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Como combater o aquecimento global

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Por José Goldemberg

Ajudar os países em desenvolvimento a crescer sem aumento das emissões atende ao interesse dos países mais ricos, porque as emissões não têm fronteiras

Existe uma forte analogia entre os problemas que o aquecimento global está gerando hoje e o que aconteceu cerca de 200 anos atrás com as preocupações resultantes do aumento da população. Em 1798 um clérigo inglês, Thomas Malthus, levantou uma enorme celeuma quando argumentou que, enquanto a produção de alimentos aumentava na progressão aritmética (2, 4, 6, 8, 10, 12…), a população crescia em progressão geométrica (2, 4, 8, 16, 32, 64…). Na época a população da Inglaterra dobrava a cada 25 anos e não haveria alimentos para todos.

Para evitar que isso acontecesse, Malthus defendia, por um lado, que guerras e epidemias eram meios eficazes para combater o crescimento demográfico dos mais pobres e, por outro lado, a adoção de medidas de caráter “moral”, como casamentos mais tardios, celibato e abstinência sexual.

Malthus estava completamente equivocado. Avanços tecnológicos aumentaram a produtividade agrícola, o que evitou a crise alimentar que ele considerava inevitável.

A analogia entre o aumento da população e o aquecimento global é a seguinte: os países desenvolvidos, os “ricos” de Malthus, com uma população de 1,5 bilhão, estão distribuídos em 38 países (Estados Unidos, Japão e países da Europa). Essa população emite per capita três vezes mais CO2 (o principal responsável pelo aquecimento global) do que os “pobres” (6,5 bilhões de pessoas nos países em desenvolvimento) distribuídos em mais de 150 países.

As emissões de CO2 dos países “ricos” estão diminuindo em razão de avanços tecnológicos e leis que limitam as emissões. Esses avanços são de dois tipos: por um lado, aumentando a eficiência da fabricação e do uso de produtos (como automóveis e equipamentos domésticos); e, por outro lado, substituindo combustíveis fósseis por formas de energia renovável, isto é, “verdes”.

As emissões dos países “pobres” estão aumentando rapidamente, sobretudo naqueles que estão se industrializando e cuja economia está crescendo. Esse aumento é inevitável se não forem tomadas medidas para substituir o uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), repetindo o que os países industrializados fizeram.

Os países mais “pobres” são, na realidade, um “gigante adormecido” e, se crescerem economicamente usando combustíveis fósseis, as emissões mundiais de CO2 aumentariam de forma desastrosa.

O que ocorreu na China desde 1992 ilustra bem essa situação: em 1992 a China emitia metade do que os Estados Unidos emitiam. Hoje, emite mais que o dobro porque se industrializou fortemente usando carvão, petróleo e gás natural como principais combustíveis.

A Convenção do Clima em 1992 entendeu bem o problema, prevendo em uma das suas cláusulas que os países industrializados “promoveriam, facilitariam e financiariam os países em desenvolvimento para permitir que implementassem os objetivos da convenção”. Para isso, é essencial que os países em desenvolvimento adotem desde o início do seu processo de industrialização tecnologias mais “verdes”.

Por essa razão a Conferência das Partes (COP) da Convenção do Clima decidiu, em 2009, que os países industrializados mobilizariam US$ 100 bilhões por ano para ajudar os países em desenvolvimento a adotar tecnologias mais eficientes e menos poluentes. Ajudar os países em desenvolvimento a crescer sem aumento desastroso das emissões atende ao interesse dos países mais ricos, porque as emissões não têm fronteiras.

A meta dos US$ 100 bilhões, porém, só foi atingida em 2020, com uma característica perversa: cerca de 80% das contribuições dos países ricos são feitas na forma de empréstimos, que deverão ser pagos e voltarão para os países ricos. Apenas 20% são usados como créditos concessionais.

Sucede que muitos dos países em desenvolvimento já são tão endividados que não atendem às exigências dos bancos internacionais de fazer novos empréstimos.

Há precedentes importantes de outros programas internacionais de ajuda melhores, como o Plano Marshall, que o governo dos Estados Unidos criou em 1948 para ajudar a reconstrução dos países da Europa devastados na 2.ª Guerra Mundial (1939-1945). Nesse plano, cerca de 50% dos recursos foram doados aos governos da Europa.

Discutem-se no momento propostas para aumentar a meta dos US$ 100 bilhões por ano para US$ 500 bilhões por ano, que serão discutidas na COP-29, no Azerbaijão, neste mês. É uma oportunidade para dinamizar a Convenção do Clima de 1992, adotada 32 anos atrás e que ainda patina sem atingir seu objetivo, que é “a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência perigosa no sistema climático”.

Caso essa estabilização não ocorra, as mudanças climáticas poderão ser catastróficas como algumas que estão ocorrendo em diversas partes do mundo, inclusive no Rio Grande do Sul. As previsões pessimistas de Malthus não ocorreram, mas o aquecimento global vai ocorrer se não forem adotadas medidas concretas para evitá-lo (José Goldemberg foi ministro do Meio Ambiente em 1992 (Governo Collor); Estadão, 12/11/24)

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