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Brasil e Latam estão entre as regiões mais vulneráveis à mudança climática

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Nos últimos três meses, o governo brasileiro dedicou tempo e investimentos para impulsionar a candidatura da pesquisadora Thelma Krug à presidência do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC).

Matemática de formação e vice-presidente do órgão entre 2015 e julho de 2023, Krug se reuniu com delegações de mais de dez países nas semanas que antecederam a votação para fortificar suas chances, que eram vistas como grandes.

Em 26 de junho, porém, o cientista britânico Jim Skea foi eleito em plenário para o cargo, superando a candidatura da brasileira, da professora sul-africana Debra Roberts e do belga Jean-Pascal van Ypersele.

Se eleita, a cientista que já foi pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e secretária dos ministérios do Meio Ambiente e da Ciência, Tecnologia e Inovação, teria sido a primeira mulher a presidir o IPCC.

“O Brasil jamais teria apresentado a minha candidatura da forma como o fez, com todo o apoio que foi dado, se não tivesse confiança nos meus requisitos para o cargo de presidente. Então fica a pergunta: por que não?”, afirmou Krug em entrevista à BBC News Brasil.

“Eu não perdi nada, mas o IPCC perdeu uma grande chance de ter uma mulher qualificada, que já era vice-presidente e que já estava na instituição há 21 anos consecutivos como presidente. E se isso tudo não foi suficiente dessa vez, tenho dúvidas se uma mulher ou um representante de um país em desenvolvimento conseguirá um dia chegar lá.”

O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente), tem como principal objetivo fornecer avaliações científicas regulares sobre a mudança do clima e propor opções de adaptação e mitigação para os formuladores de políticas públicas.

Além de vice-presidente do órgão, Thelma Krug participou da Força-Tarefa do IPCC sobre gases do efeito estufa por 13 anos.

À BBC, a pesquisadora afirmou que o Brasil e toda a América Latina estão entre as regiões mais vulneráveis à mudança do clima.

“O Brasil é vulnerável por vários motivos: por conta das secas, das fortes precipitações, do aumento da temperatura média, das ondas de calor, dos ciclones tropicais”, diz. “Mas boa parte da vulnerabilidade se deve a componentes externos, como a desigualdade social, a pobreza e o uso de recursos de maneira não sustentável, que agravam a mudança do clima.”

Segundo o próprio IPCC, eventos climáticos extremos já estão afetando a América Latina e estão projetados para aumentar. A lista inclui o aumento da temperatura e do nível do mar, a erosão costeira e o aumento da frequência de secas, que estão associadas a uma queda no abastecimento de água, assim como impactos na saúde humana, agricultura e pesca.

Ainda segundo Krug, a meta global proposta pelo Acordo de Paris de frear o aquecimento global a 1,5ºC até 2100 está se tornando cada vez mais difícil de ser alcançada, “chegando no limite de ser impossível”.

“Se essas reduções não foram feitas rapidamente e de uma forma muito ambiciosa, logo chegaremos a uma situação em que mesmo a redução abaixo de 2°C poderá estar comprometida.”

Sobre Amazônia e a cúpula realizada em Belém nesta semana, Krug afirmou que o Brasil enfrenta um “problemaço” para cumprir a ambiciosa meta de desmatamento zero até 2030, após “o desmonte das agências de fiscalização e a multiplicação do crime organizado armado e garimpo ilegal” nos últimos quatro anos.

“Eu acho que é [possível cumprir a meta], mas vai depender da intensificação extrema dessas ações de fiscalização em um curto espaço de tempo”, disse.

Questionada sobre o debate da expansão da exploração de petróleo na Amazônia, a cientista afirmou ainda que investir em combustíveis fósseis atualmente é “como andar na contramão da ciência”

Área da Floresta Amazônica devastada em Pacajá, a 620 km de Belém do Pará. Getty Images

Leia a seguir os principais trechos da entrevista da matemática e pesquisadora à BBC News Brasil, editada por concisão e clareza:

BBC News Brasil – Em que ponto estamos, como mundo, da crise climática?

