Por Arnaldo Luiz Corrêa
Após fazer nova máxima nesta sexta-feira, o mercado futuro de açúcar em NY encerrou a semana cotado a 26.78 centavos de dólar por libra-peso para o vencimento outubro/23. A máxima que vimos em abril (27.41 centavos de dólar por libra-peso) foi superada no último pregão da semana, que negociou a 27.59 centavos de dólar por libra-peso. No acumulado da semana, o outubro/23 se valorizou 47 pontos (10.36 dólares por tonelada). Na média, os contratos que correspondem à safra 24/25 do Centro-Sul subiram 75 pontos (16.50 dólares por tonelada) praticamente a mesma valorização da safra seguinte.
A alta observada no mercado de açúcar em NY nas últimas três semanas vai além dos simples fundamentos. Inegável que a participação dos fundos foi a principal força motriz que elevou os preços em 450 pontos se tomarmos a mínima de 23.08 em 23 de agosto para a máxima de 27.59 centavos de dólar por libra-peso nesta sexta-feira.
Uma elevação contundente como essa pode se tornar um verdadeiro tsunami para o fluxo de caixa das empresas. 450 pontos de variação num período tão curto de tempo representam 100 dólares por tonelada de açúcar negociado/hedgeado. O impacto de tal variação numa posição física de – digamos, para ser bem modesto – 200,000 toneladas no livro de uma trading significa o enxugamento de US$ 20 milhões do caixa.
Nas últimas semanas, circularam rumores no mercado de que uma trading havia decidido não aceitar, por um período, a troca de futuros provenientes de vendedores, no caso, as usinas, para estabelecer o preço de seus contratos comerciais. A aceitação de mais contratos futuros vendidos em seu livro poderia aumentar o risco de uma chamada de margem, especialmente se os preços do mercado continuassem em alta – o que de fato ocorreu. Essa é uma estratégia de proteção financeira adotada por empresas que já enfrentaram estresses semelhantes no passado. Ignorar esse tipo de medida pode afetar negativamente a estabilidade financeira da empresa e por efeito dominó, a própria saúde do mercado.
A subida de preços também assustou aqueles que estavam vendidos opções de compra fora-do-dinheiro com o objetivo único de capturar o prêmio. Explico: quando o mercado de açúcar estava digamos a 23-24 centavos de dólar por libra-peso, alguns traders venderam opções bem acima do mercado para capturar prêmios, particularmente quando acham que o mercado chegou na exaustão. Vendem a descoberto e esperam que o tempo trabalhe a seu favor, minguando o valor da call até que ela vire pó e eles finalmente embolsem o prêmio em sua totalidade. Muita gente faz isso. Esse é o dia a dia de quem opera nesse mercado.
Para se ter uma ideia, há duas semanas o volume total vendido de calls para outubro/23 com preço de exercício entre 26 e 29 centavos de dólar por libra-peso era perto de 50,000 lotes. Quando no início deste mês o mercado começou a penetrar o nível de 26 centavos de dólar por libra-peso, até então tratado como improvável pelos vendedores de calls a descoberto, a água começou a bater na cintura. E aí, aqueles que estavam vendidos começaram a rolar as calls para vencimentos mais distantes. Deu para notar pela posição em aberto que muitos rolaram para 27 centavos de dólar por libra-peso. Outros, simplesmente compraram futuros para zerar o delta das opções vendidas a descoberto.
A compra de futuros para mitigar a venda a descoberto de calls joga mais lenha na fogueira. O mercado sobe, e o que fazem aqueles que já estavam sendo afetados pelas chamadas de margem? Estava bem visível na posição em aberto publicada pela bolsa de NY que pelo menos 5,000 calls de preço de exercício de 27 centavos de dólar por libra-peso foram compradas nesta semana. Isso pode ser uma estratégia para diminuir o impacto das chamadas de margem.
As opções venceram nesta sexta-feira e não foi coincidência que o mercado tenha fechado praticamente na mínima do dia após ter negociado na máxima de 27.59 centavos de dólar por libra-peso. Na nossa visão, o que ocorreu foi uma correção do mercado depois que aqueles que precisaram se cobrir terminaram seu trabalho.
O volume médio diário negociado em NY nos últimos quinze dias foi de 194,000 lotes, comparado a 96,000 lotes nos quinze dias anteriores. Isso pode indicar uma tendência relacionada aos fundos.
Mas, e os fundamentos? Eles servem para dar suporte a toda essa narrativa. Mas temos que ter a consciência de quanto que os fundamentos do mercado efetivamente e sem maquiagem mudaram em três semanas para justificar 450 pontos de alta. Ainda a conferir.
A UNICA publicou o volume de moagem da segunda quinzena de agosto. O total acumulado é de 406,65 milhões de toneladas de cana, 10.9% acima do mesmo período do ano passado. Considerando o que o acumulado da segunda quinzena de agosto representou em relação à safra total nos últimos dez anos, nossa estimativa é – resguardando aqui as questões climáticas que normalmente destroem reputações – que total de produção de cana da safra 23/24 pode alcançar 625 milhões de toneladas. Segundo alguns analistas, o Centro-Sul não tem capacidade de moagem para esse volume.
Os fundos não-indexados segundo o COT (Commitment Of Trades), relatório dos comitentes, publicado nesta sexta-feira pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission), agência independente do governo dos Estados Unidos, que regula os mercados de futuros e opções das commodities, com base na posição deles de terça-feira passada mostrou um pequeno acréscimo de 4,355 lotes, totalizando agora 192,049 contratos comprados.
Nas próximas duas semanas, será vital observar se os fundos conseguirão sustentar o mercado nos patamares atuais. O mercado enfrenta duas incertezas críticas: a quantidade de açúcar que será entregue fisicamente quando o contrato futuro de outubro/23 expirar no dia 29 de setembro, e o ritmo acelerado da moagem no Centro-Sul, que vem estabelecendo novos recordes constantemente.
Uma reflexão para o final de semana: estamos diante de um cenário em que, possivelmente, teremos a maior safra de cana da história coexistindo com os preços mais elevados dos últimos doze anos. Vale lembrar que a cotação mais alta anterior foi em 25 de outubro de 2011, quando NY alcançou 27.70 centavos de dólar por libra-peso. Essa combinação soa incongruente, levantando a questão de se algo está fora de sintonia neste cenário.
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