Covid e invasão da Rússia à Ucrânia despertaram o produtor para o insumo.
O que seria da agricultura brasileira sem as nossas maravilhosas bactérias? A pergunta é de Mariangela Hungria, cientista da Embrapa que ganhou o Prêmio Mundial de Alimentação, o “Nobel da Agricultura”.
“Certamente eu posso falar que não seríamos hoje o maior produtor e exportador de soja do mundo. Nem sei se seríamos produtor por causa da alta demanda que a soja tem em fertilizante nitrogenado”, responde.
Segundo ela, o Brasil tem hoje uma liderança mundial na fixação biológica do nitrogênio com a soja, conforme dados internacionais. Um cálculo da área cultivada e dos preços dos químicos indica que a economia na última safra foi de US$ 27 bilhões em fertilizantes nitrogenados na soja, e o país deixou de emitir 260 milhões de toneladas de CO2.
Desconhecido há uma década, os biológicos viraram assunto recorrente entre os produtores. Primeiro pela chegada da Covid, que estrangulou o sistema internacional de transporte. Na sequência, a invasão da Ucrânia pela Rússia afetou a distribuição de fertilizantes.
À espera de problemas com os fertilizantes, o bioinsumo passou a ser uma saída para os produtores, e a procura disparou. Esse produto, no entanto, tem uma história longa de quase 70 anos, segundo Mariangela.
Alguns problemas inerentes aos fertilizantes químicos colocam os microrganismos promotores do crescimento de planta capazes de substituir parcial ou totalmente os fertilizantes minerais, afirma a cientista.
A história dos bioinsumos se inicia no Instituto Agronômico de Campinas. Quando a cultura da soja começou a se expandir no Rio Grande do Sul, o microbiologista João Luiz Jardim Freire passou a produzir os primeiros inoculantes.
A pesquisa nunca parou, e ela foi fundamental para se obter os resultados fantásticos em termos de fixação biológica do nitrogênio na soja, diz Mariangela. Mas não é só a pesquisa que participa dessa história. Em 1956, surgiu a primeira indústria de inoculantes. A extensão agropecuária e a primeira lei sobre o setor, em 1981, também foram fundamentais. A pesquisadora credita, ainda, o sucesso da pesquisa em fixação biológica do nitrogênio também aos pesquisadores brasileiros.
“Hoje temos um conjunto de dados tão robustos que não existe em nenhum outro lugar do mundo. São 500 ensaios, e o que for perguntado, nós já testamos”, afirma. O sucesso da pesquisa em fixação também vem da continuidade e da verificação do desempenho das condições do país, que avança na agricultura tropical.
Os cientistas brasileiros romperam com alguns consensos mundiais sobre o assunto, uma vez que o país tem condições climáticas muito estressantes, e as bactérias ficam em estado latente. A introdução de bactérias fisiologicamente prontas para começar a fixar nitrogênio dá um incremento de 8% no rendimento das lavouras. Pelo menos 85% de toda a área cultivada com soja no Brasil utiliza inoculação.
A continuidade da pesquisa é importante porque sempre aponta coisas diferentes. Mariangela alerta, no entanto, que, na febre da utilização dos biológicos, é preciso saber o que realmente precisa ser usado. Existem possibilidades pouco exploradas com outros microrganismos.
Apesar dos avanços, o setor tem desafios pela frente. Um deles é manter a qualidade já atingida pelos inoculantes, principalmente porque é uma tecnologia que finalmente consegue ter credibilidade, afirma.
Outro desafio é o da produção, segundo a cientista. Produzir produtos biológicos não é fácil, não há tantos microbiologistas disponíveis no Brasil com conhecimento suficiente. “Não é um conhecimento que ser consegue em três ou quatro semanas, é um conhecimento de um a dois anos”.
Do lado do produtor, Mariangela diz que não adianta só comprar o inoculante, mas tem que saber utilizá-lo corretamente. A pesquisadora colocaentre os desafios futuros para o setor, as mudanças climáticas globais. Além da aplicação nas culturas, ela diz que os microrganismos serão importantes na recuperação das pastagens degradas do país, o que deve aumentar a área disponível para grãos. É possível a recuperação dessas áreas sem a utilização de químicos, afirma (Folha, 24/7/25)