Thelma Krug – Estamos em um momento bem preocupante. O último relatório do IPCC [de março de 2023] conseguiu recuperar vários dados paleoclimáticos que permitiram aos cientistas avaliarem que muitos dos eventos que temos observado nos últimos anos são sem precedentes.

Em 2019, por exemplo, tivemos as maiores concentrações de dióxido de carbono em pelo menos 2 milhões de anos e de metano e óxido nitroso em 800 mil anos. A área de gelo no Mar Ártico também chegou em seu mínimo desde 1850 na década de 2011 a 2020 e a temperatura média global da superfície aumentou muito mais rapidamente nos últimos 50 anos do que em qualquer outro período dos últimos 2 mil anos.

Múltiplas fontes independentes registraram o aumento de ondas de calor em todo o mundo e, ao mesmo tempo, observamos a elevação do nível do mar e a maior frequência e intensidade de extremos meteorológicos e climáticos, muitos dos quais atribuídos a influência humana.

BBC News Brasil – Há tempo hábil para cumprir a meta de limitar alta de temperatura global a 1,5°C?

Krug – Essa foi uma meta ambiciosa, que vai se tornando cada vez mais complicada de ser atingida. Um relatório especial do PICC de 2018 já indicava a necessidade de rápidas, profundas e sustentadas reduções de emissões de gases de efeito estufa para cumprir esse objetivo. Os pesquisadores praticamente concordaram que para chegar a 1,5° C teríamos que zerar as emissões e remoções de CO2 globalmente.

Ou seja, vai se tornando cada vez mais desafiador, chegando no limite de ser impossível. Se essas reduções não foram feitas rapidamente e de uma forma muito ambiciosa logo chegaremos a uma situação em que mesmo a redução abaixo de 2°C poderá estar comprometida.

BBC News Brasil – O que falta para atingir as metas globais e implementar medidas efetivas para reduzir drasticamente as emissões?

Krug – A verdade é que, segundo o IPCC, já existem opções de mitigação que reduziriam pela metade as emissões de gás de efeito estufa relativas ao ano de 2019 até 2030. Ou seja, não estamos dependentes de novas tecnologias para cortar as emissões.

O que existem são barreiras de diversas naturezas que dificultam a implementação. E para os países em desenvolvimento, que são a maioria, a maior barreira é a financeira. Falta investimento estrangeiro, iniciativas de transferência de tecnologia ou capacitação.

Existem também barreiras de natureza institucional: falta de legislações, por exemplo, que poderiam incentivar parcerias público-privadas ou mudanças em processos industriais. Ou seja, falta visibilidade institucional sobre como tratar a questão da mudança climática.

O presidente Lula durante Cúpula da Amazônia em Belém. Getty Images

BBC News Brasil – Muitas vezes quando tratamos de temas como mudanças climáticas e meio ambiente, o público tem dificuldades de enxergar as consequências concretas de tudo isso. De que forma o dia a dia dos brasileiros já é impactado pelo aquecimento do globo? Pode dar exemplos?

Krug – A maior consequência que temos já caracterizada – e que não é exclusiva do Brasil – é a projeção de que os eventos meteorológicos e climáticos, como secas e ciclones, vão ficar cada vez mais frequentes e mais intensos.

Na região sul, por exemplo, já se constatou que o aumento de fortes precipitações está relacionado à ação humana. Na Amazônia, as secas mais frequentes registradas desde 2005 já saíram do padrão de variabilidade natural e começam a ser entendidas como influenciadas pela mudança do clima de natureza antrópica.

Além disso, já foi identificado um aumento da temperatura média em todas as regiões do Brasil, causado pela ação humana. E se tem a digital humana significa que tende a aumentar ainda mais.

BBC News Brasil – Falando especificamente sobre o Brasil, o quão vulnerável estamos às mudanças climáticas, segundo as últimas conclusões do IPCC?

