Por José Fucs
Para Antonio Cabrera, o presidente ‘fornece munição’ para os concorrentes do País e ‘não entende’ que os alimentos se tornaram uma questão de soberania e de poder no mundo.
Entrevista com Antonio Cabrera, ex-ministro da Agricultura no governo Collor e presidente do Grupo Cabrera.
O empresário e veterinário Antonio Cabrera Mano Filho, de 64 anos, está envolvido com o mundo do agronegócio “desde criancinha”, como se diz por aí. Nascido numa família de produtores rurais em São José do Rio Preto, no interior paulista, onde mora até hoje, ele travou contato desde cedo com as coisas do campo e hoje comanda o Grupo Cabrera, com mais de 100 anos de atuação na área e cerca de 50 mil hectares cultivados em fazendas espalhadas por vários Estados do País.
Formado em veterinária, com pós-graduação em produção animal na Índia, Cabrera foi ministro da Agricultura no governo Collor com apenas 29 anos e secretário da Agricultura do Estado de São Paulo (1995-1996) na gestão de Mário Covas. Depois, ensaiou uma carreira política como candidato ao governo de São Paulo pelo PTB, em 2002, e passou por vários partidos, mas hoje diz não ter vinculação partidária nem a intenção de voltar a disputar um cargo eletivo.
Segundo Cabrera, “a maioria absoluta” das ações do atual governo “é contrária” ao agronegócio e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “não entende” que os alimentos se tornaram uma questão de soberania e de poder. “Hoje, pela importância que o agronegócio brasileiro tem no mundo, estamos sendo atacados e não estamos sendo defendidos como deveríamos ser”, diz. “Infelizmente, o próprio presidente acaba reforçando essa campanha internacional contra o nosso agronegócio.”
Nesta entrevista ao Estadão, ele fala também sobre o protagonismo geopolítico assumido pelo País com a produção de alimentos, comenta as críticas ao uso de defensivos agrícolas pelos produtores do País e afirma que o governo Lula deveria aproveitar a COP 30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a ser realizada em Belém, em novembro de 2025) para o agronegócio brasileiro contar a sua própria história, que, em sua visão, está sendo contada “de forma enviesada” no exterior.
Cabrera fala, ainda, sobre a nova lei de licenciamento ambiental, a desigualdade no campo e a relação de Lula com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). “Na vida, você tem de fazer escolhas e o Lula ficou do lado criminoso do agronegócio, que invade propriedades privadas.” Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
O presidente não está vendo a realidade do agro, quais são os problemas, os gargalos, as perspectivas. Não está enxergando o futuro.
De forma geral, como o sr. está vendo as ações do governo Lula para o agronegócio?
Em relação ao agro, eu vejo o ministro Carlos Fávaro (da Agricultura e Pecuária) talvez como a única voz lúcida hoje no governo Lula. Quando ele fala alguma coisa, fala algo pertinente. Quanto ao resto do governo, de uma maneira muito triste, como brasileiro, vejo um grupo de lideranças que não entende o papel do agronegócio, a importância que o agronegócio brasileiro tem hoje no mundo. Infelizmente, a maioria absoluta das ações tomadas pelo governo Lula é contrária ao agro. O presidente não está vendo a realidade do agro, quais são os problemas, os gargalos, as perspectivas. Não está enxergando o futuro. Parece que ele vê o comércio internacional, as exportações do agronegócio, como algo que é contra o Brasil.
O sr. pode dar um exemplo dessa postura do presidente contrária ao agronegócio?
No fim do ano passado, o presidente Lula, eu nunca me esqueço disso, deu uma declaração de que o agronegócio no Brasil planta com muito veneno. Disse que, por causa disso, já haviam morrido crianças contaminadas no País. É um desconhecimento completo do que se passa hoje no agronegócio. Eu me lembro que, quando ele deu essa declaração, fornecendo munição para os nossos concorrentes lá fora, as principais agências internacionais de notícias reproduziram isso para o mundo todo. Quando você faz uma declaração irresponsável como essa, o estrago que causa é muito grande.
Na sua visão, então, a declaração do Lula não tem base na realidade?
