Editorial O Estado de S.Paulo
Congresso deixa claro que não aceitará levar passa-moleque do governo, que pretendia usar o IOF para aumentar a arrecadação em vez de discutir a sério maneiras de cumprir as metas fiscais.
A malandragem do presidente Lula da Silva ao editar o decreto de aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) não colou. O governo está prestes a passar pelo vexame de ver a medida ser derrubada – seja por um recuo do próprio Palácio do Planalto, seja por ação do Congresso. Por meio da rede social X, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), informou que fez chegar ao governo a “insatisfação geral dos deputados com a proposta de aumento de imposto”, ressaltando que “o clima é para derrubada do decreto do IOF” na Casa. Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), deram um ultimato ao governo: num prazo de dez dias, o Ministério da Fazenda tem de apresentar alternativas ao aumento do IOF.
Se serviu para alguma coisa, a esperteza de Lula escancarou que a intenção do governo era mesmo tentar cumprir a meta fiscal deste ano pela via do aumento das receitas, mantendo intocado qualquer ajuste estrutural pelo lado das despesas. A rigor, isso não chega a ser novidade, pois é notória a ojeriza do petista à ideia de austeridade fiscal, sobretudo em ano pré-eleitoral.
Mas o que chama a atenção em todo este imbróglio é a audácia de um governo absolutamente emasculado de tentar engambelar um Congresso poderoso e claramente infenso às suas pautas, quando não hostil. E da pior maneira possível: por meio da perversão da natureza regulatória do IOF, com o evidente objetivo de passar a perna no Poder Legislativo e, assim, fugir do debate democrático sobre a pertinência de mais um aumento da alta carga tributária do País. Nesse sentido, Hugo Motta está coberto de razão ao cobrar que o presidente da República participe diretamente da negociação sobre as alternativas ao aumento do IOF, vale dizer, da construção de um plano fiscal consistente e duradouro, e não de “gambiarras tributárias só para aumentar a arrecadação”.
A bem da verdade, também recai sobre os ombros do Congresso uma parcela da responsabilidade pelo desarranjo das contas públicas. Convém lembrar que, no final de 2022, o então recém-eleito Lula da Silva contou com a chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição para iniciar o governo gastando como se não houvesse amanhã. E, agora, vê-se que essa conta não fecha. Ademais, com que autoridade pode pontificar um Congresso que tomou para si nada menos que R$ 50,4 bilhões do Orçamento da União apenas em 2025 a título de emendas parlamentares – dispostas, como é sobejamente sabido, sem a devida transparência republicana?
De toda forma, no regime presidencialista que, supostamente, ainda vige no Brasil, cabe ao Poder Executivo propor e liderar um esforço nacional pela racionalização dos gastos públicos. Mas, ao que parece, isso nem de longe está no radar de Lula, como seus comícios Nordeste afora nesta semana deixaram claro para quem ainda tinha alguma dúvida. Portanto, é diante desta esquizofrenia de um governo que, por um lado, propõe medidas erradas para cumprir a meta fiscal e, por outro, informa que gastará o que tem e o que não tem à disposição em nome do triunfo eleitoral em 2026 que o Congresso que aí está se ergue como um bastião da austeridade fiscal, e não sem certa dose de razão, é forçoso reconhecer.
Caso estivesse genuinamente preocupado com o equilíbrio fiscal do País, Lula não apenas poderia, como deveria ter envolvido o Congresso na discussão de medidas voltadas a esse nobre fim a tempo certo. Não apenas não o fez, como, em vias de descumprir o que ainda resta de arcabouço fiscal, optou por driblar o Poder Legislativo. Agora, Lula pagará com humilhação por essa malandragem, além de ver a credibilidade de sua equipe econômica – que já não era alta – restar ainda mais desgastada.