Krug – Não só o Brasil, como toda a América Latina, estão entre as regiões mais vulneráveis à mudança do clima. O Brasil é vulnerável por vários motivos: por conta das secas, das fortes precipitações, do aumento da temperatura média, das ondas de calor, dos ciclones tropicais.

Mas é um pacote né? Porque boa parte da vulnerabilidade se deve a componentes externos, como a desigualdade social, a pobreza e o uso de recursos de maneira não sustentável, que agravam a mudança do clima.

A verdade é que o impacto nunca é igual para todos, pois as populações menos abastadas têm menor capacidade de adaptação e sofrem mais. Em algumas regiões do Brasil as famílias não têm sequer acesso à luz elétrica, imagine a um ventilador ou a um ar condicionado para aguentar as altas temperaturas que já estamos experimentando.

Estamos diante de um portfólio de extremos que variam de lugar para lugar e, é claro, que serão tão mais graves quanto maior for o aquecimento global.

BBC News Brasil – O quão perto a Floresta Amazônia está do “ponto de não retorno”, ou seja, do momento em que pode não se recuperar mais diante do desmatamento e das mudanças climáticas?

Krug – A comunidade científica ainda precisa amadurecer mais nessa questão, pois não há um consenso científico sobre essa possibilidade ou o quanto de desmatamento será preciso para chegar lá.

Mas independente de qualquer coisa deveríamos seguir o princípio da precaução. Até porque a contenção do desmatamento é a opção de mitigação da mudança climática que tem o maior potencial do ponto de vista técnico e econômico, segundo o IPCC. Classificamos como de alto potencial econômico aquelas ações que vão custar menos do que 100 dólares por tonelada de CO2 reduzido ou evitado – e muitas das ações florestais indicadas pelo IPCC custam menos do que 20 dólares.

E as implicações do desmatamento não têm limites geográficos. Elas são tão importantes aqui no Brasil como na Colômbia, na Venezuela ou em qualquer outro dos oito países que compartilham a Floresta Amazônica.

BBC News Brasil – O Brasil tem condições de cumprir a meta de desmatamento zero até 2030?

Krug – Nós já conseguimos quase fazer isso no passado, entre 2004 e 2012, quando reduzimos o desmatamento em 83%. Mas a situação atual é mais complexa: tivemos nos últimos quatro anos um olhar muito complicado para a área ambiental, com o desmonte das agências de fiscalização e multiplicação do crime organizado armado e garimpo ilegal. É um problemaço.

Reverter isso vai requerer uma ampliação da fiscalização, algo que custa muito dinheiro. Ou seja, o Brasil precisa de um reforço de recursos. O Fundo Amazônia contribuiu muito para a redução do desmatamento na Amazônia, mas paga por reduções – e para reduzir é preciso tomar ações que requerem dinheiro.

Você me pergunta se é possível. Eu acho que é, mas vai depender da intensificação extrema dessas ações de fiscalização em um curto espaço de tempo.

Construção do Gasoduto Urucu-Coari-Manaus, que foi inaugurado em 2011 pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Tetty Images

BBC News Brasil – O presidente Lula tem defendido que a Amazônia seja explorada de maneira compatível com o meio ambiente, sem aumentar o desmatamento, mas ao mesmo tempo sem ser um santuário que não gera renda aos moradores. Como a senhora avalia essa visão? É possível desenvolver sem desmatar?

Krug – Eu concordo com o presidente Lula. Há potenciais que muitas vezes são pouco explorados para uma estratégia de desenvolvimento envolvendo os povos que vivem nas regiões ameaçadas. Não adianta criar um plano sem nem saber como ele vai impactar as populações locais – tanto positiva quanto negativamente.

BBC News Brasil – Explorar petróleo na foz do Rio Amazonas e ampliar a exploração na própria floresta é viável?