Não tem o menor cabimento. É só você parar e pensar: no ano passado, o Brasil mandou comida, alimentos, para mais de 230 países e territórios. Você acha que a gente conseguiria mandar comida “com muito veneno”, como afirmou o presidente, para o mercado japonês, para o mercado europeu? A gente leva um tempo enorme, sua muito para conquistar mercado e aí o mandatário máximo da Nação vai e compromete o nosso esforço com uma declaração dessas. E este é só um exemplo. Posso citar vários outros. Hoje, pela importância que o agronegócio brasileiro tem no mundo, estamos sendo atacados e não estamos sendo defendidos como deveríamos ser. Infelizmente, o próprio presidente, mais uma série de entidades brasileiras, acaba reforçando essa campanha internacional contra o nosso agronegócio.
Imagino que a afirmação dele deve ter a ver com um suposto uso indiscriminado de agrotóxicos na produção. O que o sr. tem a dizer sobre isso?
Há muita maldade nisso. Para começar, o agrotóxico deveria ser chamado de defensivo. Depois, é preciso levar em conta o seguinte: a agricultura americana só consegue trabalhar seis meses por ano. Na outra metade do ano, ela fica debaixo de neve.
Aqui, não. A gente trabalha 365 dias por ano. Ou seja, aqui você consegue produzir duas ou três safras por ano e algumas fazendas, as mais desenvolvidas tecnicamente, estão produzindo até quatro. Então, nós produzimos mais por hectare do que eles produzem. Ou seja, até por uma razão lógica, a gente deveria utilizar mais defensivo. Só que o Brasil, embora seja o maior produtor de alimentos, não é um dos maiores consumidores de defensivos. Sabe quem são? O Japão, as Ilhas Maurício. Nós estamos aí, dependendo do ranking, entre o 20º e 30º lugar na lista dos maiores usuários de defensivos por hectare.
O que nós precisamos é produzir mais alimentos por hectare e não usar mais hectares para produzir mais alimentos. E o Brasil tem feito isso de uma maneira magistral, usando apenas 8% do território nacional. A Noruega, cuja rainha vem aqui dar lição de moral em sustentabilidade, utiliza 60% do seu território para a agricultura. Os países escandinavos, na média, usam 60% de seus recursos naturais para agricultura. A gente precisa esclarecer isso para as pessoas.
Não dá para aumentar a produção de produtos mais saudáveis, sem o uso de defensivos, para evitar esse tipo de crítica ao agronegócio brasileiro?
Se a gente tivesse só agricultura orgânica, por exemplo, precisaria de 80% a 200% a mais de terras para ter a mesma produção. O globo não seria suficiente para que a gente pudesse ter toda uma transição para uma agricultura orgânica. Por quê? Porque nós não teríamos a mesma produtividade que temos hoje. Cria-se essa mentalidade errada, distorcida, míope, de que o orgânico é saudável e a nossa agricultura não é. Isso é um erro crasso. Aliás, o orgânico nem é sinônimo de saudável, até porque também ele utiliza algum tipo de fertilizante, algum tipo de defensivo. Mas, se o consumidor quiser comprar produtos orgânicos e pagar mais caro por isso, é uma opção dele.
O governo Lula tinha de transformar a Ferrogrão em carro-chefe da apresentação do Brasil na COP 30.
Agora, em termos de ações efetivas do governo contra o agro, que exemplos o sr. poderia dar para amparar essa percepção?
O governo Lula, por exemplo, é contra o marco temporal (dispositivo segundo o qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou disputavam até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da atual Constituição). Esta talvez seja hoje uma das mais importantes medidas que a gente poderia ter em termos de paz e segurança jurídica para o agronegócio no País.
O Congresso aprovou uma lei neste sentido, o presidente Lula vetou a lei, o Congresso derrubou o veto, mostrando que havia uma maioria absoluta favorável ao marco temporal, e o governo ainda resiste à sua adoção, apoiando-se na muleta do Supremo Tribunal Federal (que, em 2023, decidiu que essa data não pode ser usada para demarcar as terras indígenas). Este é um tema extremamente caro para o agronegócio, mas o presidente não entendeu o jogo. É uma pena.
Além do marco temporal, que outro exemplo concreto o sr. pode dar para ilustrar essa posição do governo contrária ao agronegócio?
