Por Carlos Gilberto Carlotti Jr. e Julio Romano Meneghini
Projeto desenvolvido em centro de pesquisa da universidade é um marco na consolidação do Brasil como potência global de energia renovável.
O aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) e o aquecimento global resultam em preocupante emergência climática. Os cenários trágicos decorrentes do aumento da temperatura média acima de 2°C em relação à era pré-industrial são um chamado para ação imediata.
É imprescindível transformar as matrizes energéticas dos países que são grandes emissores de GEEs. O avanço significativo da produção de energia solar e eólica e o desenvolvimento de tecnologias para a produção e barateamento de combustíveis renováveis, como etanol de segunda geração, biodiesel e hidrogênio, são fundamentais, além do desenvolvimento de tecnologias de armazenamento de energia para uma transição eficiente e sustentável.
Os países detentores de grandes florestas devem adotar o uso responsável da terra e investir em reflorestamento, contribuindo para a captura de carbono e geração de renda para as populações locais, assim como os países de maiores produções agropecuárias devem incorporar tecnologias que capturem maior quantidade de carbono no solo e aumentar a produtividade por hectare.
Enfrentar a emergência climática demanda ações políticas, colaborações científicas multilaterais, conscientização pública e apoio da sociedade para promover mudanças comportamentais em prol da sustentabilidade. A percepção pública desempenha papel essencial nesse processo.
É necessário adotar uma abordagem transdisciplinar, na qual pesquisadores e especialistas de diversas áreas do conhecimento unem esforços para encontrar soluções. O modelo da hélice tríplice, que fomenta a colaboração entre universidade, governo e iniciativa privada, é uma estratégia de inovação que valoriza a cooperação entre setores distintos. Essa abordagem permite o compartilhamento de recursos, conhecimento e expertise, impulsionando a inovação e viabilizando parcerias científicas multilaterais.
Os centros de pesquisa que seguem esse modelo desempenham papel crucial na busca por soluções para a emergência climática. Eles têm a capacidade de agregar conhecimentos de diversas áreas, alavancar colaborações científicas entre diferentes instituições e contribuir para a diplomacia científica, fortalecendo a cooperação em nível global.
Ao adotar a transdisciplinaridade, o modelo da hélice tríplice, as parcerias colaborativas, conscientização e inovação, podemos avançar na luta contra as mudanças climáticas e na construção de um futuro sustentável.
Na Universidade de São Paulo (USP), um exemplo disso é o Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa ou Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI). O RCGI tem como missão colaborar com o Brasil para atingir suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), no contexto do Acordo de Paris. Com programas temáticos abrangendo diversas áreas, como Soluções Baseadas na Natureza, Captura e Utilização de Carbono, Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono, o RCGI conta com a participação de 70 professores da USP e de outras instituições de pesquisa e 300 pesquisadores. A USP atua na criação de outros centros seguindo esse modelo, como o Centro de Estudos da Amazônia Sustentável e os Centros de Estudos para Agricultura Tropical e Carbono.
Resultado do trabalho do RCGI é a implementação da primeira planta piloto de produção de hidrogênio a partir do etanol do Brasil, sobre a qual estamos celebrando o lançamento da pedra fundamental nesta data. Com inauguração prevista para o início de 2024, o projeto representa um marco na consolidação do Brasil como potência global da energia renovável e conta com a parceria do RCGI, da Fapesp, do Governo de São Paulo, do Senai e de empresas como Hytron, Shell Brasil e Raízen.
A planta, nesta primeira etapa, irá abastecer três ônibus cedidos pela EMTU e fabricados pela Marcopolo, além de um veículo oferecido pela Toyota, todos movidos por células a combustível que geram eletricidade internamente a partir do hidrogênio, sem emissões de gases do efeito estufa. Atingir a produção industrial é uma das metas do projeto.
Essa colaboração entre USP, empresas e governo demonstra o compromisso do Estado de São Paulo com impulsionar a transição para uma economia verde e sustentável. A planta piloto reflete a expertise do País em biocombustíveis, como o etanol, aplicada estrategicamente na produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono. Essa iniciativa demonstra a capacidade do Brasil de buscar soluções inovadoras, mitigando as mudanças climáticas a partir de ações integradas entre universidades, governo e iniciativa privada.
A emergência climática exige uma transformação urgente nas matrizes energéticas e no uso da terra. O Brasil tem potencial para liderar essa transformação, beneficiando não apenas o País, mas também o mundo todo. É necessário que continuemos avançando neste caminho, promovendo parcerias e investimentos que impulsionem a economia verde e sustentável, contribuindo para um futuro mais próspero e resiliente (Carlos Gilberto Carlotti Jr. e Julio Romano Meneghini são, respectivamente, reitor da USP e professor titular da Escola Politécnica e coordenador do RCGl; Estadão, 10/8/23)