscal e as metas definidas nos projetos orçamentários. Portanto, qualquer medida teria que ser compensada com indicação de redução de despesa ou aumento de receita.” Informou também que outras medidas, como misturas obrigatórias, financiamentos e políticas comerciais estão em estudo (Estadão, 20/9/23)
Proálcool, Proinfa: Programas que ajudaram a desenvolver o etanol, a eólica e a solar no Brasil
Biocombustível e energias renováveis tiveram de receber incentivos para decolar no País; programas incluíam financiamentos com taxas de juros menores e garantias de compra dos produtos.
Subsídios para o desenvolvimento de indústrias de energia vêm sendo adotada em larga escala no Brasil nas últimas décadas. O principal exemplo é o etanol, desenvolvido com apoio do governo nos anos 70 como resposta à crise do petróleo. Mais recentemente, foram usados também para estimular a criação dos setores de energia eólica e solar.
No caso do etanol, desde a década de 1930 havia orientação do governo para mesclar álcool à gasolina importada. O porcentual da mistura, porém, variava. Após a disparada nos preços do petróleo em 73, foi criado o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) para incentivar a substituição da gasolina pelo etanol.
Através do Proálcool, o governo dava subsídios para pequenos fazendeiros plantarem cana de açúcar, além de crédito a juros baixos para empresários montarem usinas. O programa também incluiu investimento em pesquisas para melhoria do plantio, eficiência de usinas e redução da corrosão dos motores.
Em grande parte, esse investimento foi feito via o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O governo ainda obrigou empresas estatais a adotarem apenas veículos a álcool, lembra Rogério Gonçalves, diretor de combustíveis da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA).
Apesar de hoje não contar mais com subsídios diretos, o setor do etanol ainda é incentivado pelas misturas obrigatórias do combustível à gasolina. Atualmente, a mistura tem um piso de 18% e um teto de 27,5%. Com a aprovação do Projeto de Lei do Combustível do Futuro, enviado ao Congresso na semana passada, esses números devem subir para 22% e 30%.
Incentivo à eólica foi criado para diversificar matriz energética
Responsável por 14% da matriz elétrica brasileira, a energia eólica deu os primeiros passos no País com o Programa de Incentivo a Fontes Alternativas (Proinfa). Criado em 2002 pelo governo federal, logo após o maior racionamento de energia da história do País em 2001, o programa tinha o objetivo de diversificar a matriz elétrica, altamente dependente de hidrelétricas.
De acordo com o programa, a Eletrobras era a responsável por contratar 3.300 MW de fontes eólica, biomassa e hídrica (pequenas centrais hidrelétricas). O contrato, de 20 anos, tinha preço definido pelo governo, corrigido pelo IPCA, e estava associado a um programa de financiamento do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para conseguir crédito no banco, em condições especiais, havia um índice de nacionalização de cada projeto.
O programa, no entanto, era visto com ceticismo, quase exótico e utópico. Esses sentimentos aumentaram conforme os problemas foram surgindo, como atrasos na entrada em operação dos projetos, dificuldade para obtenção de licenças ambientais, morosidade na obtenção de Declaração de Utilidade Pública dos projetos, obstáculos na conexão às redes e também falta de capacidade da indústria nacional para atender a demanda de aerogeradores, o que levou a mudanças nas regras.
Uma delas foi a redução da taxa de importação dos equipamentos. Outra iniciativa foi criar leilões específicos por fonte de energia, evitando que a eólica – na época, mais cara – competisse com a hídrica, mais barata.
Além das políticas locais, a energia eólica foi beneficiada por um cenário de crise internacional, entre 2009 e 2012, que colocou o Brasil no foco dos investidores internacionais, já que Europa e Estados Unidos reduziram os investimentos em fontes renováveis subsidiadas. Outro ponto foi o avanço tecnológico da indústria, com aumento da altura dos aerogeradores, de 50 metros para 100 metros, do diâmetro das pás e dos rotores, diz a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoun.
Somado a tudo isso, a capacidade (e a qualidade do vento) do Brasil nessa área se tornou um grande atrativo seja para fabricantes de equipamentos ou investidores em energia renovável. Hoje são 29 mil MW de capacidade instalada no País.
A energia solar foi a última tecnologia acelerada. O primeiro leilão só ocorreu em 2014, depois que Pernambuco fez uma disputa estadual, diz o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Rodrigo Sauaia. Ele conta que o primeiro gigawatt (GW) entrou em operação em 2017.
Como na eólica, houve um programa de financiamento do BNDES para desenvolver o setor. Havia um diferencial na taxa de juros desde que houvesse um conteúdo local. Alguns fabricantes chegaram a desembarcar no Brasil, mas em uma política indústrial para o setor, esse movimento não avançou de forma expressiva.