A Ferrogrão (ferrovia de 933 km que deverá ligar a região produtora de grãos de Mato Grosso ao porto de Miritituba, no Pará), é mais um exemplo. O governo Lula tem se posicionado contra a Ferrogrão, cujo objetivo é facilitar o escoamento da produção agrícola da região Centro-Oeste. O governo Lula, na minha opinião, tinha de transformar a Ferrogrão em carro-chefe da apresentação do Brasil na COP-30. Nós temos uma medalha de ouro para ser apresentada na COP-30, mas a gente nunca ouve ninguém fazer qualquer comentário a respeito do assunto ou do agronegócio brasileiro relacionado ao evento. Isso sem falar no biodiesel, no etanol, que é o maior programa de biocombustíveis do mundo.
O que o leva a dizer que a Ferrogrão, que é um projeto muito contestado pelos ambientalistas, deveria ser o cartão de visitas do Brasil na COP-30?
Tem muito blá, blá, blá em relação a esta questão. A Ferrogrão hoje é o maior projeto de descarbonização da economia mundial. Cada um fala um negócio sobre o clima, mas ninguém tem nada para entregar. O Brasil tem. Hoje, naquela região, nós temos a BR-163 (rodovia com trajeto paralelo ao previsto para a Ferrogrão), por onde transitam 20 milhões de toneladas de grãos, basicamente de soja e milho, em caminhões.
A Ferrogrão vai permitir a mudança dessa matriz logística, de rodoviária para ferroviária. Os estudos do próprio governo federal indicam que, com a Ferrogrão, a gente vai deixar de emitir 77% do CO2 emitido hoje pelo transporte rodoviário. Este é um dado concreto. Que país do mundo tem isso para entregar? As pessoas não conseguem enxergar essas oportunidades. Além disso, as estimativas indicam que a Ferrogrão vai reduzir o custo do frete em 30%.
Isso significa, no fim das contas, uma comida mais barata nas gôndolas dos supermercados. O agro tem de ser ouvido nessas questões. Hoje, a preocupação com a comida, com os alimentos, tornou-se uma questão de soberania e de poder no mundo. Deixou de ser apenas uma questão humanitária. O presidente tem de entender esse jogo.
Para você ter uma ideia, o Estado do Mato Grosso, que é o principal Estado agrícola do Brasil, tem hoje 200 quilômetros de ferrovia. Se você juntasse a Alemanha e a França, que são os dois países que mais pressionam o Brasil contra a Ferrogrão, alegando razões ambientais e a questão das terras indígenas, elas caberiam dentro do Estado do Mato Grosso. Só que a França e a Alemanha têm 70 mil quilômetros de ferrovias.
A Ferrogrão deverá ter cerca de 900 quilômetros. Quer dizer, se construirmos a Ferrogrão, o Mato Grosso terá um total de 1.100 quilômetros de ferrovias, uma pequena fração do que os dois países têm.
Durante a história da humanidade, você teve o poder econômico, o poder religioso, o poder militar e agora está aflorando o poder dos alimentos. Mas as nossas lideranças não estão conseguindo capitalizar isso.
Por que o sr. diz que os alimentos se tornaram uma questão de soberania e poder hoje no mundo?
Nos últimos oito anos, principalmente depois da pandemia, o jogo mudou. Caiu a ficha para todo mundo quando houve aqueles lockdowns. As pessoas às vezes não se dão conta disso. Hoje, mais de 80% dos países são importadores líquidos de alimentos. Ou seja, não têm produção suficiente para abastecer as suas populações. Por isso, diversos países colocaram restrições nas suas exportações agrícolas durante a pandemia. A Índia colocou, a Rússia colocou. A terra hoje é um imenso ativo político. Eu acredito que, durante a história da humanidade, de maneira geral, você teve o poder econômico, o poder religioso, o poder militar e agora está aflorando o poder dos alimentos. Mas as nossas lideranças não estão conseguindo capitalizar isso. Hoje, o Brasil tem um protagonismo na geopolítica com a produção de alimentos, mas a nossa ficha ainda não caiu.
Recentemente o presidente Lula zerou as alíquotas de importação de alimentos, para tentar combater a alta de preços. Você viu alguma entidade do setor rural reclamar? Nenhuma. Ninguém falou nada, o que mostra como o agronegócio brasileiro ficou altamente competitivo e não tem medo da concorrência internacional. Por quê? Porque as alíquotas já tinham quase zerado desde 1990.