Krug – Eu consigo entender que muitos países, inclusive da nossa região, tem um grande potencial de exploração de combustíveis fósseis e que, por meio deles, poderiam gerar mais recursos para a saúde, educação e etc.

Por outro lado, um dos pontos mais críticos do combate à mudança do clima é justamente a descarbonização. Os combustíveis fósseis representam 80% da contribuição para a mudança do clima. Então [investir em petróleo] é quase como andar na contramão da ciência.

E explorar petróleo na Amazônia é algo bem difícil para mim. Tenho dificuldade de entender.

É uma discussão que mereceria mais aprofundamento.

BBC News Brasil – O Pará sedia a cúpula da Amazônia, mas é regularmente o segundo Estado que mais desmata no país. Há sérios conflitos ali que ilustram o desafio do Brasil em relação ao meio ambiente. Em que medida o Brasil e o presidente Lula têm condições de tentar liderar uma agenda ambiental global quando existem problemas tão sérios em casa que parecem difíceis de resolver?

Krug – Ele [Lula] já é um líder. Esses seis meses de governo deram a clara demonstração de um país que tem na ciência e na tratativa da mudança do clima temas prioritários. Conversando com líderes e representantes de diversos países nos últimos meses notei uma visão de um novo Brasil e de que o Lula tem, sim, a capacidade de liderar e retomar a liderança regional.

A Cúpula da Amazônia é um exemplo disso, é uma demonstração de que o Brasil não está só pensando no Brasil, mas em toda a região e certamente. Isso já é um passo importante no estabelecimento dessa liderança que o Brasil perdeu nos últimos quatro anos.

E, na minha opinião, hospedar a COP-30 em Belém é uma ótima forma de mostrar o que ainda temos de floresta. Mas, ao mesmo tempo, na minha opinião, a mensagem principal deve ser para mostrar o quanto essa floresta está vulnerável ao desmatamento e que se não houver um esforço paralelo à redução do desmatamento, junto com o esforço de descarbonização, as florestas e os ecossistemas naturais sendo muito vulneráveis à mudança do clima, tornam essa situação bem complicada.

BBC News Brasil – A senhora foi candidata do Brasil à presidência do IPCC, mas o britânico Jim Skea foi o aprovado em plenário. Estas foram as primeiras eleições na história do IPCC com candidatas mulheres e, se fosse eleita, a senhora teria sido a primeira mulher a presidir o órgão. A senhora acredita que uma decisão em prol da maior diversidade de gênero na liderança poderia beneficiar mais o IPCC?

Krug – Certamente. Se existe uma frustração é pelo fato dessa eleição não ter eleito uma mulher – e olha que éramos duas candidatas. A composição atual da diretoria do IPCC tem um presidente, três vice-presidentes e oito co-presidentes de grupos de trabalho e da força-tarefa. São 12 pessoas, das quais apenas três são mulheres.

As Nações Unidas falam muito de paridade de gênero, mas o IPCC desde sua criação há 34 anos nunca teve uma mulher presidente, o máximo que se alcançou foi uma vice-presidente, com a minha eleição à Vice-presidência em 2015. Sempre tentamos também estabelecer um balanço de gênero e distribuição geográfica dos autores que contribuem para o IPCC, mas nem sempre fomos bem-sucedidos. No último ciclo tivemos 32% de autores mulheres e no anterior 25%.

O Brasil jamais teria apresentado a minha candidatura da forma como o fez, com todo o apoio que foi dado, se não tivesse confiança nos meus requisitos para o cargo de presidente. Então fica a pergunta: por que não?

Então eu acho que eu não perdi nada, mas o IPCC perdeu uma grande chance de ter uma mulher qualificada, que já era vice-presidente e que já estava na instituição há 21 anos consecutivos como presidente. E se isso tudo não foi suficiente dessa vez, tenho dúvidas se uma mulher ou um representante de um país em desenvolvimento conseguirá um dia chegar lá (BBC Brasil, 13/8/23)

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