Hoje o Brasil não tem competitividade para produzir módulos e inversores – equipamentos usados no projetos – e a maioria é importada, sobretudo da China. Outro benefício era a chamada tarifa fio, criados em 2006 para impulsionar e incentivar o desenvolvimento das fontes renováveis. Tratava-se de um desconto de 50% nas tarifas de uso do sistema de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd), bancado pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e repassado para todos os brasileiros. A partir de março de 2022, os novos projetos autorizados perderam esse desconto, conforme a MP transformada na Lei 14.120.
Entre 2016 e julho deste ano, a capacidade instalada de energia solar no Brasil saltou de 123 MW para 32.658 MW – salto de quase 27.000% (Estadão, 20/9/23)
Novo programa automotivo vai incluir moto, bicicleta, “carro voador” com foco em sustentabilidade
Programa substituirá o Rota 2030 e terá novo nome; governo reservou R$ 2,8 bi no Orçamento para bancar os benefícios fiscais, com critérios de eficiência energética.
O governo reservou R$ 2,8 bilhões no projeto de Orçamento de 2024 para bancar os benefícios fiscais do novo Rota 2030, regime automotivo de estímulo para as empresas do setor usarem novas tecnologias menos poluentes e mais sustentáveis.
O novo regime automotivo vai nascer com novo nome, foco na mobilidade e sobre novas bases. Terá prazo de duração de cinco anos, até 2028, e lançará mão da chamada “tributação verde” (leia mais abaixo). O alcance dos benefícios será ampliado para outros tipos de veículos além dos automóveis, como motos, caminhões, ônibus, bicicletas elétricas e até mesmo os eVTOLs (veículos elétricos de decolagem e aterrissagem vertical) – os chamados “carros voadores”, aeronaves com operação prevista a partir de 2026.
Uma Medida Provisória (MP) está pronta e será editada nas próximas duas semanas, segundo informou ao Estadão o secretário de Desenvolvimento Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Uallace Moreira.
O secretário disse que o novo regime automotivo não terá mais o mesmo nome porque teve o seu escopo ampliado. “Será um programa de mobilidade verde e inovação. Vai para além dos carros. Estamos tratando de toda a tecnologia que promova mobilidade”, afirmou.
O secretário explicou que a configuração do programa estará aberta a toda rota tecnológica que possibilite o processo de descarbonização na mobilidade (deslocamento das pessoas e bens). “É o caso, por exemplo, dos eVTOLs”, ressaltou. Ele lembrou que a fabricante Eve Air Mobility, subsidiária da Embraer, anunciou a instalação da primeira fábrica de veículos elétricos de eVTOL no Brasil. Essa configuração, segundo ele, dá mais liberdade para as tecnologias de ponta que vierem a ser usadas no País, seja de carros elétricos ou híbridos.
O programa vai abarcar um escalonamento de incentivo tributário incorporando princípios como eficiência energética, reciclabilidade, fonte energética e a “pegada de carbono” – que é o rastro de emissões de gases de efeito estufa que as atividades humanas vão deixando no planeta. Cada vez que viajamos de carro, por exemplo, deixamos um rastro de gases que se acumula na atmosfera, aquecendo excessivamente o planeta.
O programa terá alíquotas diferenciadas de PIS/Cofins e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) com base nos critérios de sustentabilidade, segurança e densidade indústria. Quando maior esses critérios, menor a tributação do PIS/Cofins e do IPI. As tabelas da nova tributação ainda não estão fechadas. No Rota 2030, que termina este ano, os carros com motor 1.0, por exemplo, têm uma tributação menor. O novo regime automotivo vai incorporar esses outros critérios de forma progressiva.
Em troca dos incentivos, as montadoras terão, em contrapartida, de fazer investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) de 2% a 5% das receitas operacionais. De acordo com o secretário, a contrapartida é maior do que a do Rota 2030, de até 2%.
A ideia é chegar em 2026 com uma média de R$ 3 bilhões de Orçamento para o programa. Uallace ressaltou que o novo programa incorpora os incentivos do PIS/Cofins , igualado aos concedidos em outros políticas de inovação tecnológica brasileiras.
O Rota 2030 foi criado no final do governo Michel Temer, em novembro de 2018, estabelecendo normas que, além da redução das emissões de gases do efeito estufa, visavam ao aumento da segurança (com a introdução de novas tecnologias) e à elevação da competitividade dos automóveis nacionais.
As empresas tiveram que cumprir metas de eficiência energética veicular, segurança rotulagem e dispêndios de em P&D para receber incentivos de redução do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Para o secretário, o Rota 2030 cumpriu esse papel porque as metas foram até mesmo ultrapassadas. É o caso de dispêndios em P&D. Para 2021, a meta era de 1% das receitas e chegou a 2,43%, o equivalente a R$ 4,87 bilhões, de acordo com dados do MDIC. A captação de recursos para fundos que financiam a inovação no elo de autopeças chegou a R$ 323 milhões (Estadão, 20/9/23)