Na bacia de Barreirinhas, estatal teve licença negada e Shell devolveu quatro concessões.
A discussão sobre a perfuração de um poço para exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas não é o único embate entre a Petrobras e a área ambiental do governo na região conhecida como margem equatorial e apontada como a principal fronteira exploratória do país.
Em 2021, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) concluiu pela inviabilidade da perfuração de outros dois poços na região, na bacia de Barreirinhas, localizada frente ao litoral do Maranhão e do Piauí.
A negativa ficou em segundo plano, diante da prioridade dada pela Petrobras ao debate sobre a Foz do Amazonas, mas reforça as dificuldades que o setor terá na região, que vai do litoral do Ceará à fronteira com a Guiana Francesa.
Atualmente, há 37 concessões marítimas para exploração de petróleo nas cinco bacias que compõem a margem equatorial: Potiguar, Ceará, Barreirinhas, Pará-Maranhão e Foz do Amazonas. Destas, 16 estão suspensas por questões ambientais nas três últimas bacias.
A maior parte dos contratos suspensos está na bacia de Barreirinhas: são 10 dos 14 contratos em vigência atualmente. No início de agosto, consórcio liderado pela Shell decidiu devolver quatro concessões nessa área, arrematadas em 2013 por um valor equivalente hoje a R$ 480 milhões.
Além de abrir mão do valor pago como bônus de assinatura, as empresas do consórcio perdem também os investimentos feitos em pesquisas sísmicas, espécie de ultrassonografia do subsolo, nas concessões.
Em nota, a Shell não relaciona a decisão a problemas de licenciamento. Diz que o resultado da pesquisa foi menos satisfatório do que o esperado e que o consórcio decidiu entregar as concessões “após um processo de revisão de portfólio, que considera a estratégia das companhias”.
Os blocos devolvidos eram colados nas concessões em que a Petrobras planejava furar dois poços, mas teve a licença negada pelo Ibama, sob o argumento de que não há plano de emergência ou estrutura de resposta que possa garantir a proteção de corais e manguezais em caso de vazamento na região.
Alvos da Petrobras, os blocos 3 e 5 da Bacia de Barreirinhas ficam a cerca de 140 quilômetros da costa, na altura da capital maranhense, em lâmina d’água (distância entre a superfície e o fundo do mar) de cerca de 2.400 metros.
A Petrobras iniciou o pedido de licença do bloco 5 em 2006 e do bloco 3 em 2010, mas o Ibama decidiu unificar os processos em 2019.
O relatório de impacto ambiental entregue pela estatal em dezembro daquele ano previa o início da perfuração no bloco 5 em novembro de 2020. O poço no bloco 3 seria iniciado em abril de 2022. O parecer recomendando indeferimento da licença veio em junho de 2021 e a negativa, em dezembro.
O relatório aponta possíveis impactos de alta sensibilidade, alta magnitude e grande importância em caso de vazamento, tanto do ponto de vista ambiental quanto do ponto de vista social, atingindo unidades de conservação e atividades econômicas como a pesca.
Mas diz que a probabilidade de vazamento é pequena e que a atividade será realizada “de forma segura e eficiente”, com plano de emergência adequado. Por isso, “não deverão acarretar comprometimento da qualidade socioambiental da região”.
A área técnica do Ibama, porém, entende que não há plano de emergência ou estrutura de resposta “que possa garantir a efetiva proteção dos ecossistemas coralíneos e manguezais da costa em caso de ‘blowout’ [explosão] do poço ou mesmo em incidentes com volumes menores”.
E que os impactos de um acidente podem ser irreversíveis “não sendo possível estabelecer um prazo seguro de recuperação de ecossistemas como manguezais e de espécies ameaçadas como peixes-boi e inúmeras espécies de aves e quelônios [tartarugas] que ocorrem na região”.
Além de Foz do Amazonas e Barreirinhas, outra bacia da margem equatorial enfrenta restrições ambientais, a do Pará-Maranhão. Lá as cinco concessões vigentes atualmente estão suspensas atualmente.
O Ibama contesta que a falta de licenças esteja atrasando a atividade. Diz que planejamento feito com o setor para o triênio de 2023 a 2025 considera a avaliação de três pedidos para seis poços na margem equatorial.
São os dois pedidos já negados à Petrobras, na Foz do Amazonas e em Barreirinhas, e um outro pedido da estatal para três poços na bacia Potiguar, ainda em avaliação. Essa região já tem produção de petróleo, o que leva a companhia a crer que obterá a autorização.
Na área ambiental do governo, há um sentimento de que não há grande esforço das petroleiras para aprovar poços na região e que a suspensão das concessões é cômoda, pois retarda os investimentos previstos em contrato.
Em nota, a Petrobras diz que tem um histórico de quase 3.000 poços perfurados em águas profundas e ultraprofundas, “sem qualquer tipo de intercorrência”.
“O que, associado à capacidade técnica e experiência acumulada em quase 70 anos, habilitam a companhia a abrir novas fronteiras e lidar com total segurança com a sensibilidade ambiental da margem equatorial”, continua.
O plano estratégico da companhia separou US$ 3 bilhões (quase R$ 15 bilhões) para poços nessa região até 2027. Segundo a ANP, a margem equatorial concentra quase metade dos investimentos em poços marítimos previstos no país até 2027 (Folha, 2/9/23)