Em documento, Brasil também analisa possíveis implicações em outros setores, como etanol.
O acordo comercial entre Estados Unidos e Japão pode dificultar a abertura do mercado japonês para a carne brasileira, apesar das negociações conduzidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) junto ao país asiático, avalia uma autoridade brasileira em Washington.
A análise consta em um documento a que a Folha teve acesso no qual é reportado que o Japão importou, no ano passado, cerca de 70% de sua carne bovina dos EUA e da Austrália e que o recente acordo feito com o governo de Donald Trump pode consolidar ainda mais o acesso dos americanos ao mercado japonês nesse setor.
Em março, Lula foi a Tóquio acompanhado de políticos e empresários em busca de avanços para a abertura do mercado japonês à carne brasileira, pleito feito desde 2005.
Um dos focos da visita era conseguir o envio de uma missão japonesa de inspeção sanitária aos frigoríficos brasileiros –primeiro passo para a aceitação da carne bovina nacional.
Em junho, o Brasil recebeu uma missão oficial de auditores do Ministério da Agricultura, Silvicultura e Pesca do Japão no âmbito dessas tratativas. A programação incluiu atividades em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.
“A auditoria in loco representa uma etapa importante no processo de avaliação do sistema sanitário brasileiro pelo Japão, reforçando a credibilidade do Brasil como potencial fornecedor de carne bovina e destacando a integração entre o Mapa, os serviços estaduais de defesa agropecuária e o setor produtivo”, disse o governo em nota.
A movimentação do Brasil para abertura do mercado japonês à carne bovina brasileira voltou a se intensificar em 2024, quando Lula recebeu o então primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, em Brasília. Após a reunião bilateral, o petista falou em tom de brincadeira para o vice-presidente, Geraldo Alckmin, levar o líder japonês a uma churrascaria.
Questionada na época sobre a possibilidade de o Japão comprar carne bovina do Brasil, a porta-voz do governo japonês, Maki Kobayashi, fez referência ao status sanitário do país e ao tempo do processo para abertura do mercado ao produto brasileiro.
Tarifaço
Negociadores brasileiros argumentaram, por sua vez, que as condições sanitárias no país hoje são muito melhores do que no passado.
Como parte do acordo entre EUA e Japão recém-anunciado, as importações japonesas estarão sujeitas a uma tarifa de 15% –redução em relação aos 24% anunciados em abril.
Também está previsto um aumento imediato de 75% na importação de arroz norte‑americano, além da compra de US$ 8 bilhões em bens como milho, soja, fertilizantes, bioetanol e combustível de aviação sustentável.
Com relação a possíveis implicações para o Brasil, o governo avalia que, embora o Japão pretenda aumentar a mistura de etanol na gasolina de 3% para 10% até 2030, o acordo com os EUA poderá direcionar boa parte dessa demanda para o etanol americano.
A análise aponta também que o Brasil passa por uma forte expansão de etanol de milho –cerca de 15% da produção nacional– e ressalta que a oferta exportável tende a diminuir com o aumento da mistura obrigatória de etanol na gasolina de 27% para 30%, o que limitaria a capacidade do país de suprir o Japão em larga escala.
Diante da conjuntura descrita, a autoridade brasileira que assina o documento recomenda ao governo acelerar os diálogos bilaterais com o Japão para garantir quotas específicas de etanol e carne brasileira, enfatizando os diferenciais de sustentabilidade do país.
Ainda segundo o documento, o Brasil considera que o aumento das importações japonesas de grãos dos EUA tende a reduzir a participação de fornecedores concorrentes e que este cenário pode afetar a penetração do milho e da soja brasileiros no mercado asiático.
Apesar das externalidades negativas, o Brasil também vê possibilidade de novas oportunidades com o acordo entre EUA e Japão. O documento cita que as discussões de cooperação em biometano e recuperação ambiental no cerrado podem abrir espaço para projetos conjuntos com o país asiático, alavancando conhecimento em bioenergia e conservação.
Além de intensificar as negociações, a representante do governo brasileiro em Washington recomenda a diversificação de mercados, priorizando acordos com países que buscam aumentar o uso de etanol ou de bioenergia diante da provável queda na fatia japonesa.
Sugere também a promoção de inovação e sustentabilidade, com investimento em tecnologias de etanol de segunda geração, biometano e SAF (sigla em inglês para combustível sustentável de aviação) para manter competitividade e aproveitar eventuais aberturas em programas japoneses de energia limpa.