Imagine o que aconteceria hoje se o Lula amanhecesse dizendo “eu vou zerar a alíquota de importação de automóveis”. No dia seguinte, o País pararia, ocorreriam greves, protestos sindicais, aquela coisa toda. Infelizmente, ao contrário do agro, a indústria no Brasil não está preparada para a competição externa.
O sr. acha que dá para passar para o mundo a ideia de que a agricultura brasileira pode ser sustentável, que ela não é destruidora do meio ambiente?
Sim, sim. Hoje, para mim é claro que a questão ambiental é uma máscara, uma maneira de se tangenciar a competição comercial. A gente tem de entender que nós estamos num ringue e que sempre vai ter golpe baixo. A nova lei europeia do desflorestamento, na minha visão, é uma barreira protecionista claríssima em relação ao agro brasileiro.
Nesse ponto, o que eu acho que está faltando é buscar um tipo de aliança diferente. A gente está sempre muito preocupado com essa questão governamental, mas acho que tem de mudar essa estratégia. O agro brasileiro tem de começar a fazer parcerias com o consumidor final. Nós deveríamos começar a levar uma mensagem específica para a dona de casa europeia, asiática, japonesa, e começar a contar a nossa história.
Porque o que aconteceu até agora? Não fomos nós, agricultores, que contamos a nossa história. Tem alguém que está contando a nossa história e está contando de uma maneira enviesada. Acredito que é o momento de contarmos a nossa história com números, com fatos, com base na realidade, para desmascarar essa visão deturpada do nosso agro. Nós precisamos contar a nossa história da maneira como ela é.
Em vez de dar dinheiro para o MST, Itaipu deveria se preocupar em baixar o custo da energia elétrica
Na semana passada, o Senado aprovou a nova lei de licenciamento ambiental, que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, classificou como um “golpe de morte” nas regras atuais de concessão de licenças na área. Como o sr. analisa a nova lei, que agora deverá ser votada pela Câmara dos Deputados?
Essa lei ambiental, que está em discussão há vinte anos, não é contra a preservação do meio ambiente. É uma lei que está desregulamentando a concessão de licenças. Nos últimos anos, o que vinha ocorrendo eram cada vez mais restrições, cada vez mais obrigações. Agora, houve um pequeno avanço, que vai facilitar o processo, e todo mundo está contra. Se você está contra, isso significa que a comida vai ficar mais cara lá na frente.
Hoje, em muitos Estados, se você planta soja, tem de fazer o processo de licenciamento ambiental todo ano. Se, neste ano, você vai plantar soja, tem de ir lá na secretaria e montar um processo para tirar o licenciamento ambiental. No ano que vem, se você for plantar no mesmo local, na mesma área, a mesma cultura, tem de tirar outra licença. Se você estivesse fazendo uma mudança de cultura, mudando a área ou a localização, tudo bem. É legítimo você ter de fazer um novo licenciamento, mas do jeito que a coisa está hoje fica cada vez mais difícil produzir comida neste País.
O presidente Lula tem uma relação muito próxima ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Recentemente, ao visitar um acampamento do MST, ele disse que tinha lado e que o lado dele era o mesmo do grupo. O governo também destinou um total de R$ 750 milhões para o MST no orçamento deste ano, para financiar a agricultura familiar e a reforma agrária, e lançou até um selo homenageando o movimento, por meio dos Correios. Como o sr. vê essa relação do Lula com o MST?
Na vida você tem de tomar um lado. Você tem de escolher. E o presidente Lula escolheu o dele, que é o lado do MST. Não ficou do lado do agronegócio, do lado da legalidade, do respeito ao direito de propriedade. Ele ficou do lado criminoso do agronegócio, que invade propriedades privadas. Então, às vezes, quando alguém me pergunta se eu não estou sendo um pouco radical ao falar que o governo é contra o agro, eu digo “não, não sou eu que sou radical, é o próprio governo que é”.
Hoje, o MST atua na Venezuela, está fazendo cooperação com a China e recebe recursos de Itaipu, que não passam pelo crivo do Tribunal de Contas da União, por ser uma empresa binacional, do Brasil e do Paraguai. Em vez de dar dinheiro para o MST, Itaipu deveria se preocupar em baixar o custo da energia elétrica para a população.
Quanto aos recursos destinados ao MST para reforma agrária e produção de alimentos, qual é a sua posição?
