Entrevista com Maurício Rodrigues CEO da Divisão Agrícola da Bayer para a América Latina.
Para Maurício Rodrigues, a agricultura no Brasil é, em geral, sustentável e deveria ser referência. Qualquer mudança climática que afete a produtividade de longo prazo preocupa.
Em novembro, em Belém, Maurício Rodrigues, CEO da Divisão Agrícola da Bayer para a América Latina, estará na sua quarta reunião da COP, a conferência realizada todos os anos sob o guarda-chuva da ONU para discutir como o planeta vai sair da enrascada crise ambiental em que se encontra. Antes, esteve nos debates de 2021 (Glasgow, Escócia), 2022 (Sharm El Sheikh, Egito) e 2023 (Dubai, Emirados Árabes Unidos).
Para ele, algo que importa nesses grandes eventos ambientais é o simbolismo do momento. Mas a construção do que será mostrado ao mundo é algo feito no dia a dia, de forma planejada e sólida.
A partir da experiência acumulada na Bayer, o executivo afirma, sem titubear, que o agronegócio brasileiro tem todas as condições de virar referência quando o tema ambiental entra em pauta. O que não significa, segundo ele, que mitos antigos não precisem ser desconstruídos. E, para isso, é preciso ampliar o diálogo com a sociedade.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Olhando para a COP-30 e, de forma mais abrangente, para as mudanças climáticas globais, qual é o peso que esse tema tem hoje para o negócio de vocês?
É uma preocupação enorme, principalmente porque estamos no setor agrícola. Qualquer mudança climática que afete a produtividade de longo prazo preocupa. A agricultura precisa ser parte da solução, atuando para minimizar os impactos. A Bayer participa das COPs há anos, levando conhecimento e dialogando em temas como sistemas de carbono. Eu mesmo participei dessas reuniões de 2021, 2022 e 2023.
O agro muitas vezes é apontado como vilão ambiental. O que dizer a esse respeito?
Estou confiante de que a agricultura no Brasil é, em geral, sustentável e deveria ser referência. Temos marcos regulatórios sólidos, práticas como rotação de culturas e plantio direto há décadas. Talvez falte dialogar mais com a sociedade. A COP no Brasil é uma oportunidade única para mostrar que o agro é parte da solução.
Como está a interlocução do agro com o governo e a sociedade sobre a importância do setor em reduzir as emissões de gases de efeito estufa?
Vejo abertura, mas é preciso desmistificar preconceitos antigos. O setor precisa ser mais proativo no diálogo, mostrar as práticas sustentáveis e traduzir melhor para a sociedade o que acontece no campo.
E na América Latina, esse debate é semelhante ao do Brasil?
Sim, mas o Brasil está um pouco à frente em capacitação, escala e marcos regulatórios. No geral, em toda a região, a pauta está presente e evoluindo. Inclusive, nas COPs recentes, percebo que a agricultura ganhou mais protagonismo.
E no caso específico da Divisão Agrícola da Bayer, como o tema da sustentabilidade se materializa na prática?
Ela é um pilar central no desenvolvimento de produtos e na forma como interagimos com nossos clientes. No caso da Divisão Agrícola, isso se materializa com a agricultura regenerativa, que busca produzir mais ao mesmo tempo em que restaura mais. Não se trata apenas de produção em escala, mas também de restauração em escala.
Ou seja, a agricultura regenerativa é a bola da vez?
Ela é a forma como materializamos tudo o que acreditamos em termos de produtividade e sustentabilidade.
E em qual nível de importância entram nesse processo a inovação e a transformação digital?
A Bayer é muito focada em pesquisa e desenvolvimento. Em 2024, investimos mais de € 2,5 bilhões globalmente em novos produtos. Esse desenvolvimento é guiado por três pilares: inovação, sustentabilidade e transformação digital. A ideia é aliar esses pilares para obter dados mais eficientes, criar produtos mais produtivos e, ao mesmo tempo, mais sustentáveis.
Mais sustentável significa que o meio ambiente será menos agredido?
Sem dúvida. Buscamos contribuir para evitar a deterioração do solo, que é fundamental para produtividade e sustentabilidade no longo prazo.

Entre os produtos que vocês desenvolvem, existem aqueles que buscam ajudar no sequestro de carbono?
Temos compromissos globais de reduzir gases de efeito estufa. No Brasil, o programa ProCarbono envolve quase 2 mil agricultores. Os resultados já mostram aumento médio de 10% na produtividade e sequestro adicional de 15% a 16% de carbono. É aplicável em várias culturas e biomas, especialmente no Cerrado.
O desenvolvimento de novos produtos é feito todo da porta para dentro ou existem parceiros importantes nesses percursos de inovação?
Das duas formas. Temos centros de pesquisa espalhados pelo Brasil, pela América Latina e pelo mundo. Mas também estabelecemos parcerias estratégicas, como com a Embrapa, para o desenvolvimento de vários produtos. É uma troca muito saudável de conhecimento que fortalece o ecossistema como um todo.
Vocês estarão fisicamente presentes na COP-30, em Belém?
Estaremos presentes de forma relevante, inclusive com a Casa Bayer, que será um espaço estruturado para dialogar, mostrar nosso trabalho e interagir com governos, empresas e sociedade civil.
Quais os principais desafios para o crescimento do setor agrícola no Brasil?
Já superamos gargalos históricos como infraestrutura precária e ausência de marco regulatório. Hoje temos produção sólida, pesquisa local, marcos fortes e profissionais qualificados. Os entraves atuais são mais conjunturais, ligados a disputas tarifárias globais. No médio e longo prazo, vejo a agricultura brasileira crescendo de forma sustentável.
E qual a sua expectativa pessoal para a COP-30, como cidadão?
Espero que o Brasil deixe uma imagem muito positiva. Que a agricultura consiga desmistificar críticas e mostrar seu caráter sustentável. E que a Bayer contribua ativamente com o diálogo. O evento em Belém será único, com o ambiente amazônico em destaque. Estou otimista, mas com cautela, porque temos as condições e boas histórias para contar, mas precisamos traduzi-las de forma eficiente na COP (Estadão, 26/8/25)