Entidade diz que empresas de manufatura precisam de recursos naturais que vêm do país, como eucalipto e café
A Associação das Marcas de Bens de Consumo (Consumer Brands Association), que representa empresas como Coca-Cola, PepsiCo, Nestlé e Kellog, tenta convencer o governo Donald Trump a negociar as tarifas de 50% sobre o Brasil, sob pena de penalizar os consumidores americanos.
A entidade atua no setor de manufatura doméstica e produtos embalados nos Estados Unidos e afirma que muitas empresas dependem de bens de consumo indisponíveis no país e, por isso, precisam importá-los do Brasil.
O vice-presidente de Resiliência da Cadeia de Suprimentos da associação, Tom Madrecki, disse à Folha que esses insumos, mesmo que sejam minoritários, cerca de 10%, diante do que as empresas obtêm nos EUA, são fundamentais.
“Esses 10% são o que chamaríamos de recurso natural indisponível. É um ingrediente ou um insumo que fundamentalmente não pode crescer ou não está disponível nos EUA. Isso pode ser algo como café ou polpa de eucalipto, que é usada na fabricação de papel higiênico ou na fabricação de produtos de higiene menstrual, qualquer coisa que seja realmente absorvente”, explica.
Madrecki conta que a entidade compartilhou com diversos órgãos do governo americano uma tabela na qual aponta que produtos seriam esses e a magnitude da importação.
No documento estão elencados entre os dez produtos indisponíveis nos EUA mais importados em 2025: café (verde), polpa de eucalipto, polpa kraft branqueada de madeira macia do norte, café (produtos relacionados), cacau (derivados), goiaba e manga, uvas, gengibre, pimenta-do-reino café, a polpa de eucalipto.
No total, eles citam 22 produtos, que totalizaram importações no valor de quase US$ 4 bilhões em 2024.
“Por isso, uma tarifa dessa magnitude como a proposta para o Brasil teria um impacto realmente sério sobre os consumidores pelo aumento dos preços dos alimentos, sobre pessoas que amam, tipo, café”, diz Madecki.
Segundo ele, a associação tem trabalhado muito para mostrar ao governo como funcionam as cadeias de suprimentos e dizer que isso é incompatível com a visão de Trump de que a medida protegeria as indústrias dos EUA.
“Tem que haver esse nível de compreensão sobre recursos naturais indisponíveis e a necessidade de proteger o acesso a esses ingredientes que podemos abordar um pouco mais à medida que continuamos essa conversa”, avalia.
No caso do café, algumas empresas cogitaram tentar fazer substituições para produtos do Vietnã ou México, mas a equação não é simples. Os grãos desses países têm qualidade diferente da do Brasil e os preços dessas nações também tendem a aumentar de acordo com a redução na oferta mundial.
Para o vice-presidente da associação, este pode ser um flanco a ser explorado pelo Brasil. Ele cita que no plano prévio para as tarifas para a Indonésia divulgado pelo governo americano, há um trecho que diz que pode haver tarifas menores para produtos sem paralelo nos EUA. No caso indonésio, seria o óleo de palma.
“Há um precedente potencial. Não posso dizer com qualquer nível de certeza que sabemos exatamente o que acontecerá para o Brasil, mas aponta para uma oportunidade para as autoridades brasileiras e para a equipe comercial brasileira irem aos EUA e dizer, isso importa para nós”, afirma.
“O que também ouvi de funcionários comerciais dos EUA é que cabe a outros países colocar suas cartas na mesa”, conta.
Para ele, é preciso que os países sejam criativos na hora de negociar com o governo americano, já que não seria uma tratativa como normalmente se esperaria.
O governo conta com essas iniciativas privadas para sensibilizar o governo dos EUA sobre a importância de negociar.
O Brasil tem feito contatos extraoficiais com integrantes do governo Trump porque os canais formais de negociação ainda não foram abertos, segundo a Folha apurou.
O ministro Fernando Haddad ouviu do Tesouro americano que a negociação precisa de aval da Casa Branca e que o assunto está lá.
No sábado (23), o vice-presidente Geraldo Alckmin também buscou interlocução com a Secretaria de Comércio americano, tendo conversado diretamente com o secretário Howard Lutnick. O ministro falou sobre a importância da negociação para o Brasil. Teria, porém, obtido semelhante resposta de que o assunto está na Casa Branca.
O Brasil representa de 65% a 70% das importações de suco de laranja totais dos EUA. O país também é o maior fornecedor individual de café, com importações que variam de 20% e 30%, a depender das safras. Responde ainda por 12% da oferta de açúcar de cana e por 9% da carne bovina.
Está entre os cinco maiores fornecedores de aeronaves e suas peças, representado especialmente pela Embraer, o que justifica a preocupação do setor aéreo. Em sexto lugar no ranking de exportações do Brasil aos EUA estão os produtos químicos, que servem de insumo para a produção de medicamentos. O Brasil também responde por cerca de 5% a 6% das importações americanas de petróleo bruto (Folha, 26/7/25)