Aonde é que você tem produção de alimentos pelo MST? Não existe isso. Nós utilizamos, na agricultura, cerca de 65/70 milhões de hectares. Essa é a área total que a agricultura brasileira ocupa no Brasil. Sabe quantos hectares já foram destinados para reforma agrária? 90 milhões de hectares. Ou seja, já foram destinados mais hectares até hoje para a reforma agrária do que para o agronegócio. Então como é que vai se falar em mais desapropriações? E por que precisa invadir? A questão é que o MST não quer fazer reforma agrária. O que eles querem é fazer uma revolução agrária, querem ter o poder político na mão.
Não sei se você viu um relatório divulgado recentemente pela Controladoria Geral da União, que diz que o maior sonho de 95% dos assentados nesses 90 milhões de hectares é ter um título de propriedade. Ou seja, hoje você cria uma reforma agrária, desapropria uma área e não dá o título para a pessoa. Ela fica como uma dependente química do Estado. Você tem de criar uma reforma agrária, dar estrutura e titular o cara para ele se tornar um produtor e poder dizer: “Olha, eu tenho a minha escritura, sou dono desse pedaço de chão, vou começar a produzir”.
Os municípios em que o agronegócio tem predominância estão reduzindo a desigualdade social
Por que que os títulos de propriedade não são concedidos pelo governo?
Porque o governo é contra a titulação. É uma coisa inacreditável. Acha que não pode titular, que eles ainda têm de continuar na dependência do Estado, que eles precisam de mais tempo. Gente, mas faz 30 anos que isso está ocorrendo! E o que acontece? Você mantém essas pessoas na marginalidade, porque quando não tem escritura não tem acesso ao mercado financeiro. Como é que você vai fazer um financiamento? Hoje, nos Estados Unidos, por exemplo, 80% dos financiamentos têm como garantia hipotecas imobiliárias. O sujeito tem a casa e dá a propriedade em garantia, para baratear os empréstimos. No Brasil também é assim. Agora, aqui você tem um milhão de pessoas que não têm título de propriedade e não podem ter acesso ao mercado financeiro.
Outro dia eu vi um vídeo que o sr. divulgou nas redes sociais em que criticava a Campanha da Fraternidade, promovida pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). No vídeo, o sr. dizia que eles também estavam “difamando” o agronegócio, por criticar a produção em larga escala para exportação. Por que essa visão negativa em relação à Campanha da Fraternidade?
É aquilo que a gente já comentou. Muita gente vê a exportação de alimentos como um inimigo. No caso da CNBB, isso é até uma coisa estranha, porque você está falando de uma entidade cristã. E para mim, para um cristão, eu acho que um ser humano na Ásia ou na África também merece ser alimentado. Então, se a gente está conseguindo alimentar um chinês ou seja lá quem for, como é que você pode fazer uma campanha contra mandar comida para alguém? Tudo bem se você for um economista, um ideólogo, um nacionalista. Agora, um cristão, uma entidade de uma igreja, ser contra a exportação de comida para as outras pessoas é até um contrassenso. Que fraternidade é essa? Em vez de criar um clima de fraternidade, essa campanha da CNBB acaba criando mais divisão no País.
Além disso, as exportações são uma maneira de a gente obter moeda forte para o País e reforçar a nossa balança comercial. Quando eu exporto, preciso ter acesso à tecnologia, porque tenho de atender o padrão técnico desses países que estão comprando nossos produtos, que são altamente exigentes. A CNBB fala muito também da desigualdade. Recentemente, eu li uma reportagem mostrando que os municípios em que o agronegócio tem predominância estão reduzindo a desigualdade social. Mato Grosso, Goiás e Minas são os Estados que mais rapidamente têm reduzido a desigualdade social.
No Nordeste, que é o grande problema do País em termos de desigualdade, a gente tem uma região chamada de Matopiba. Não sei se você já ouviu falar. É uma região formada por quatro Estados – Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia – que é propícia ao agronegócio e está se desenvolvendo muito. Ali, você começa a ver a redução da desigualdade no local mais problemático do Brasil neste quesito, que é o Nordeste. É exatamente o contrário do que eles estão falando. Iniciativas como essas campanhas caluniosas, que não tem nenhuma base técnica para falar sobre o que estão falando, são lamentáveis (Estadão, 30/5/25)